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Pesquisa indica janelas de cultivo de grãos para anos de El Niño e La Niña

Estudo que envolve a Embrapa cruzou dados de 50 municípios de Rondônia, Mato Grosso, Goiás e Tocantins, responsáveis por 39% da produção de grãos no país

Pesquisadores latino-americanos, incluindo profissionais da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), utilizaram tecnologias de big data – análise de grande quantidade de dados – para compreender melhor os efeitos dos eventos climáticos El Niño e La Niña na variabilidade da distribuição das chuvas e a consequente interferência no cultivo de grãos no Brasil.

O estudo analisou e cruzou dados de 50 municípios dos estados de Rondônia, Mato Grosso, Goiás e Tocantins, responsáveis por 39% da produção de grãos no país. O resultado foi um calendário de cultivo para diminuir riscos de estresses hídricos associados à perda de produção nessas áreas.

Um dos coordenadores do trabalho, o pesquisador Alexandre Heinemann, da Embrapa Arroz e Feijão, em Goiás, afirma que foram levantados dados do Instituto Brasileiro de Meteorologia (Inmet) sobre precipitação diária (de 1980 a 2013) de 50 estações meteorológicas nesses estados. As informações foram associadas a outras provenientes da Agência Nacional de Águas do Brasil (ANA) e da Agência de Administração Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (Noaa).

Foto: Embrapa

“Um dos objetivos do estudo foi aprimorar os calendários de cultivo já existentes e desenvolver opções estratégicas de gestão do período de semeadura para diminuir riscos de estresses hídricos que acarretem perdas na produção”, pontua Heinemann.

A partir do grande volume de informações e seu cruzamento, os pesquisadores foram capazes de propor um novo calendário de cultivo com a determinação do período inicial, ótimo e final de semeadura para cada um dos municípios.

A pesquisa estabeleceu a dinâmica da estação chuvosa no verão para as estações meteorológicas, considerando anos com El Niño, La Niña e neutro, quando não ocorre nenhum dos dois eventos. Isso foi realizado a partir da definição de datas de início e fim das chuvas, quantidade total de precipitação pluviométrica, duração da estação chuvosa e número de dias secos e úmidos dentro desse período.

A partir dessas determinações, os profissionais estimaram também a disponibilidade de água presente no solo para a realização da semeadura nas localidades estudadas e relacioná-la às necessidades hídricas de cultivos ao longo de todo o ciclo produtivo. Nessa etapa, o trabalho foi feito por computadores com modelos que simulam as necessidades de crescimento, desenvolvimento e produção de lavouras. “Usamos os melhores dados disponíveis para avaliar o impacto do El Niño e da La Niña sobre a dinâmica da estação chuvosa para os cultivos de grãos, soja, milho e arroz, em Rondônia, Mato Grosso, Goiás e Tocantins”, afirma o pesquisador.

Problemas na dupla safra

Outro resultado do estudo, apresentado por Heinemann, aponta para o impacto significativo do El Niño e La Niña, que resulta em perdas de produção em todos os estados pesquisados, principalmente durante a safrinha, que é cultivada após a safra principal, a partir de fevereiro.

“A dupla safra, especialmente as rotações soja-milho, comuns em Mato Grosso, Rondônia e regiões de Goiás, trazem risco de perda por falta de água durante a fase de enchimento de grãos. Nesses casos, uma opção é plantar na safrinha culturas menos suscetíveis a déficits hídricos, como o sorgo em vez do milho, ou escolher variedades precoces de ciclo mais curto”, constata o pesquisador.

Calendário e janela de cultivo

Geralmente, o início do período chuvoso e da semeadura da safra de verão vai de fins de setembro a começo de novembro. Contudo, de acordo com a pesquisa, pode haver a necessidade de ajustes, conforme a ocorrência de El Niño e La Niña. Por exemplo, segundo o estudo, no município de Alta Floresta (MT), as fases inicial (vermelho), ótima (verde) e final (amarelo) para semeadura sofrem alteração.

No gráfico, estão assinaladas três marcações dentro das faixas verdes que representam a data ideal de semeadura

O início da semeadura em Alta Floresta (MT) pode ser feito mais cedo em anos em que ocorrem o El Niño, entre os dias 16 e 20 de setembro, e entre os dias 11 e 15 de setembro, em anos que ocorrem o La Niña, em comparação aos anos em que esses eventos não acontecem. Além disso, em anos com El Niño, a janela de semeadura é menor, entre os dias 26 e 30 de outubro, ao passo que, em anos com La Niña, a semeadura pode ser estendida até meados de novembro, entre 16 a 20.

Estudo

A pesquisa realizada serve para melhorar a tomada de decisão de agricultores, governos, seguradoras, indústrias de insumos e outros segmentos envolvidos na produção agrícola. Esse trabalho concentrado em Rondônia, Mato Grosso, Goiás e Tocantins também pode ser expandido a outros estados brasileiros e regiões de cultivo, segundo Heinemann. Ele avalia que, futuramente, essa pesquisa deverá estar conectada a sistemas de assistência técnica rural que auxiliam os produtores a diminuir potenciais riscos às lavouras.

Heinemann ressalta ainda a importância desse estudo do ponto de vista do avanço do conhecimento. De acordo com ele, já existem muitos trabalhos sobre o impacto dos fenômenos El Niño e La Niña em relação ao clima e à produtividade de culturas agrícolas. Mas são poucos os que avaliam as alterações provocadas por esses eventos climáticos sobre a variabilidade das chuvas e sua repercussão para culturas como soja, milho e arroz durante a safra e a safrinha de verão.

Além da Embrapa, a pesquisa teve a participação do Centro Internacional de Agricultura Tropical (Ciat-Colômbia), Grupo Consultivo de Pesquisa Agrícola Internacional (Cgiar-Colômbia) e Universidade Federal de Goiás (UFG). O trabalho contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) e Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid).