Brasil deve revolucionar o setor da cana-de-açúcar mundial. Entenda!

O país já tem planos de lançar cultivares resistentes as piores pragas, estudo para uma semente artificial de cana e até a abertura de capital nas B3 e Bolsa de Nova York

cana de açúcar
Cana-de-açúcar. Foto: Daniel Popov

Uma das maiores referências no desenvolvimento de variedades de cana-de-açúcar mais produtivas e eficientes, o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) traçou planos ambiciosos para promover sua expansão no país. Nos laboratórios da companhia, em Piracicaba (SP), cientistas desenvolvem variedades de matérias-primas geneticamente modificadas e trabalham em um projeto ainda maior: criar sementes artificiais de cana, que prometem revolucionar o plantio do setor sucroalcooleiro.

Com a aposta em biotecnologia, o CTC planeja abrir seu capital na B3, Bolsa paulista, e também na Nasdaq, nos Estados Unidos. A companhia brasileira de pesquisa quer ser vendida aos investidores em Nova York como “a Monsanto da cana” – multinacional de agricultura e biotecnologia controlada pela alemã Bayer.

Criada em 1969 pelo grupo de usinas da Copersucar, a companhia passou quase 40 anos com foco em melhoria da produtividade dos canaviais, mas sem fazer grandes avanços em biotecnologia.

Foi a entrada de novos sócios, a partir de 2004, que permitiu à companhia de pesquisa traçar uma estratégia mais estruturada para todo o setor. Hoje, entre os principais acionistas estão a Raízen (joint venture entre Cosan e Shell), com 20% de fatia, e o braço de participações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDESPar), com 18,9%. A Copersucar tem 26% do negócio.

“Quando cheguei aqui, em outubro de 2011, a cana-de-açúcar já estava atrasada há pelo menos 20 anos. Então, decidimos virar o botão”, diz Gustavo Leite, presidente do CTC. Antes, o executivo tinha comandado a Monsanto no Canadá e no Brasil, quando a canola e a soja transgênicas foram lançadas.

Sobrevivência

A mudança de estratégia da empresa de pesquisa brasileira foi vital para garantir a sobrevivência do centro de pesquisa. De 2017 para cá, a companhia já lançou duas variedades transgênicas de cana resistentes à broca, umas das principais pragas que afetam os canaviais e causam prejuízos anuais de R$ 5 bilhões às usinas. O próximo passo será uma combinação de variedades resistentes à broca e também tolerantes a herbicidas. A segunda onda prevê o lançamento de uma variedade resistente ao bicudo, praga que “come” outros R$ 4 bilhões das usinas por ano.

Mais do que perda de receita, as principais pragas do setor – broca e bicudo – afetam duramente a produtividade dos canaviais. Até então, o controle é feito no “olhômetro”: funcionários de usinas andam pelos canaviais e tentam detectar canas “doentes” – as variedades atacadas apresentam furinhos em seus gomos. Os defensivos agrícolas ajudam nesse combate, mas não são totalmente eficientes.

Com a nova estratégia, a empresa pôde começar a cobrar royalties pelo uso das variedades desenvolvidas. De 2012 até agora, foi injetado cerca de R$ 1 bilhão em pesquisas. Em 2014, quando o BNDESPar entrou na sociedade, o CTC firmou o compromisso de fazer sua listagem como companhia aberta na B3, operação feita em 2016, e de negociar suas ações em Bolsa (IPO, inglês) até 2023. Esse processo deverá ser antecipado. Leite já conversa com bancos e pretende ir à Bolsa até 2021.

Maior produtor global de cana, com uma produção anual média de 650 milhões de toneladas e faturamento de R$ 100 bilhões, o Brasil não está no radar das grandes multinacionais por não ter uma escala mundial, como é o caso da soja e do milho.

Ao contrário de outras importantes culturas de grãos, que tomaram conta de quase todas as lavouras do mundo por seu ganho de produtividade, redução no uso de agrotóxico e no impacto ambiental, a cana geneticamente modificada é produzida em pequena escala no País, mas tem grande potencial para crescer. A expectativa é chegar ao fim da safra 2020/21 com área plantada de 50 mil hectares, de um total de 9,2 milhões hectares em todo País.

Revolução nos canaviais

Em paralelo ao desenvolvimento das variedades transgênicas, cientistas do CTC estão debruçados em seu projeto mais ambicioso: a semente artificial de cana, que promete mudar a forma de se plantar a matéria-prima que chegou há 500 anos no Brasil pelas mãos do português Martim Afonso de Souza.

A empresa está reproduzindo em seu laboratório de Piracicaba milhões de embriões que vão dar origem à semente perfeita: resistente a pragas e tolerante a herbicidas. “Será uma revolução nos canaviais”, afirma Plínio Nastari, presidente da consultoria Datagro, especializada no setor sucroalcooleiro. “O ciclo de vida da cana, que hoje é de cinco anos, pode cair para três a quatro anos.”

Nesses últimos séculos, o plantio de cana é praticamente o mesmo: pedaços de cana são jogados na terra para se reproduzirem. Escondidos a sete chaves, vários protótipos de sementes já estão sendo testados no CTC. O que se sabe é que a semente será muito menor do que os toletes jogados na terra. O plantio da cana artificial não será feito na horizontal, como é feito hoje, e sim na vertical.

Hoje, para plantar um hectare de cana são usados de 15 a 20 toneladas da matéria-prima. Com a semente, essa proporção cai para 300 quilos, explica Leite. Além da melhoria da produtividade, o sistema de plantio vai mudar com máquinas mais adequadas – as atuais compactam o solo.

A expectativa é que essas sementes sejam comercializadas a partir de 2024. Com o projeto em pé, será preciso fazer pesados investimentos na construção de fábricas para replicar essas sementes pelo país. “Não é barato. Por isso, os planos da companhia de levantar recursos na Bolsa.”

Sem concorrente

“Não temos nada parecido no Brasil e no mundo. Somos o único. O potencial para atrair investidores para comprar nossas ações é enorme”, diz. Para ele, o que o CTC desenvolve para a cana é comparável ao que a Monsanto faz com os grãos. A única concorrente do CTC no país foi a CanaVialis, criada em 2003 por cientistas brasileiros que participaram do sequenciamento do genoma da cana e tinham o grupo Votorantim como principal investidor. O negócio chamou a atenção da Monsanto, que comprou a empresa em 2008. Sete anos depois, a multinacional decidiu sair do setor de cana e encerrou as atividades da companhia no País.