CNA aposta em união para fortalecer pauta do agronegócio

Presidente João Martins da Silva Junior falou com exclusividade ao Canal Rural sobre gestão, Plano Safra, crise hídrica, defesa agropecuária, logística e terrasO presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), João Martins da Silva Junior, preside também a Federação da Agricultura do Estado da Bahia. Atuou como vice-presidente na gestão da ministra Kátia Abreu desde 2012, tem formação em Administração e está na atividade de pecuária há mais de 50 anos. Confira a íntegra da entrevista exclusiva que ele concedeu ao Canal Rural, em Brasília (DF).

Marcelo Lara – João, quais são as prioridades na sua gestão? O que os produtores podem esperar de representatividade da CNA dos interesses do campo hoje?

João Martins da Silva Junior – Em primeiro lugar, o que nós entendemos é que queremos uma CNA forte, e está CNA forte precisa ser uma CNA unida além de tudo, sem muitas diferenças regionais; Não importa o sistema, temos federações, temos o Senar forte no Sul e Centro-Oeste e nós temos ainda neste país, 15 federações e 15 Senars que deixam muito a desejar quando se fala em defender a classe. Então, o primeiro passo é reunir novamente a classe, fazer com que todas estas federações que por algum tipo de briga ou algum tipo de discordância houve uma separação. Nós fizemos ver a estes presidentes que o sistema só seria forte se todos estivessem aqui, na mesma casa, unidos com o mesmo pensamento.

ML – Vocês querem acabar com as divergências do passado? 
   
JM – Exatamente, eu fiz um apelo e fui muito bem atendido. Hoje, nós temos a casa toda unida desde o Rio Grande do Sul até o Acre lá em cima, se existia no passado algum tipo de discordância, algum tipo de afastamento do Paraná, algum tipo de afastamento de São Paulo e de Mato Grosso, isso não existe mais. Eu não quis dizer com isso e não quero dizer, que acenei com algum tipo de benesse, ao contrário, eu mostrei que era lógico e que se fazia necessário todos nós estarmos juntos, porque a batalha é muito grande, defender o agro, apesar de que o agro esteja sustentando este país neste exato momento, não significa que não tenhamos problemas, temos problemas sérios, problemas de invasão de terra, insegurança jurídica, em termos de indígenas, e até porque não dizer falta de compreensão de determinadas atitudes do governo. Se nós tivermos unidos, com certeza nós conseguiremos contornar essa situação. 

ML – O que muda com a sua gestão, em comparação com a gestão de Kátia Abreu? Projetos vão ter continuidade?

JM – Eu acho que não muda nada. Foi uma adaptação, uma modernização, porque a senadora é uma senadora, e nós não somos políticos, eu, por exemplo, nunca fui, nunca participei de partido político nenhum, o que eu tenho que fazer, não tendo um plenário do Senado, não tendo um palanque para falar como senador, como deputado, eu tenho que procurar criar condições para que a gente chegue ao Congresso via nossos deputados e senadores. As pessoas que realmente acreditam no agro, que venham nos defender. O que nós fizemos foi simplesmente adaptar a essa nova realidade, então o resto é administrativo, cada um tem seu processo e eu tenho meu processo, acima de tudo minha formação inicial é Administração de empresas, então a senadora era ou é, professora. Nossa formação de gestão das coisas são diferentes, mas não houve nenhuma discordância, nenhum conflito  de interesses, o que houve foi que nós procuramos preparar a casa para defesa do produtor rural.

ML – Quais os projetos que vão ter continuidade dentro da sua gestão? 

JM – Tem projetos, mas tem outros que nós idealizamos, por exemplo, é inconcebível que a casa não entrasse na modernização. Então, implantamos um sistema de vídeo conferência, o Brasil é muito grande e pra fazer de uma hora para outra uma reunião onde todos os 27 estados deveriam estar presentes, isso não só é oneroso, como as pessoas muitas vezes não podem se deslocar. Hoje, a casa tem um sistema de vídeo conferência, se a gente quiser tomar uma decisão, nós fazemos. Outra coisa, nós temos que entender que nós tínhamos que fazer alguma coisa por essas 15 federações e esses 15 Senars para que eles tivessem condições de trabalho, e aí nós estamos com um programa de nivelamento dessas federações e desses Senars, nós vamos dar condições de trabalho para todas essas federações e Senars.

ML – Dentro desta lógica deste ano, com a turbulência econômica, turbulência política. Temos o Plano Safra que já se sabe, juros mais altos. Qual a participação da CNA na construção deste novo plano?

JM – A CNA apresentou uma proposta de Plano Safra. Nossa proposta está em R$ 197 bilhões, destes R$ 27 bilhões vão para a agricultura familiar. Nós propusemos manter a mesma taxa de juros e as mesmas condições, agora nós entendemos que a situação do país é uma situação realmente difícil na área econômica, mas também o agro tem que ser sustentado e sustentado não é por subvenção, sustentado é dar condição que o agro esteja em constante expansão. Então, o que nós queremos dizer com isso é o seguinte, não queremos benesse, nós queremos ter condições de trabalho para continuarmos a ser a grande sustentação da econômica brasileira. A CNA tem que trabalhar para o produtor rural, esse Plano Safra, essas propostas aqui dentro administrativas e tudo, é para que a gente tenha condições de dar apoio ao produtor rural, porque o que acontece no Brasil é uma coisa muito interessante, o governo criou um colchão de proteção que é  “Pronafiano” , a agricultura familiar tem aquelas benesses, aquelas vantagens, no outro extremo nós temos o grande agronegócio que são os grandes produtores, que eles não precisam da ajuda da CNA, não precisam desses programas de benesses. Então, o que estamos propondo, desse pessoal que não está sendo beneficiado pelo Pronaf e também esses grandes que não precisam, criar um programa que é o Pronamp, programa que também contemple estes médios produtores, eles precisam ser contemplados porque é o grosso dos nossos produtores rurais, eles precisam ser contemplados com juros diferenciados. Se não pode ser a mesma taxa de juros do “Pronafiano” pelo menos não seja também essa taxa de juros que o agro paga. Então, esse tipo de coisa que deve ser nossa luta aqui dentro. 

ML – O senhor tem esperança de manter os mesmo números do ano passado, inclusive a mesma taxa de juros? 

JM – Eu tenho esperança, porque é racional. Veja bem, se é o agro que está sustentando este país, se é o agro que está dando à reserva cambial, à necessidade do país de pagar as contas, porque que você vai matar a galinha dos ovos de ouro? Então, o governo tem que fazer esforço, neste momento o que nós queremos, pedimos só a ampliação de 7% de recursos. Se os juros aumentarem e se nós temos de ter um aumento de juros de financiamento, mas que esse aumento seja compatível, nós não advogamos que tenha que ter um aumento de juros, mas que, se por acaso o governo achar que é incompatível continuar ou dar esse aumento que estamos propondo, R$ 197 bilhões a esses juros, que nós queremos que sejam mantidos. Se eles disserem eu posso dar esses recursos a mais, aí nós vamos estudar. Acho que é possível desde que tenha algum tipo de compensação. 

ML – Esta para ser lançado o Plano Nacional de Defesa Agropecuária, temos o Décio Coutinho que é o secretário de Defesa, ele é da casa aqui, o senhor acha que podemos ter uma modernização no sistema?

JM – Veja bem, o Décio é da casa porque ele ajudou aqui na implantação da plataforma que vai dar sustentação às nossas vendas externas, que nós temos a defesa sanitária satisfatória e dizer que nós ajudamos de alguma maneira a construir este plano. Esse plano de defesa sanitária começou a ser construído aqui dentro até, com formação do próprio Décio, porque na hora que o Décio saiu daqui para ser o secretário de Defesa Sanitária do Ministério, ele já levou aquela discussão e as necessidades que ouviu durante este período todo que esteve conosco. Então, o que a ministra está querendo fazer e que tem que ser feito e o Brasil precisa, é modernizar e fazer com que nossa defesa sanitária seja eficiente, seja eficaz. Não é possível a gente ainda ter, de uma hora pra outra, que combater determinado tipo de praga, vinda do exterior, importada algum tipo de doença por causa da nossa deficiência de defesa sanitária. É louvável esta proposta da ministra e até corajosa, porque o que ela está propondo é uma revolução em termos de defesa sanitária e eu acredito que vamos conseguir implantar isso. 

ML – Dentro deste relacionamento, melhorou muito este diálogo com o Ministério da Agricultura com a presença da ministra Kátia Abreu?     

