Plano Safra: setor critica aumento das taxas de juros

Aumento de 0,75 ponto porcentual em cada linha de crédito preocupa entidades ligadas ao agronegócio, que, no geral, consideram adequados os R$ 202 bilhões anunciados

A maioria das entidades ligadas ao agronegócio não gostou que o Plano Agrícola e Pecuária desta safra fosse anunciado antecipadamente e, pior, sem ouvir as necessidades dos produtores. No entanto, de forma geral, o volume de recursos divulgado pelo governo federal nesta quarta, dia 4, agradou o setor: o chamado Plano Safra deve liberar R$ 202,88 bilhões para financiar a agricultura empresarial.

Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) não apenas deixou de comparecer à cerimônia de divulgação – da mesma forma que a Associação dos Produtores de Soja do Brasil (Aprosoja) – como chamou a imprensa para um “evento paralelo”. A justificativa para a ausência foi o apoio que a entidade dá ao impeachment da presidente Dilma e a falta de diálogo na construção do Plano Safra. O presidente da CNA, João Martins, considerou o volume de recursos destinados à agricultura como “razoável”, mas tem dúvidas se ele será efetivamente disponibilizado. 

“Nós achamos que esse plano foi intempestivo, não devia ser lançado agora, em um governo que está saindo”, disse Martins. 

A CNA não acredita que as medidas anunciadas sejam aprovadas por uma nova equipe econômica, no caso de impedimento da presidente Dilma. Por isso, pontos como taxa de juros, seguro rural e linhas específicas de financiamento estão entre  as prioridades nas conversas que a entidade deve ter com um possível governo Temer, com quem ela já vem dialogando.

João Martins reconheceu que a ministra Katia Abreu desempenhou um bom papel à frente da pasta da Agricultura. Mas não vê possibilidade de retorno da presidente licenciada à CNA. “Os produtores não querem mais a volta dela aqui. Ela cortou o cordão umbilical com os produtores rurais”.

O presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT), Endrigo Dalcin, considerou “decepcionante” o Plano Agrícola e Pecuário 2016/2017. “Tudo o que nós não queríamos era aumento de juros, o que aconteceu, e aumento de apenas 10% no limite de crédito por CPF”, afirmou. 

A entidade havia solicitado taxas menores para custeio, 1,25 ponto porcentual abaixo da temporada anterior, e esperava ao menos a manutenção dos níveis praticados até então. “O setor devolve (o volume de recursos empregado na equalização das taxas de juros) rapidamente com empregos, recursos, superávit de balança comercial. Nossa indústria é a céu aberto e o governo precisa coordenar essa economia de forma coerente”, declarou.

Para Dalcin, um eventual novo governo terá de analisar o plano apresentado hoje e dialogar com o agronegócio. “Já colocamos para o vice-presidente Michel Temer que nós somos a locomotiva da mudança e que o agro daria sua contribuição à economia. Espero que haja sensibilidade para se discutir os pontos do plano.” 

Rentabilidade baixa

O presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Henrique Dornelles, considerou adequado o aumento de 8%, em relação ao último plano, no valor total concedido ao financiamento da safra agrícola. Segundo ele, o incremento é positivo, levando em conta o momento vivido pela economia brasileira. 

Dornelles criticou, no entanto, os juros que serão praticados. “Os juros permanecem muito altos, principalmente para culturas como o arroz, que estão com suas rentabilidades baixas”, disse. 

A ministra da Agricultura, Kátia Abreu, anunciou a elevação de 0,75 ponto porcentual em cada linha de crédito frente à safra passada, o que faz com que as taxas variem de 8,5% a 12% ao ano. Segundo Dornelles, 9,5% para a agricultura empresarial é um juro “elevado”. 

O presidente da Federarroz disse, ainda, que o anúncio pareceu “evento de despedida”. Tanto a presidente Dilma Rousseff como Kátia Abreu defenderam suas gestões. “De certa forma, mostraram que têm a agricultura como importante componente na economia, onde o investimento gera retorno garantido”, disse.

Plano “tímido”

Para a Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato), o plano deixa a desejar mesmo em termos de recursos. O presidente da entidade, Rui Prado, afirmou em nota que os produtores esperavam um total de R$ 225 bilhões para financiamento. Além disso, queixou-se de maior atenção ao seguro rural. “As lavouras de soja e milho sofreram baixas e não há nada de novo que transfira maior segurança ao produtor nesse sentido”.

Prado também considera que o limite de crédito por CPF vai continuar sendo insuficiente para financiar produtores que possuem área superior a 500 hectares em Mato Grosso. Segundo a nota da Famato, o aumento foi de 10%, saindo de R$ 1,2 milhão na safra 2015/2016 para R$ 1,32 milhão na safra 2016/2017. 

“É um plano tímido. O limite por CPF só cobre a inflação. Nós pedimos R$ 2,4 milhões, quase o dobro do que foi concedido”, disse o presidente da entidade.

O presidente da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (Faesp), Fábio Meirelles, recebeu o anúncio do plano com desconfiança. Para ele, o volume de crédito anunciado é menor do que o da última temporada, se considerada a inflação no período. Além disso, diz, a promessa de recursos não se sustentaria no atual cenário econômico.

“O que nós queremos saber é que horas (o crédito) estará  disponível, como é que vai ser aplicado. Onde é que o produtor pode buscar esses recursos? “, disse Meirelles.

Com o reajuste da taxa de juros anunciada, o presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Luiz Cornacchioni, prevê um ano de margem de lucro apertada, principalmente pelos altos custos de produção e a queda dos preços de commodities como milho e soja.

Segundo o dirigente da Abag, o grosso do volume de dinheiro anunciado está vinculado a juros “livres”. “Deve ter uma diferença aí próxima de R$ 10 bilhões em comparação ao plano anterior”, disse Cornacchioni. Ele afirma que a escalada dos juros a cada plano atinge diretamente a rentabilidade do produtor.

O presidente da Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (Cidasc), Enori Barbieri, também considera a elevação da taxa de juros como o maior problema do plano. “Principalmente para o médio produtor, categoria na qual a maioria de Santa Catarina se enquadra”, afirmou.