
A combinação de juros altos, choque de custos e impactos climáticos tornou parte das dívidas rurais praticamente impagável. O resultado desse cenário se traduz na enxurrada de pedidos de recuperação judicial no campo, número que aumenta ano após ano. Após baterem recorde em 2024, os pedidos ligados ao agronegócio cresceram 31,7% no segundo trimestre de 2025, conforme dados da Serasa Experian.
“Tem assustado todo mundo”, avalia Renato Buranello, advogado e presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDA). Segundo ele, há um desconhecimento “muito grande” do funcionamento das cadeias produtivas por parte de quem julga essas ações, o que gera insegurança jurídica.
O tema foi um dos destaques do último evento da Agro Capitais, parceria entre Comissão de Valores Mobiliários (CVM), IBDA e o Instituto Pensar Agro (IPA). A ocasião também serviu para discutir formas alternativas de aumentar os investimentos no campo, principalmente por meio do mercado de capitais.
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Cenário resultará em ‘ressaca enorme’ na safra 25/26
Para Buranello, o aumento dos pedidos de recuperação judicial, é uma “irracionalidade econômica” e vem piorando. Além disso, o advogado citou a falta de transparência e conhecimento na avaliação dos casos que chegam ao âmbito jurídico, aumentando a insegurança.
“Hoje virou copia e cola: ‘crise, perda de produção’, está tudo igual. Mas como, se um munícipio registrou uma queda maior que outra região? A norma pede a comprovação de crise, mas tem juiz que cai nisso”, alerta.
Apesar da crítica, ele não é contra o uso da ferramenta — o perigo, segundo Buranello, está na atuação de advogados que “vendem” a recuperação judicial como única opção. Na avaliação do presidente do IBDA, a situação vai causar “uma ressaca enorme” na safra 2025/26. “Se o juiz age achando que está protegendo, ele está criando uma externalidade negativa que vai repercutir por várias safras”, diz.
Recuperação judicial é ‘via muito perigosa’
Outro ponto que chama a atenção é o peso crescente dos produtores rurais, tanto pessoa física quanto jurídica, dentro do total de recuperações judiciais do agro. O que se observa é a restrição de crédito rural, uma vez que as instituições deixam de liberar recursos em um cenário de alta inadimplência.
“É isso: se o produtor está numa zona de risco, numa indefinição sobre a capacidade de pagamento, ele não vai obter esse crédito”, resume Guilherme Bastos, coordenador do Centro de Bioeconomia da FGV.
Em entrevista ao Canal Rural, ele pediu a redefinição do sistema e da postura do próprio produtor rural, que acaba optando pela recuperação antes mesmo de tentar uma renegociação. “A recuperação judicial está mostrando uma via muito perigosa. Por isso é importante pensar em formas de reestruturação”, complementa.
A solução principal, segundo Bastos, passa pela forma como os recursos chegam ao campo. Atualmente, esse movimento se concentra no Plano Safra, ou seja, no uso predominante de recursos públicos. Por isso, na visão dele e de outros especialistas presentes no evento, o setor precisa buscar outras fontes de financiamento.
Seguro rural pode ganhar ‘blindagem’
Na última quinta-feira (4), o Congresso Nacional incluiu uma blindagem contra o contingenciamento de recursos das agências reguladoras e do seguro rural na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026. A medida ainda depende de sanção presidencial, mas ainda assim representa um avanço no sentido de assegurar recursos que podem evitar um colapso da agropecuária.
“É claro que há um problema orçamentário. No final das contas, tudo vai ser um trabalho que tem que ser feito, para que se possa pensar em como alocar mais eficientemente os recursos públicos”, conclui Bastos.