Projeto de lei prevê penas mais duras para trabalho escravo

Para o setor agro, o fundamental é que a lei seja o mais clara possível e que não ofereça dupla interpretação  

Um projeto de lei que tramita no Senado prevê penas mais duras para quem pratica trabalho escravo. Entre as mudanças está a expropriação de terras e a inclusão das expressões jornada exaustiva e condições degradantes de trabalho. O setor agropecuário, no entanto, ainda reclama da falta de clareza sobre quais são as situações que podem ser consideradas análogas à escravidão.

Segundo levantamento do Ministério do Trabalho, 50 mil trabalhadores foram resgatados no campo em situação análoga ao trabalho escravo em duas décadas. Desse total, 29% atuava na atividade pecuária e 25% na produção de cana-de-açúcar. Nos últimos anos, o maior número de ocorrências foi registrado nos estados do Pará, Minas Gerais, Bahia e Mato Grosso.

A confederação Nacional dos trabalhadores na agricultura criou um portal na internet para facilitar as denúncias do campo. Desde novembro foram identificadas 27 possibilidades que deveriam ser investigadas pelos órgãos competentes, mas a fiscalização foi feita em apenas duas propriedades.

“Destas duas, uma se constatou trabalho escravo. Então, o Estado não acompanha a velocidade das denuncias e isso dificulta o combate ao trabalho escravo, ele acontece de forma rápida e ninguém fica um ano no local com atividade ilegal”, analisou o secretário de assalariados e assalariadas rurais da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Elias Borges.

Para a Contag, além de ampliar a fiscalização, a regulamentação da emenda constitucional 81 que prevê punições mais pesadas, entre elas expropriação de terras para destinar para reforma agrária, não pode mexer nos conceitos básicos do que é trabalho escravo. “Se a regulamentação seguir alógica do que está sendo colocado, nós vamos acabar com o trabalho escravo sem combater o motivo da existência do trabalho escravo. Você vai encontrar o trabalhador em condições precárias em longas jornadas, em condições indignas, e não será trabalho escravo. Dependendo da forma como ela for regulamentada, não resolve nada”, disse Borges.

Fiscalização

Para a procuradora do trabalho e vice-presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Ana Claudia Bandeira Monteiro, o combate ao trabalho escravo tem que ser fortalecido. Esta semana, A ANPT divulgou uma nota de repúdio ao ataque sofrido por fiscais em São Felix do Xingu, no Pará, que estavam atendendo uma denúncia de trabalhadores que foram agredidos e expulsos de uma fazenda.

“Ainda hoje, em 2016, temos situações como esta em que trabalhadores foram agredidos como antigamente: com armas, carros, perseguições e agressões físicas. Todo tipo de violação aconteceu, uma reação à ação do Estado, que estava lá justamente para garantir direitos desses trabalhadores”, disse a procuradora.

Relator da lei que trata do assunto, o senador Paulo Paim (PT-RS) pretende garantir mais rigor no processo de fiscalização e prometeu incluir no texto a jornada exaustiva e condições de trabalho degradantes como condições análogas à escravidão. “Com essa lei, o empreendedor  – que eu respeito muito –  vai ser muito mais cuidadoso para que dentro da propriedade, em hipótese alguma, possa ter alguém que vai estar mantendo homens e mulheres sob regime de escravidão”, disse ele, falando que ainda vai haver a reeducação do trabalhador, que vai deixar de aceitar a carga horária exaustiva e o trabalho degradante.

Falta de consenso

O conflito sobre o que é trabalho escravo está exatamente na definição de condições análogas à escravidão, principalmente quando se coloca no texto a jornada exaustiva e condições degradantes sem detalhar os conceitos na prática. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) já relacionou casos onde o Ministério do Trabalho condenou e, em seguida, a Justiça Federal absolveu.

“Nós entendemos que o conceito não deve ficar na interpretação de ninguém, que ele seja claro suficiente para aquele que pratica o ato tenha consciência de qual penalidade ele pode sofrer e também para o trabalhador identificar e fazer a denúncia com segurança sobre o ato lesivo”, analisou o assessor jurídico do CNA, Frederico Toledo Melo.