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Em 2020, milho é vendido a 'preço de soja' e soja é vendida a 'preço de boi'; entenda os motivos

Segundo analistas de mercado, não há expectativa para redução nas cotações dos principais grãos vendidos no país em um curto prazo

milho
Foto: Ministério da Agricultura

Os preços dos principais grãos produzidos no Brasil, a soja e o milho, atingiram níveis recordes em 2020. Com exportações em alta, impulsionadas pela valorização do câmbio, e um consumo interno aquecido, a oferta desses grãos no país é escassa, o que obrigou o governo a zerar as tarifas para importação.

Com a escalada dos preços no mercado interno, a saca da soja chegou ao patamar de R$ 170, valor semelhante ao do boi gordo negociado na B3, antiga BM&F Bovespa, nesta época em 2019, quando o valor do animal atingiu R$ 171,50 no contrato para janeiro de 2020. Para o milho, a saca atualmente está cotada entre R$ 70 e R$ 72 na média de outubro, bem próximo do valor atingido pela soja neste mesmo período do ano passado, que foi de R$ 73, em Rondonópolis (MT), por exemplo.

Segundo o analista da consultoria Safras & Mercado Luiz Fernando Gutierrez, a alta da soja no Brasil é explicada por dois momentos distintos. “No primeiro semestre, o dólar foi o fator principal de impacto nas cotações. Com a soja mais competitiva, a China exportou do Brasil um volume muito maior do que o esperado, tendo em vista o acordo chinês com os Estados Unidos”.

A alta demanda pelo grão brasileiro no exterior explica o segundo motivo que impulsionou as cotações da leguminosa. “As exportações enxugaram a oferta do grão no mercado brasileiro e, como temos pouca disponibilidade de soja, a oferta é que sustenta as cotações. Por isso temos esse patamar inédito de preços”, destaca Gutierrez.

Segundo o analista, o ano é completamente atípico quando se fala nos valores da saca, com mercado distorcido e encontrando preços no interior acima daqueles praticados no porto. Ele avalia, ainda, que não há espaço para quedas nos preços. Mas, por conta do cenário inédito, é difícil prever até onde eles podem chegar.

“Como nunca trabalhamos com preços tão altos, não é possível estabelecer um teto, mas acredito que estamos nos aproximando de um limite. Podemos afirmar que o teto vai até onde o mercado pode pagar”, ressalta.

Na avaliação do especialista, mudanças mais significativas nos preços da soja devem ser observadas apenas em 2021. “O câmbio será fundamental para prever variações de preços. O mercado entende que há espaço para dólar mais fraco, em torno de R$ 5. No entanto, o preço não responde só a isso. Temos os fatores ligados à demanda. A China deve comprar menos do Brasil para honrar compromissos com os americanos e isso deve ser considerado”.

Outro fator que pode mudar o cenário de preços é o tamanho da safra brasileira. Mesmo diante de uma estimativa de produção recorde, de 133,7 milhões de toneladas, segundo a Conab, o clima preocupa neste início da nova temporada.

“Temos registro de alguns problemas, mas que são contornáveis. Só devemos ficar atentos, pois em ano de La Niña geralmente temos perdas no Sul, e com dois estados importantes na produção como Rio Grande do Sul e Paraná pode haver impacto na oferta com o impacto mais severo do clima”, completa Gutierrez.

Milho

Assim como a soja, o milho não ficou imune à valorização no mercado interno. Se em outubro de 2019 a saca valia, em média, R$ 40, neste ano os valores bateram R$ 80. Segundo Paulo Molinari, analista da Safras, a isenção de tarifas tem pouco efeito sobre os preços. “O problema não é a tarifa e sim tudo o que o mercado enfrentou neste ano, que está fora do normal. Começa pela pandemia, depois vem o câmbio e agora no final do semestre vemos alguns impactos por conta do La Niña. É uma alta que atinge a todas as commodities agrícolas”, diz Molinari.

A oferta escassa no mercado molda o ritmo das negociações e o produtor retém o grão principalmente pensando no atraso do plantio da safra, segundo o analista. “O produtor não está vendendo porque ele não quer. Ele está fazendo uma espécie de reserva para ter como pagar as contas lá na frente, caso o plantio não avance”. A preocupação com o clima se justifica, pois, segundo Molinari, há relatos de perdas no Rio Grande Sul.

Sobre um possível recuo nos preços, o analista da Safras & Mercado avalia que o mercado não enxerga possibilidade de mudanças em um curto prazo, com pouco disponibilidade do cereal. “A oferta só deve regularizar a partir de julho do ano que vem, quando começa a entrar a nova safra. Com essa acomodação de preço alto, o produtor terá que se virar com a oferta no mercado interno e talvez terá que fazer algum esforço para importar, pagando, inclusive preços maiores para o milho estrangeiro”, diz Molinari.