JM – Com certeza se ela é da casa, e se ela foi ser ministra e principalmente comigo, eu tenho uma relação respeitosa com ela, não misturamos as coisas, muita gente confunde as coisas, porque ela é minha amiga e eu tenho a porta aberta lá. Não é isso, uma coisa é eu ir como amigo, outra coisa é eu ir como presidente da CNA. Eu, quando for lá como presidente da CNA, eu tenho que estar de um lado do balcão e ela tem que estar do outro lado do balcão, tem que ver se os interesses são conflitantes ou não. Quando vamos lá para discutir um projeto, como presidente da CNA, eu não coloco que sou amigo dela, a nossa amizade é fora de lá, de muitos anos, e em nenhum momento nós colocamos isso em julgamento, como fator para tomar decisão.

ML – Quando a gente fala em logística, tão necessária para o escoamento da safra. O Ministério dos Transportes, com o orçamento reduzido em 40%, são R$ 6 bilhões a menos, isso preocupa? 

JM – Muito, porque eu não canso de dizer, o Brasil conseguiu avançar muito em termos de produtividade, em termos de competitividade, mas isso tudo tem um limite e nosso limite de sermos competitivos é, com certeza, da porteira pra fora. E da porteira pra fora é logística, nós temos um custo de logística caro, não só caro como ineficiente. Nós temos que ter uma logística a preço competitivo, mercado internacional, e mais do que tudo isso temos que ter eficiência nos portos, não podemos ter os navios parados porque nós não estamos preparados para ter agilidade na nossa exportação. 

ML – Com relação aos conflitos agrários, não só falando em reforma agrária, mas as questões indígenas que vêm ganhando força, tem a PEC 215.  Como a CNA se posiciona?

JM – Sempre muito duro em defesa do produtor. Primeiro porque essas invasões, ou por indígenas ou MST, nós achamos que é uma brutalidade na interpretação mais civilizada, mas nós achamos acima de tudo, além de ser uma brutalidade, é uma coisa que fere a Constituição. O direito à propriedade é um direito universal que aqui no Brasil não é respeitado, porque quando você chega e pessoas não identificadas se dizendo do MST, entram em uma propriedade, destroem a propriedade e destroem, como vi há pouco tempo, um banco genético de mais de 17 anos onde estavam fazendo uma experiência genética com eucalipto, na minha avaliação isso é uma brutalidade, uma barbaridade, uma ilegalidade. Então, a CNA tem que estar ao lado do produtor. O problema indígena é um outro problema muito sério, enquanto não for muito bem definido pelo Supremo Tribunal Federal, que aquilo que foi decidido lá atrás, decorrente daquele julgamento Raposa Serra do Sol,  e também da Constituição, que pode haver ampliação depois da Constituição de 1988, enquanto isso não estiver marcante, nós vamos ver constantemente problemas indígenas. O produtor rural tem que buscar no sistema, na CNA, nas federações, nos sindicatos, que essa sim é a verdadeira trincheira de luta do produtor rural. 

ML – Dentro desta linha, preocupa também a venda de terras brasileiras para estrangeiros? 

JM – Esse negócio de vender a estrangeiro é relativo, porque se você tiver uma lei bem clara, tanto faz vender a estrangeiro como vender a brasileiro. Se essa lei preservar os direitos, preservar a Constituição. Se o estrangeiro, ao ser proprietário de uma terra, ele ferir o domínio, o Estado como um todo, ele vai achar que, tendo uma propriedade ali dentro é como se fosse um feudo dele no país, eu não concordo com isso, eu acho que não devíamos ter o nome vender. Na minha interpretação, como na Austrália, você quer ter uma propriedade como um brasileiro que chegou lá, comprou um direito de exploração de 50 a 100 anos, se dentro daquela legislação e durante aquele período você produzir, cumprir sua função social e acima de tudo você cumprir aquilo que a legislação manda, então não tem que achar que sendo dono daquela propriedade, seja comprada ou arrendada, você está ferindo a soberania do Estado. Eu não concordo muito com isso, acho que o governo deveria pensar melhor sobre isso. Os produtores também deveriam pensar melhor.

ML – O senhor vai afinar um pouco mais a relação com a frente Parlamentar da Agropecuária, com a bancada ruralista em questões específicas? 

