Ministério Público quer banir glifosato do Brasil

Ações judiciais em andamento questionam demora da Anvisa para concluir avaliação toxicológica do agrotóxico usado em larga escala nas lavouras do paísEm um documento enviado à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Ministério Público Federal (MPF) recomenda que seja concluída com urgência a reavaliação toxicológica do glifosato e que a agência determine o banimento do herbicida no mercado nacional. Anvisa afirma que vai reavaliar a substância.

Atualmente, o produto é o mais usado nas lavouras do Brasil. A medida, defendida pelo MPF como forma de precaução, se baseia em estudos como o desenvolvido pela International Agency for Research on Câncer (IARC), ligada à Organização Mundial de Saúde (OMS), segundo a qual, o ingrediente pode ser cancerígeno.

Além da recomendação, o procurador da República Anselmo Henrique Cordeiro Lopes apresentou uma petição à Justiça Federal em que reforça o pedido de liminar para proibir a concessão de novos registros de agrotóxicos que contenham oito ingredientes ativos – entre eles o glifosato – condenados por organismos internacionais e pela própria Anvisa.

– O mais importante é que hoje existe uma posição oficial do principal órgão de saúde do mundo, a OMS, que, ouvindo especialistas do mundo inteiro, reconheceu que o glifosato causa câncer. O MPF mostrou para a Anvisa a sua posição a respeito da reavaliação do glifosato. Essa reavaliação deve ser concluída com urgência e a conclusão deve ser o banimento – afirma o procurador.

O MPF afirma que, em relação a cinco substâncias (lactofem, carbofurano, abamectina, tiram e paraquate) a Anvisa já têm parecer técnico apontando que eles também tenham a comercialização proibida no país. Os documentos relacionam estas substâncias a potenciais características carcinogênicas, mutagênicas, teratogênica e/ou disrupturas endócrinas.

A petição também faz referência ao fato de a Organização Mundial da Saúde ter reconhecido, em março de 2015, estudos consolidados por 17 especialistas de 11 países, que avaliaram a característica carcinogênica de alguns ingredientes, entre os quais o glifosato. No documento, o MPF frisa que, entre outras conclusões, os especialistas “afirmaram, com segurança, que o glifosato produz, muito provavelmente, efeitos carcinogênicos em seres humanos”. 

– De acordo com a legislação brasileira, um produto cancerígeno não pode ter registro no Brasil. Com base nisso, o MPF apresentou à Justiça Federal esses estudos da OMS, as notas técnicas da Anvisa e outros dados que demonstram dezenas de mortes relacionadas ao consumo e exposição desse agrotóxico, para que a Justiça Federal avalie a necessidade de deferir ou não a liminar que é pedida na ação civil pública ajuizada no ano passado – afirma Lopes.

O procurador acredita que a Anvisa vai cumprir a recomendação e banir o glifosato.

– A legislação é clara, a saúde é o bem primordial. Se um produto pode gerar câncer, essas pessoas não podem ser submetidas a esse risco, ainda que isso seja conveniente ou não economicamente.

Pedidos de informação

Além de reforçar o pedido de concessão de liminar, o procurador Anselmo Lopes determinou a adoção de novas providências referentes ao caso, como o envio de pedidos de informações a órgãos públicos. Um deles é endereçado ao Ministério da Agricultura de Pecuária (Mapa). O órgão tem 15 dias para informar os procedimentos adotados no sentido de cancelar os registros de agrotóxicos de apresentam os ingredientes ativos forato e parationa metílica, banidos pela Anvisa no fim de 2014.

Outro pedido é para que as secretarias estaduais de meio ambiente e de saúde, incluindo do Distrito Federal, e os departamentos de água e esgoto de todas as capitais e do município de Ribeirão Preto (SP) enviem, no prazo máximo de 90 dias, relatórios de análise de contaminação da água por agrotóxicos.

Também consta da lista de providências que estão sendo adotadas pelo MPF, a apresentação de um novo pedido aos 34 Centros de Informações e Assistência Toxicológica espalhados pelo país. Os órgãos deverão informar eventuais registros de intoxicações ocorridas no ano de 2014, resultantes da exposição a agrotóxicos que contenham os ingredientes ativos mencionados nas ações judiciais. Neste caso, o procurador solicita, ainda, que sejam mencionados os casos de óbitos, inclusive, separando – caso seja possível – os que foram decorrentes da exposição aguda dos que decorreram da exposição crônica ao produto.

Novo inquérito

Outra providência adotada pelo MPF em relação ao possível banimento do glifosato do mercado brasileiro foi a instauração de um novo inquérito civil. Neste caso, o objetivo das apurações será verificar se há necessidade de cancelamento de liberações para venda de sementes transgênicas. Os chamados organismos geneticamente modificados (OGMs) têm autorizações da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e parte deles é tolerante ao herbicida glifosato. Como forma de viabilizar a investigação, o MPF deve solicitar, nos próximos dias, à CTNBio cópias de todos os procedimentos de liberação comercial de OGMs que sejam tolerantes ao herbicida glifosato.

Repercussão

Anvisa informou que fez um contrato com a Fiocruz para fazer a reavaliação das substâncias solicitadas pelo MPF em 2008. Os estudos sobre o glifosato foram considerados insuficientes para propor o banimento da substância. Entretanto, a Anvisa informa que, diante da recente classificação do glifosato pela IARC como provável carcinógeno humano, a agência dará imediata continuidade à análise deste ingrediente ativo.

Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) informou por meio de nota que “todos os produtos comercializados no Brasil passam por um processo de regulamentação extremamente rígido” e passam pela avaliação dos ministérios da Agricultura, do Meio Ambiente e da Saúde, por meio da Anvisa. O Sindiveg diz ainda que “é favorável às reavaliações de defensivos agrícolas” mas espera isso seja feito “em conformidade com a legislação em vigor”.

Monsanto afirma, também por meio de nota, que “a segurança dos nossos produtos é uma prioridade” e que “todos os usos de produtos registrados à base de glifosato são seguros para a saúde e o meio ambiente, o que é comprovado por um dos maiores bancos de dados científicos já compilados sobre um produto agrícola”.

A empresa cita a própria avaliação da Anvisa, de 2010, além das avaliações do Instituto Federal de Avaliação de Risco da Alemanh (BfR), que apontou que “em estudos epidemiológicos em humanos, não há evidência de efeitos sobre fertilidade, reprodução e desenvolvimento de neurotoxicidade que possam ser atribuídos ao glifosato” e se manifestou favoravelmente à continuidade de todos os usos registrados do glifosato na Europa. A Monsanto também cita a avaliação da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) de 2013, que concluiu que o glifosato não causa risco de câncer para humanos.

Apuração de Fernanda Farias; edição de Gisele Neuls