Novos assentamentos não são prioridade do Incra

Em entrevista exclusiva, o presidente da entidade, Leonardo Góes, afirma que sua gestão trata como urgente a questão da titulação de terras

Fonte: Assembleia Legislativa/SP

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) não tem meta de criação de assentamentos para o próximo ano, embora 80 mil famílias vivam atualmente acampadas no campo em todo o Brasil. A prioridade da gestão do atual presidente do órgão, Leonardo Góes, é a titulação de terras, que não estaria sendo realizada há seis anos.

Funcionário de carreira do Incra, Góes está para completar três meses na presidência da entidade, após ter passado dez meses como presidente substituto. Em entrevista exclusiva ao Canal Rural, ele destaca as urgências de sua gestão e aborda temas como as irregularidades recentemente apontadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no processo de reforma agrária e a provável recriação do Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Canal Rural – Um levantamento do Tribunal de Contas da União apontou 678 mil irregularidades em contratos da reforma agrária e decidiu pela suspensão do processo. O rombo dos cofres públicos, de acordo com o tribunal, pode chegar a R$ 2,5 bilhões. Um dos números que mais chamam a atenção é o de beneficiados já falecidos: quase 38 mil pessoas. O Incra garante que metade desses contratos se refere a falecimentos após a entrada no programa. Isso procede?
Leonardo Góes –  Ter no sistema do Incra o nome de um falecido não significa uma irregularidade. O falecido pode constar ainda na relação como beneficiário, até que, judicialmente, tenhamos uma decisão sobre a transferência do lote dele para um sucessor, e então o processo de sucessão ocorrer judicialmente. Estamos falando de 46 anos da historia do Incra e pouco mais de 30 da reforma agrária. Falecimentos são normais.

CR – O levantamento que vai ser finalizado e entregue ao TCU propõe alterações nos critérios de entrada no programa de reforma agrária e uma integração entre o sistema do Incra com outros do governo federal, como INSS. Assim, erros no cruzamento de dados são evitados.  O trabalho mostra, ainda, que as irregularidades estão em 500 mil contratos e que 60% dos casos estão concentrados no Pará, Mato Grosso e Rondônia. Isso será regularizado?
Góes –
 Desses 500 mil contratos, quantos podem ser excluídos do programa? O Iincra trabalha com estimativa em torno de 70 mil a 80 mil casos, o que significa 8% do programa, também considerado um numero aceitável. São 30 anos de reforma agrária, um público de quase 1 milhão de assentados, normal que se tenha uma parcela… Mas isso será apurado e o numero ainda é estimativa.

CR – Hoje, 977 mil famílias são atendidas pelo programa de reforma agrária e cerca de 80 mil seguem acampadas, à espera de terras. Há previsão para novos assentamentos?
Góes – 
Temos evitado trabalhar com meta de assentamento de famílias. No ano passado, foi divulgado o assentamento de 28 mil famílias. Dessas, 1.800 foram em terras novas, e 26 mil foram em áreas que já eram da reforma agrária. O Incra tem assentado mais famílias em lotes já existentes do que em áreas novas. 

Apenas 17% do público da reforma agrária recebeu seu título definitivo ao longo de 30 anos do programa. Então essa é uma prioridade. O Incra faz 6 anos que não emitia título definitivo de posse. Isso, porém, depende de algumas condições, como demarcação dessas parcelas, infraestrutura básica, o assentado precisa cumprir condições colocadas no contrato de concessão de uso. Temos condições de fazer até o ano que vem a emissão de 250 mil desses títulos. Para isso, o orçamento do próximo ano deve destinar R$ 250 milhões. Os primeiros 1.600 títulos vão ser entregues a partir de setembro em Mato Grosso.

CR – Como será a cobrança de recursos de famílias assentadas?
Góes –
 Um assentamento com 800 famílias em que a terra custou ao estado cerca de R$ 100 mil por familia, que é uma média, se você tiver uma titulação parcelada em dez vezes, você consegue só na emissão desses títulos cerca de 8 milhões. É suficiente para fazer toda a infraestrutura dos projetos de assentamento de um estado só.

CR – A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) começou a investigar contratos do Incra e da Funai em novembro de 2015.  Depois de duas prorrogações, o processo terminou na semana passada, sem um relatório final. Como classifica essa ação?
Góes – 
Está no papel do parlamento fazer esse controle, seja de qualquer órgão que eles achem que tem que fazer. Então a gente recebe muito bem, e quero receber a contribuição disso. Estamos abertos a incluir nesse redesenho do Incra sugestões que possam partir dessa comissão, já que eles estudaram tão a fundo as políticas do Incra, principalmente a política quilombola.

CR – Qual a expectativa sobre o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)? E, como ministro, o deputado federal Zé Silva (SD-MG) seria adequado?
Góes –
 Entendemos que a proposta da recriação é melhor do que alocado no MDSA [Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário], por exemplo. A indicação de ministro é com o presidente, mas o deputado Zé Silva tem uma história ligada à área rural do país, veio da Emater, é um técnico, portanto nós entendemos que tanto o Incra como o MDA são espaços eminentemente técnicos. Então, entendemos que, se for ocupado pelo Zé Silva, trata-se de uma excelente escolha de Michel Temer.