JM – Lógico que temos que fazer isso. Uma coisa é nós termos aqui, como presidente da CNA, uma senadora. A senadora tinha uma tribuna dentro do Senado, onde ela levava nossas preocupações, nossas reinvindicações. E como eu disse, eu não sou senador e nem deputado, o que temos que fazer? Nós temos que preparar as nossas propostas bem fundamentadas, criar aqui dentro uma estrutura técnica. No bom sentido, aquelas pessoas que possam construir grandes programas e fazer com que os nossos parlamentares, aqueles que defendem o agronegócio, que defendem a agricultura e até parlamentares que são produtores, eles serão os nossos porta-vozes, para nossos interesses.  

ML – Existe a preocupação da CNA com a crise hídrica? 

JM – A CNA está preocupada porque o patrimônio do produtor rural é a terra e a água. Se nós não tivermos competência de cuidar bem da terra e nós destruirmos a água, estaremos destruindo o patrimônio. E aqui nosso sistema, o Senar, lançou há menos de 30 dias um programa de recuperação de nascentes, vamos recuperar mil nascentes. Mas mil nascentes é insignificante em relação ao número de nascentes que precisam de recuperação no Brasil.  Mas o que eu quero que  todos entendam e que os produtores entendam é que todos nós temos que fazer nossa parte. O produtor tem que entender que preservar a nascente preservar os rios, o solo, é uma coisa que ele tem que fazer para preservar o patrimônio dele mesmo. Está na hora de darmos nossa contribuição ao Brasil, preservando as nossas nascentes, preservando nossos rios, sem precisar ser o que o governo nos coaja para que a gente faça  aquela recuperação de leito de rio, aquele exagero de metros de recuperação de floresta, porque  tem que ser tantos metros. Não tem que ser tantos metros, me desculpem, o Código Florestal manda isso, mas eu acho que nós temos que fazer o que a consciência manda. 

ML – Como passar para a sociedade em momento de crise hídrica. Sabendo da importância que tem a irrigação para o setor?  

JM – Nós fizemos um seminário alguns dias atrás, para preparar um grande seminário, porque nós precisamos esclarecer bem, porque quando dizem que nós somos os perdulários de água no Brasil, não é verdade. Para se ter uma ideia, temos 63 milhões de hectares no Brasil que produzimos agricultura. Desses, só seis milhões nós irrigamos, quer dizer só 10% da área. O que acontece é que imaginam que nós estamos alheios, que não estamos buscando racionalizar o uso da água. Nós estamos preparando para mostrar que, na realidade, não gastamos 70% da quantidade de água, nós gastamos 70% daquela lâmina de água que é destinada às cidades, destinada a qualquer tipo de consumo. Quando se irriga, você não está jogando água fora, a água que não é aproveitada pela planta, ou vai para o lençol freático ou evapora e recicla de volta novamente. Agora, para você recuperar um litro de água de esgoto de cidade, você precisa gastar 40 litros de água. Então, vejam bem, se nós somos esses perdulários, estão fazendo o que com a água? Quando irrigamos, a água desaparece, evapora, a água some, não é nada disso. Precisa entender que estamos buscando o uso racional da água. Nós mandamos há poucos dias uma missão na Austrália, onde eles foram ver, lá estão saindo agora de uma seca de 50 anos e ninguém morreu, ninguém está se lamentando. Porque eles estão preparados pra isso.  As barragens feitas lá não são de grandes lâminas de água, as barragens lá são profundas. Essas tecnologias que temos que buscar, para poder racionalizar os nossos recursos naturais. 

ML – Falando em crise hídrica, a seca. Com relação ao seguro agrícola, o governo promete R$ 700 milhões e não cumpre. Como trabalhar com esse programa?

JM – Com muita preocupação, porque o seguro agrícola foi uma grande luta a vida toda aqui na CNA. A ministra Kátia lutou para que se ampliasse para R$ 700 milhões e ficaram faltando R$ 300 milhões e não veio o dinheiro todo. Mas mais do que isso, nós estamos buscando seguro de acordo com a sazonalidade. No semiárido, no Nordeste, não tem que ser o mesmo seguro do Sudeste. Então, estamos preocupados porque buscamos um uso mais racional do governo enxergar o que é o seguro agrícola, o governo ainda não enxergou exatamente o que é seguro agrícola. Tem que reformular o programa e a CNA está trabalhando nisso junto com o Ministério.  Temos que fazer um seguro de acordo com o tipo de agricultura e região.