Paloma Detlinger é parte da quarta geração de famílias eslavo-germânicas que se estabeleceram nas colônias que formam a comunidade de Entre Rios, em Guarapuava, na região Central do Paraná. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e o início do regime soviético, trouxeram na bagagem uma farta experiência na agricultura e muita disposição para trabalhar nas terras do novo país.
Foi assim que ajudaram a construir uma das regiões mais produtivas do Estado e do Brasil, que se destaca principalmente na produção de grãos. Um deles tem especial relevância: a cevada, matéria-prima do malte utilizado na fabricação de cerveja. É da Colônia Entre Rios que sai grande parte do malte consumido pela indústria cervejeira brasileira.
A cevada é uma cultura de inverno, com plantio iniciado em julho e colheita em novembro. Na região de Guarapuava, que tem um inverno rigoroso, onde o grão se adaptou bem, o cultivo é impulsionado pela Cooperativa Agrária, fundada pelos imigrantes europeus. Praticamente todo o plantio na região é feito pelos cooperados, que vendem a produção para a própria Agrária. Em Entre Rios, está a Agrária Malte, a maior maltaria da América Latina, responsável por 30% da demanda nacional.
Cevada
E graças a isso o Paraná lidera com folga a produção nacional de cevada. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o estado respondeu por quase 62% da área cultivada e por 72% da produção do grão no Brasil em 2020. De acordo com as estatísticas da Produção Agrícola Municipal (PAM), a área plantada no Estado no ano passado chegou a 64.375 hectares, e no País somou 104.413 hectares.
Foram colhidas, no estado, 278.661 toneladas do grão, enquanto a produção nacional somou 387.146 toneladas em 2020. A produtividade da cevada paranaense também é superior à nacional. Ainda segundo a PAM, cada hectare plantado no Estado produziu 4.329 quilogramas de cevada. No Brasil, o rendimento médio foi de 3.709 kg/ha.
Na safra de 2020/21, que está terminando de ser colhida agora, a Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento estima o plantio de 76 mil hectares e a colheita prevista é de 320 mil toneladas. O Núcleo Regional de Guarapuava responde por cerca de 65% desse volume, com o cultivo de 45,5 mil hectares e previsão de colher 206 mil toneladas do grão. O cereal também é produzido nos Campos Gerais, na Região Metropolitana de Curitiba, no Sul e no Sudoeste do Estado.
Familiar
No caso de Paloma, tanto a família paterna como a materna têm tradição de décadas no cultivo. Para ela, porém, esta foi a primeira safra colhida. Após a morte do pai, há quatro anos, ela abriu mão de um doutorado em Química para assumir a propriedade junto com a mãe. Além da cevada, também cultiva outros grãos, como soja, milho e aveia preta.
“Meu avô, que é imigrante e pioneiro da cooperativa, iniciou o cultivo junto com a produção de malte pela Agrária. Meu pai começou a trabalhar com ele aos 14 anos e continuou na cultura a vida toda. Logo depois que ele faleceu, minha mãe e eu assumimos a propriedade, mas paramos a produção de cevada depois que uma chuva de granizo acabou com a produção”, conta Paloma.
As duas retomaram nesta safra, com 40 hectares cultivados com o cereal, uma parte dos 130 hectares da família, divididos entre uma propriedade na colônia Entre Rios e outra no município vizinho de Pinhão. Em sua primeira safra, Paloma colheu 4,5 mil quilogramas de cevada por hectare, produtividade superior à média do Estado.
“Minha mãe e eu não entendíamos nada de lavoura, éramos de áreas totalmente diferentes, e na primeira vez só plantávamos soja e milho. Até que nos encorajamos a cultivar cevada porque os bancos começaram a oferecer seguro para cereais de inverno. Este ano colhemos nossa primeira safra própria, tivemos bom resultado, com grande produtividade e boa qualidade cervejeira. Daqui para frente, a ideia é plantar sempre”, diz.
