
O Brasil está muito perto de alcançar o posto de maior produtor de alimentos do mundo. Nossas lavouras de soja, milho, algodão e café abastecem mais de 170 países, e nossas carnes estão nas mesas das principais potências globais.
Mas há uma contradição incômoda: produzimos alimentos em escala global, usando insumos importados em escala igualmente global.
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Mais de 85% dos fertilizantes nitrogenados usados no país vêm de fora, e essa dependência é um dos pontos mais sensíveis da cadeia produtiva. Basta uma guerra, uma sanção ou um bloqueio logístico internacional para desorganizar todo o custo de produção no campo.
O Brasil já sentiu isso em 2022, quando a guerra entre Rússia e Ucrânia disparou o preço da ureia e do cloreto de potássio. O produtor pagou caro, e o custo chegou ao prato do consumidor.
Por isso, o anúncio da presidente da Petrobras, Magda Chambriard, de que a estatal poderá entregar até 35% da demanda de fertilizantes nitrogenados do Brasil, merece ser visto como um movimento estratégico.
A estatal está retomando fábricas no Paraná, em Sergipe e na Bahia, e estuda reativar a unidade de Três Lagoas (MS), abandonada há mais de uma década.
Se o plano avançar, o país poderá reduzir parte da vulnerabilidade externa e equilibrar o custo de produção agrícola, o que é essencial para garantir previsibilidade, competitividade e segurança alimentar
Por que isso importa
- Soberania agrícola: quem depende de insumos estrangeiros não tem pleno controle sobre o próprio alimento.
- Estabilidade econômica: a volatilidade dos preços internacionais de fertilizantes é um dos principais riscos de custo para o produtor.
- Previsibilidade para o campo: garantir insumo nacional é proteger o planejamento das próximas safras.
- Desenvolvimento regional: reabrir fábricas significa gerar empregos e renda em polos como Camaçari, Laranjeiras e Três Lagoas.
A meta de 35% é ousada, mas depende de execução técnica e de um ambiente econômico estável. Plantas paradas há anos exigem altos investimentos em tecnologia e gás natural a preço competitivo.
Além disso, é preciso garantir gestão profissional e livre de interferência política para que a Petrobras não transforme uma meta industrial em promessa de palanque.
Outro ponto essencial é o equilíbrio ambiental. O mundo caminha para o uso crescente de biofertilizantes e insumos de baixa emissão. O Brasil precisa olhar para essa transição tecnológica desde já, e a Petrobras pode ser o motor dessa virada verde.
O Brasil não pode se conformar em ser apenas o “celeiro do mundo”.Precisamos ser também autossuficientes na base que sustenta o agro.
Se queremos continuar alimentando o planeta, não podemos depender da vontade, ou da política, de outros países para plantar a próxima safra.
A retomada dos fertilizantes é mais do que um projeto industrial. É um ato de soberania nacional.

*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural
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