Setor de borracha no Brasil busca autossuficiência da produção

Presidente da associação dos produtores, Fernando do Val Guerra comenta medida do governo que eleva taxa de importação do látex de 4% para 14%

Fonte: Felipe Rosa/Embrapa

O setor produtivo brasileiro de borracha natural comemorou, em 2016, uma importante decisão do governo federal que pode reverter o quadro de perdas financeiras de vários anos. Trata-se da resolução da Câmara de Comércio Exterior (Camex), aprovada em setembro, que eleva a alíquota de importação do produto de 4% para 14% por um ano. A medida pretende preservar a oferta interna, que corre riscos com a queda nos preços internacionais do látex, hoje abaixo do valor do mínimo de garantia de R$ 2/kg.

De maior produtor mundial, o Brasil passou a representar apenas 1,5% da produção do planeta a partir da Revolução Industrial. Desde então, os produtores lutam para ter competitividade e atender ao menos à demanda interna. Desde os anos de 1980, a heveicultura brasileira, que é o cultivo de seringais, passou a ter nova esperança. “Temos hoje um potencial gigantesco a desenvolver com tecnologia própria de altíssima produtividade, expandindo a cultura recuperando pastagens degradadas e criando oportunidades para a sociedade e para a indústria brasileira”, afirma o presidente da Câmara Setorial da Borracha Natural do Ministério da Agricultura e diretor executivo da Associação Brasileira dos Produtores e Beneficiadores de Borracha Natural (Abrabor), Fernando do Val Guerra.

Em entrevista especial ao Canal Rural, Guerra fala sobre a produção de borracha no Brasil e a expectativa com essa medida adotada pelo governo este ano.

Canal Rural – Qual o perfil da cultura no país hoje? 
Fernando do Val Guerra –
 O Brasil possui hoje 165 mil hectares plantados com seringueira, para uma produção de 193 mil toneladas de borracha natural (borracha seca). Os dados são do IBGE, de 2015. O consumo é da ordem de 412 mil toneladas, ou seja, a produção nacional responde por 46,8% da necessidade da indústria aqui instalada. O principal consumidor é a indústria de pneumáticos, com cerca de 80% do volume. Do restante, metade é direcionada para a indústria de veículos automotores, ou seja, estima-se que 90% do consumo total de borracha natural acabe nessa indústria.
Na ordem de grandeza dos insumos que viabilizam a industrialização no mundo, temos dividindo a primeira posição o petróleo, o aço e a borracha natural. Tenha em mente ainda que a sociedade moderna não seria como é sem a borracha natural. Pneus de carros, caminhões e ônibus, de avião e motocicletas, autopeças, preservativos, luvas cirúrgicas, luvas domésticas, luvas de uso geral, balões, calçados, etc.

CR – Qual o cenário atual para os produtores de borracha natural? 
Guerra –
 O cenário atual requer gestão acurada para os seringais que possuem potencial produtivo bom, requer paciência dos que possuem seringais em início de sangria, calculando friamente a viabilidade de iniciar a produção e requer criatividade para se substituir os seringais velhos de baixa produtividade por seringais novos que vão aproveitar muito o próximo ciclo de alta, além de contarem hoje com a disponibilidade de material genético de altíssima produtividade, como os clones da série IAC 500, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), por exemplo.

CR – Há produção extrativista e agrícola? Qual proporção de cada uma?
Guerra –
 Sim, há produção extrativista, mas a mesma não é significativa: representa cerca de 0,5% da produção total.

CR – Há quanto tempo enfrentam preços baixos e concorrência da importação?
Guerra –
 Esta é a terceira safra consecutiva com preços oscilando abaixo do ponto de sustentabilidade interno e mundial da cultura.

CR – Quanto o país tem importado de látex por ano? De onde vêm esses produtos?
Guerra –
 O Brasil importou 219 mil toneladas de borracha natural em 2015, distribuídos assim: látex centrifugado (12,8%), folhas fumadas (11,4%), granulada (75,7%), outras formas (0,16%). A origem das importações totais é: Indonésia (41,6%), Tailândia (33%), Malásia (10,7%), Costa do Marfim (6,7%), Vietnã (5,1%), outros (2,8%). Os dados são do MDIC, de 2015.

CR – De que forma isso tem prejudicado os produtores nacionais?
Guerra –
 A importação de borracha de países asiáticos a preços abaixo do ponto de sustentabilidade mundial para a cultura prejudica a evolução da produção nacional, que caminha a passos largos para uma autossuficiência moderna e competitiva.

CR – O governo elevou de 4% para 14% a alíquota para importação de borracha. Qual importância dessa medida para o setor produtivo brasileiro?
Guerra –
 Essa elevação temporária do imposto de importação tem a função de salvaguardar o potencial produtivo brasileiro, viabilizando o tempo necessário à condução do setor para um patamar superior de competitividade.

CR – Esse percentual atende a demanda do setor ou seria necessário uma taxa maior? O setor já chegou a pedir 35%.
Guerra –
 O ponto “atender ou não atender” o setor está relacionado com o objetivo pretendido versus relação preço da commoditie vs. câmbio. Para o preço e câmbio atuais, essa alíquota permite que os seringais maduros sejam explorados, mas não atende a ponto de atrair novos investidores. Talvez o maior ganho dessa medida é se ter criado o ambiente para a elaboração de uma medida mais ampla que atenda a uma relação ganha-ganha para o produtor, indústria e sociedade.

CR – O setor ainda precisa de um acerto com a indústria, para incentivar a produção?
Guerra –
 O setor precisa que a conversa entre a indústria consumidora e o setor produtivo evolua com a participação efetiva do governo, na direção de construir uma proposta para a cadeia produtiva da borracha natural, que seja boa para os produtores, boa para a indústria que necessita da matéria-prima e boa para a sociedade que precisa dos produtos.

CR – Como o governo pode socorrer ainda mais o setor?
Guerra –
 O governo precisa facilitar o entendimento entre o setor produtivo e a indústria, possibilitando uma solução ganha-ganha para a cadeia produtiva e a sociedade.

CR – Qual preço atual do látex? Qual seria o ideal?
Guerra 
– Preço ideal é algo subjetivo. Vamos dizer que a condição ideal é a que mantenha uma atratividade para o setor de maneira que não aconteça o desinvestimento tanto para o produtor como para a indústria. Neste momento, para o campo, precisaríamos de algo em torno de R$ 2,50 por quilo de coágulo virgem a granel no teor de borracha seca de 53%. Isso significa ter um produto beneficiado, o GEB-10 (Granulado Escuro Brasileiro nº 10), com preço ao redor de R$ 6,30 por quilo.

CR – Quanto empregos o setor gera?
Guerra –
 O setor produtivo, considerando a mão de obra para sangria e coleta, tratoristas, fiscais, gerentes e técnicos, gera 48 mil vagas diretas no Brasil.