Do outro lado, na família materna, a cevada também esteve presente, e também pelas mãos de uma mulher. Após a morte do marido na Segunda Guerra, a bisavó de Paloma imigrou da Croácia com os cinco filhos pequenos. A família começou a cultivar arroz na nova terra, para alguns anos depois começar a plantar trigo e cevada, processo totalmente manual na época.
Cevada
O avô, Siegfried Milla, que chegou ao Brasil com 13 anos, continuou com esse trabalho até a aposentadoria, e hoje vê os filhos e os netos mantendo as lavouras. “Quando chegamos, a terra era arada com cavalo, nada de trator. A cooperativa nem existia, foi fundada muitos anos depois, era tudo muito diferente no começo”, conta ele, hoje com 80 anos.
“As primeiras sementes foram trazidas por um agricultor de Porto União para tratar os porcos, a criação. Depois de um tempo foi trocada para outro tipo, pela cevada cervejeira, e aí começou a dar certo. Agora, tudo se modernizou, principalmente o maquinário. Antigamente levava um mês para plantar, hoje se planta 30 hectares em um dia com uma máquina grande”, destaca Milla.
Para Paloma, a mudança na carreira para se dedicar ao cultivo da cevada e de outras culturas, seguindo a tradição familiar, foi uma decisão acertada – ela chegou a abrir mão de uma bolsa de doutorado na Alemanha para trabalhar com agricultura. “Foi o que sempre manteve a renda da nossa família. Na época até fiquei me questionando, mas hoje não me arrependo de ter deixado a vida acadêmica para me dedicar a esse trabalho. Não me vejo mais fazendo outra coisa”, acrescenta.
Tecnologia
Um dos motivos que fazem com que cevada de Guarapuava tenha melhor produtividade que a média nacional e estadual está no trabalho de pesquisa desenvolvido pela Fundação Agrária de Pesquisa Agropecuária (Fapa), que pertence à cooperativa.
A Fapa desenvolve, periodicamente, novas cultivares que levam em consideração as necessidades dos produtores e da indústria. São sementes com maior tolerância a doenças, com alta produtividade e alta qualidade de malte, com o objetivo de produzir matéria-prima com a melhor qualidade possível. O processo de melhoramento genético para o desenvolvimento de uma nova cultivar leva, em média, de 10 a 12 anos.
Márcio Mourão, coordenador da Fapa e da Assistência Técnica da Agrária, destaca que todo esse processo fez com que o cultivo do grão evoluísse exponencialmente desde o início da produção com os primeiros imigrantes. “Foi um processo de evolução técnica em todos os sentidos, desde o melhoramento genético dos materiais, que se tornaram mais produtivos e melhor adaptados para a região, até os insumos e o maquinário utilizado”, explica.
“A pesquisa ajudou a identificar o uso eficiente de fertilizantes e o manejo de produtos químicos para controle de pragas e doenças. Foi uma evolução natural da tecnologia, com adaptação do material para a região”, afirma Mourão. “Tudo isso se soma às boas condições de Guarapuava para o cultivo da cevada. É uma região com inverno rigoroso, de alta altitude e com regime de chuvas bem distribuído. São características que favorecem o crescimento das culturas de inverno”.
Maltaria
Um novo projeto, desta vez implantado em Ponta Grossa, nos Campos Gerais, vai consolidar o Paraná na liderança isolada na produção de cevada. Um pool formado por seis cooperativas confirmou a construção da Maltaria Campos Gerais, cuja primeira etapa deve ser concluída em 2028 e a segunda em 2032.
Juntas, as cooperativas Agrária, Bom Jesus (Lapa), Capal (Arapoti), Castrolanda (Castro), Coopagrícola (Ponta Grossa) e Frísia (Carambeí) devem investir R$ 1,5 bilhão no projeto, que somente na primeira etapa de implantação prevê a produção de 240 mil toneladas de malte por ano, 15% do consumo nacional.
Além do empreendimento em si, o investimento também reflete em toda a cadeia de produção. A área destinada para o plantio da cevada pode chegar a 100 mil hectares, abrangendo diferentes regiões do Estado. É o equivalente a quase toda a área de cultivo do cereal no Brasil atualmente.