Entenda como o Funrural surgiu e a evolução da cobrança ao longo dos anos

A cobrança tem mais de 45 anos e já passou por diversas modificações ao longo das décadas, gerando uma série de discussões no setor

Fonte: Reprodução

O mundo do agronegócio vive um grande impasse sobre a cobrança do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), que após diversas decisões judiciais, recebeu a notícia de que o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou constitucional a cobrança do fundo ao empregador rural pessoa física. Para entender a cobrança, é preciso saber o que é o Funrural e como ele começou a ser cobrado, ainda na deca de 1970 e como passou a fazer parte do cotidiano do campo.

O início

O ano era 1971 e, por meio de uma lei que determinou a cobrança de 2% sobre a comercialização do produtor rural com a finalidade de arrecadar dinheiro para financiar a previdência rural, o Funrural foi criado. Em 1988, com a nova Constituição Federal, o termo Funrural foi extinto e foi criado o Regime Geral de Previdência Social, com regras diferenciadas para o campo e para a cidade. A reforma, no entanto, deveria ser regulamentada por lei posterior.

No ano de 1991, surgiu a lei 8.212, que regulamentou a contribuição do meio rural. Na norma, ficou definido que o chamado segurado especial, que é o agricultor familiar, deveria recolher a alíquota de 2,1% sobre tudo que vendesse e, em contrapartida, teria direito a se aposentar com um salário mínimo. O empregador rural, no entanto, não foi contemplado nesta lei e, por isso, ficou recolhendo a contribuição previdenciária da mesma forma que os empresários urbanos, com uma taxa de 20% sobre a folha de pagamento do funcionário.

Em 1992 veio a lei 8.540, que, finalmente, regulamentou a contribuição do produtor rural que tem empregados. Ficou determinado que a cobrança seria feita sobre a receita, em substituição aos 20% que ele pagava sobre a folha. O empregador rural pessoa física passou a recolher 2,1% sobre a produção e o empregador rural pessoa jurídica, 2,6%. Mas, assim como um empresário urbano, para se aposentar o produtor precisa fazer um recolhimento individual sobre o que ele fatura.

“Isso foi criado para auxiliar o setor rural a financiar a Previdência dos seus empregados, porque o segurado especial não pode ter empregado, salvo em casos específicos, meses do ano. ele trabalha com a família. Já o empregador rural é equiparado a um empresário no setor rural, mas não difere de outras características do empresário, no setor urbano. A contribuição sobre a receita substitui a contribuição patronal, no entanto, o produtor rural, empregador, deve continuar descontando dos empregados a contribuição devida pelo empregado, que varia de 8% a 11%. Não contribui sobre a receita e a folha. A contribuição sobre a receita é a contribuição patronal e ele tem que reter e recolher a contribuição do empregado que é descontada do salário do empregado”, disse a chefe da divisão de contribuições sociais, previdenciárias e de terceiros da Receita Federal, Carmen Araújo.

Suspensão

Em 2010, o Supremo Tribunal Federal julgou o caso do frigorífico Mata Boi, que pedia a suspensão da cobrança alegando que a lei que a regulamentava era inconstitucional. A empresa ganhou o caso e a decisão abriu precedentes para produtores de todo o país pedirem, na Justiça, a suspensão da cobrança.

Uma série de decisões liminares de tribunais de primeira instância começou a ser concedida autorizando o empregador rural a não recolher a taxa. A Justiça recomendava que o valor fosse depositado em contas judiciais para o caso do supremo mudar de opinião e, se isso acontecesse, o dinheiro seria destinado ao pagamento, senão, voltaria ao bolso do produtor. A decisão, no entanto, era opcional e muita gente deixou de recolher.

No ano de 1998, no entanto, houve uma emenda que incluiu na Constituição a determinação de que essa cobrança deveria ser, realmente, feita pela comercialização.  Como toda emenda, ela foi regulamentada em uma lei posterior, a 10.256, de 2001.

Constitucionalidade

Em março de 2017, aconteceu o que muitos temiam: o posicionamento do STF mudou em um novo julgamento. Um dos motivos que fizeram o STF mudar de decisão é que o julgamento de 2017 foi baseado na lei 10.256, de 2001, enquanto o caso do frigorífico Mata Boi, que considerou a cobrança inconstitucional, tem base na lei 8.540, de 1992. Aos olhos da maioria dos ministros do STF, as mudanças que vieram na lei de 2001 são suficientes para tratar a cobrança como constitucional.

Para o advogado Ricardo Peres, que atua em causas do mesmo tipo, a decisão do Supremo em 2010 considerou a cobrança inconstitucional porque ela teria sido regulamentada por uma lei ordinária e não complementar, como exige a legislação vigente. Já em 2017, o caminho a ser seguido deveria ser o mesmo.

“Para a lei complementar ser criada, ela precisa de mais quórum no Congresso. O debate dela é mais difícil do que lei ordinária. Se fosse fácil, eles teriam feito a lei complementar e entendo que não passaria se tivesse quórum maior, tanto que todas as leis foram ordinárias e inconstitucionais”, disse

Já o advogado Néri Perin, que também trabalha para produtores que tiveram liminares suspendendo a cobrança, espera que o Supremo defina no acórdão que o recolhimento valha a partir deste ano.

“Ao nosso ver, mesmo que se mantenha essa posição e espere que haja alteração nela – porque isso juridicamente é possível através de embargos de declaração e outras ações – é de que haja modulações de efeitos para que essa decisão só venha a produzir efeitos da decisão para frente e não para o passado”, avaliou.

Vale lembrar que o valor pago pelo produtor rural é destinado ao financiamento da Previdência Social de todos os trabalhadores. Ele é obrigatório e o responsável pelo recolhimento é quem compra a produção. “A diferença que há entre pessoa jurídica e pessoa física é que o pessoa física vai ser o contribuinte de fato, pois a contribuição é devida por esse empregador rural e quem faz o recolhimento é o adquirente da produção. Então, o adquirente desconta do valor da nota fiscal e recolhe para a Previdência Social. Já o pessoa jurídica faz ele próprio o recolhimento dessa contribuição”, finalizou Carmen.