Ferrovias: projetos disputam safra do Centro-Oeste

Batizada de Solução Sorriso, estrada de ferro planejada pelo grupo Cosan é alternativa à Ferrogrão, idealizada pelas tradings ADM, Bunge, Cargill, Louis Dreyfus e Amaggi

Fonte: Carlos Neto / Valec

Investidores nacionais e estrangeiros estão se mobilizando para tirar do papel projetos ferroviários para o escoamento da soja do Centro-Oeste. Anunciada como uma alternativa para levar a soja pela região Norte do país, a Ferrogrão, projeto idealizado pelas tradings (comercializadoras agrícolas) e que está em busca de sócios para sair do papel, ganhou um competidor.

A Rumo ALL, do grupo Cosan, avalia fazer uma extensão de 600 km de sua malha em Mato Grosso – de Rondonópolis a Sorriso -, apurou a reportagem do jornal O Estado de S.Paulo.

O Brasil é um dos principais produtores globais de grãos, mas apresenta uma enorme carência de infraestrutura para escoar sua produção até os portos. A BR-163, que liga o Centro-Oeste ao Norte do país, é um poço de problemas. Em um trecho de quase 200 km sem asfalto, caminhões atolam durante o pico da safra, causando atrasos e prejuízos milionários.

Idealizada pelas tradings ADM, Bunge, Cargill, Louis Dreyfus e Amaggi, com a empresa nacional EDLP, a Ferrogrão é um projeto de R$ 12,6 bilhões apontado como a única alternativa eficiente para escoar a safra pelo Norte. A ferrovia, cuja consulta pública deverá ser feita entre agosto e setembro, deverá ser construída ao lado da BR-163, com a promessa de reduzir o custo do transporte dos grãos do cerrado pela metade.

“A Ferrogrão só depende de seus acionistas para dar certo”, diz Tarcísio Freitas, secretário de coordenação de projetos da Secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Freitas afirma que o governo criou uma linha de financiamento exclusiva do BNDES para a Ferrogrão, além da vantagem de o início da concessão passar a valer a partir da aprovação das licenças ambientais.

Para Paulo Sousa, diretor de commodities da Cargill, é preciso que o edital esteja pronto antes de as tradings decidirem se vão ser sócias ou apenas usuárias da Ferrogrão. Fundos de investimento, como o Brasil-China, e grupos estrangeiros estão sendo consultados para participar do projeto.

“Por ser uma concessão e exigir alto valor de investimentos, essa não é uma malha ferroviária típica”, diz Luciene Machado, superintendente da área de saneamento e transportes do BNDES. “Temos feito exercícios para equacionamento dos riscos de construção, da prestação de garantias e da carga potencial que vai se valer da ferrovia, entre outros.”

Com a manutenção dos prazos estabelecidos para o andamento das PPIs, apesar das crises política e econômica, o projeto tem boas perspectivas, diz ela. “A ferrovia tem méritos pela vantagem competitiva brasileira no agronegócio”, afirma. Ter uma segunda alternativa, como a extensão da Rumo ALL, por outro lado, não inviabilizaria a Ferrogrão. Batizada de Solução Sorriso, ela ainda não foi formalizada com o governo. Procurada, a Rumo ALL não se manifestou.

Plano B

A reportagem apurou que o projeto Sorriso está orçado em R$ 7,6 bilhões e é uma extensão da malha da Rumo ALL, que escoa o grão do Centro-Oeste a Santos. Segundo Freitas, se efetivado, esse projeto não teria linhas exclusivas de financiamento.

Antes de colocar o projeto em prática, a Rumo ALL ainda depende da renovação de suas concessões. A principal delas, a Malha Paulista, está prevista para sair até outubro, diz Freitas.

Procuradas, outras tradings não comentaram. O Fundo Brasil-China disse que é cedo para falar sobre investimentos.

Dependência

Apesar da perspectiva de reduzir o custo do frete dos grãos do cerrado pela metade, a Ferrogrão poderia criar um novo e grande problema para os produtores. Do mesmo modo que os pecuaristas da região ficaram nas mãos de um único frigorífico, os agricultores acabariam ainda mais dependentes das tradings, que controlariam o novo modal de transporte.

“Uma ferrovia controlada por quem detém um monopólio de carga preocupa”, diz Luciene Machado, superintendente da área de saneamento e transportes do BNDES. “Mas, apesar de haver uma discussão importante sobre um operador ferroviário independente, num investimento desse porte, no qual é mandatório o uso de recursos privados, faz sentido que as tradings estejam inseridas (como controladoras).”

Para a executiva, porém, é preciso equilibrar os interesses e resolver possíveis conflitos para não condenar os produtores a ficar eternamente sem alternativa de transporte mais eficiente do que o rodoviário. “Eliminar a ferrovia seria um jogo de perde-perde”, diz ela.

Tarcísio Freitas, secretário de Coordenação de Projetos da Secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), concorda e afirma que a Ferrogrão interessa principalmente às tradings. Ele reconhece, no entanto, que os produtores também serão beneficiados. “Esse projeto é importante porque ajudaria a reduzir o gargalo logístico, uma questão crônica no Brasil.”

Além disso, o setor de transporte tem uma agência reguladora própria, a ANTT, que pode intervir caso um grupo econômico seja excessivamente favorecido. “Diferentemente do setor de carnes, o de transportes tem uma agência reguladora, com mecanismos para promover o equilíbrio do poder econômico”, afirma Alexandre Porto, superintendente de infraestrutura e transporte ferroviário da ANTT.

“Haverá teto tarifário, acompanhamento dos procedimentos e, se necessário, aplicação de penalidades, inclusive de caducidade da concessão.”

Poder do mercado

Claudio Frischtak, sócio da consultoria Inter.B, especializada em infraestrutura, afirma que o governo e as agências reguladoras estão mais atentos a questões concorrenciais do que antes. “Os produtores de grãos não nasceram ontem, nem têm um poder político irrelevante”, diz.

Além disso, de acordo com Frischtak, mesmo com a possível diferença no preço do frete, o modal rodoviário continuará competitivo. “Eu apostaria mais na capacidade de o mercado reagir do que na efetividade das ações públicas”, diz ele.

“Com a regulamentação das ferrovias nos anos 1980, nos EUA, por exemplo, houve um impacto enorme em termos de eficiência e na queda de preços dos fretes.” Em outras palavras, quando a Ferrogrão começar a operar, os caminhoneiros se ajustarão às condições de mercado.

Para José Vicente Ferraz, da consultoria Informa Economics IEG|FNP, hoje a única alternativa para escoar pelo Norte é a rodovia. “Não vejo problema de o produtor se financiar com as tradings, uma vez que o crédito no país é escasso. Até esses projetos saírem do papel, a produção agrícola será muito maior do que a atual. A competição é saudável.”