Contrabando de agrotóxicos corre solto na Tríplice Fronteira

Sindiveg calcula que 10% de tudo que se usa nas lavouras brasileiras é ilegalNesta semana, o Canal Rural mostra como agrotóxicos falsificados e ilegais chegam em grandes quantidades às lavouras brasileiras. Na primeira reportagem, veja como é fácil comprar produtos no Paraguai.

Em uma revenda de produtos agropecuários, um produtor rural procura um inseticida para testar em sua lavoura. Conversa com o vendedor, avalia as recomendações, compra uma quantidade pequena, para testar em um talhão e ver se realmente funciona, põe em uma sacola e segue para casa. Não há nada de errado nesta cena, não fosse um detalhe: o produtor rural é nosso repórter disfarçado. A loja fica em Ciudad del Este e o inseticida em questão é o benzoato de emamectina. Além de ilegal, a cena é corriqueira.

A reportagem passou pela Ponte da Amizade com quatro fungicidas e três inseticidas, além do benzoato, em frente à fiscalização da Polícia Federal, sem nenhum problema. O comércio é tão corriqueiro que o próprio vendedor paraguaio dá as orientações sobre os dias e horários de menor fiscalização e a forma mais segura de passar. “É pouca quantidade, pode levar na mochila e passar a pé, que é melhor”.

Foz do Iguaçu é um ponto estratégico para segurança nacional. O município faz fronteira com a Argentina e o Paraguai. O Oeste do Paraná também é uma grande produtor de grãos no Brasil – rota por onde passa o contrabando diário de agrotóxicos vendidos no lado paraguaio e espalhados em lavouras brasileiras.

Sistema nacional em risco

O risco é para a saúde pública, o meio ambiente e a produção nacional, como aponta o gerente de produto do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), Fernando Henrique Marini.

– Nós contratamos uma auditoria independente e fizemos um estudo sobre o mercado ilegal de defensivos no Brasil. Ele representa cerca de 10% de tudo que se usa aqui. É um número que nos preocupa porque estes produtos não passaram pelo crivo dos três órgãos brasileiros. Esse contrabando coloca em risco todo o sistema brasileiro de uso de defensivos legais – aponta Marini.

Para ser liberado no Brasil, um agroquímico passa pela análise de três órgãos do governo federal. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) analisa os aspectos agronômicos, a eficiência dos produtos. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) analisa a toxicologia humana, os efeitos na saúde. Já o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) pesquisa os efeitos no ambiente.

Mercado ilegal

O Sindiveg, que promove uma campanha nacional contra o uso de agroquímicos piratas, calcula que esse mercado clandestino represente um prejuízo de mais de R$ 3 bilhões por ano para o setor. Mas as apreensões ainda são poucas. Em 2013, foram apreendidas apenas 35 toneladas de produtos contrabandeados. Embora pouco perto do que o setor calcula que entre no país, o volume aprendido representa um aumento de quase 200% com relação ao ano anterior.

– Já teve caso de contrabando falsificado, apreendido pelas autoridades, que quando foi analisado para verificar o princípio ativo se viu que não tinha nenhum. A falsificação é o pior pesadelo que um agricultor pode enfrentar. Se o produtor comprar um produto falsificado, a eficiência vai ser zero na lavoura e ele corre o risco de perder tudo – conta Marini.

A entrada de produtos ilegais no Brasil não se limita à compra miudinha feita pelo repórter em Ciudad del Este. Em outra revenda, lojas paraguaias vendem para todos os estados e entregam de caminhão, em grandes quantidades. Não são apenas produtos para a lavoura, também se pode comprar medicamentos veterinários, como avermectinas de alta dosagem, proibidas no Brasil.

Um barato que pode sair muito caro

O Sindiveg coleciona casos que mostram o quanto o uso de produtos contrabandeados, sem nenhuma segurança, podem custar para os produtores. Além das perdas nas lavouras, muitos ainda precisam arcar com as multas do Ibama por utilizarem produtos ilegais. Em uma operação realizada pela Polícia Federal em Santana do Livramento, fronteira oeste do Rio Grande do Sul, um único produtor foi multado em R$ 2,6 milhões.

– É muito dinheiro. E tem que pagar a multa senão vai para o cadastro de inadimplentes da União.

Disque Denúncia

*Reportagem de João Henrique Bosco e André Dórea | editado por Gisele Neuls