Liminar obriga União a arrendar terras ocupadas em Mato Grosso do Sul

Famasul vai entrar com recurso contra liminar que determinada arrendamento de terras ocupadas por índiosO assessor jurídico da Famasul, Gustavo Passardelli, informou nesta segunda, dia 26, que a entidade pretende entrar com recurso contra uma liminar da Justiça que determina o arrendamento aos fazendeiros que possuem terras ocupadas por índios no Estado.

– A Justiça deveria cumprir a reintegração de posse. O próprio juiz do caso reconheceu que as ocupações são irregulares – pontua Passardelli.

Na semana passada, o Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul (MPF/MS) conseguiu determinação judicial para que a União demarque as terras indígenas e pague arrendamento aos produtores rurais em toda a região centro-sul do Estado. Segundo a decisão, o valor a ser pago deve ser o praticado pelo mercado. A medida vale também para as áreas que forem ocupadas após a decisão judicial da 2ª Vara da Justiça Federal de Dourados.

O pagamento deverá ser realizado até que a União “cumpra seu dever fundamental” de demarcar as terras indígenas no Estado. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, será intimado para o cumprimento da decisão em até 30 dias. Caso não o faça, ele poderá responder pelo crime de responsabilidade e haverá bloqueio, no orçamento da União, dos recursos necessários para pagar os fazendeiros prejudicados pelas ocupações.

A decisão foi tomada após o Ministério Público Federal executar judicialmente o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com a Fundação Nacional do Índio (Funai) em 2007, pelo qual a Fundação se comprometeu a demarcar as terras indígenas em MS até junho de 2009. 

Em 2010, a Funai enviou ao MPF justificativa pelo descumprimento do acordo e apresentou novo cronograma para realizar os procedimentos demarcatórios, destacando que iria providenciar os recursos humanos e materiais necessários. 

Porém, até o momento, publicou apenas um dos diversos relatórios antropológicos pendentes. Diante do atraso, em 2011 o MPF executou judicialmente o TAC.

Indenização aos proprietários

Em 2013, após a morte do índio terena Oziel Gabriel – baleado durante ação policial para reintegração de posse da Fazenda Buriti, em Sidrolândia, a 70 quilômetros de Campo Grande (MS) –, o Ministério da Justiça montou grupos de trabalho para viabilizar solução aos conflitos indígenas no Estado.

Realizados estudos sobre o valor da terra, o grupo – composto por proprietários rurais, indígenas e membros do poder público –, apresentou proposta de compra da área da Terra Indígena Buriti, que abrange a Fazenda Buriti e outras áreas. O valor, R$ 78 milhões, foi recusado por alguns proprietários e por isso o acordo não foi fechado.

Nenhuma outra proposta foi apresentada. Enquanto isso, segue o conflito fundiário em Mato Grosso do Sul, considerado pelo MPF o mais grave do país.

Situação complexa

Para o MPF, a situação de vulnerabilidade a que estão submetidos os indígenas “ocasiona prejuízos incalculáveis, com a perda de aspectos culturais e da própria vida de índios”. Por outro lado, os proprietários de terras, legitimamente adquiridas e que podem vir a ser consideradas de ocupação tradicional indígena, “vivem uma situação de grave insegurança jurídica, com a desvalorização das áreas e a dificuldade de empreender atividades econômicas”.

A decisão afirma que a inércia da Funai e da União “demonstra desrespeito à Constituição, ao Ministério Público Federal, ao judiciário, mas, sobretudo, às populações indígenas do Brasil”.

O TAC é um título executivo extrajudicial, instrumento utilizado pelo Ministério Público Federal para resolver um problema evitando o recurso à Justiça. Quando assinou o TAC, em 2007, a Funai reconheceu a omissão em relação à demarcação de terras indígenas no estado. Por isso, basta ao juiz receber a petição do MPF e ordenar sua execução, sem qualquer julgamento de mérito.

População indígena

Mato Grosso do Sul tem a segunda maior população indígena do país, mais de 70 mil pessoas divididas em várias etnias. Somente 0,2% da área do Estado é ocupada por terras indígenas. As áreas ocupadas pelas lavouras de soja (1.100.000 ha) e cana (425.000 ha) são, respectivamente, dez e trinta vezes maiores que a soma das terras ocupadas por índios em Mato Grosso do Sul.

A taxa de assassinatos entre os guarani – cem por 100 mil habitantes – é quatro vezes maior que a média nacional, enquanto a média mundial é de 8,8. O índice de suicídios entre os guarani-kaiowá é de 85 por cem mil pessoas. Em Dourados, há uma reserva com cerca de 3600 hectares, constituída na década de 1920. Existem ali duas aldeias – Jaguapiru e Bororo – com cerca de 14 mil indígenas. A densidade demográfica é de 0.3 hectares/pessoa. 

O procurador Marco Antonio Delfino de Almeida aponta que “esta condição demográfica é comparável a verdadeiro confinamento humano. Em espaços tão diminutos é impossível a reprodução da vida social, econômica e cultural”.

*Com informações da Famasul e MPF/MS