Agronegócio

Amazônia: Banco Mundial defende revisão do modelo de crescimento para proteger floresta e biodiversidade

Estudo afirma que as políticas de crédito rural promovem a agricultura de forma ineficiente devido à fragmentação dos programas de crédito e às distorções decorrentes de sua vinculação

No documento “Equilíbrio Delicado Para a Amazônia Legal Brasileira: Um Memorando Econômico”, o Banco Mundial defendeu que a revisão do modelo de crescimento da Amazônia possibilitará maior proteção da floresta e da biodiversidade. De acordo com a publicação, o desmatamento na região está atrelado a atividades como a pecuária, a ampliação da fronteira agrícola e a mineração.

A instituição indica que o desmatamento poderia levar a floresta a um ponto onde não seria mais possível reverter seus efeitos. Na prática, esse desmatamento coloca em risco o valor da floresta em pé no Brasil, estimado em mais de 317 bilhões de dólares por ano. Importante explicar que o chamado “valor da floresta em pé” se refere ao dinheiro que circula pela exploração de serviços como o turismo ou a produção de produtos não madeireiros, além do armazenamento de carbono.

Conforme o documento, esse valor seria equivalente a até sete vezes o valor estimado da exploração privada ligada à agricultura extensiva, à exploração madeireira ou à mineração. “Enquanto bem público, o valor da floresta tropical brasileira inclui seus serviços ecossistêmicos, os quais, somente para a região da América do Sul, são estimados em 20 bilhões de dólares anuais. Esses serviços incluem a chuva necessária para a agricultura da região e a proteção contra a erosão do solo e os incêndios”, diz o estudo.

Desta forma, os valores públicos globais associados à floresta em pé são ainda maiores, principalmente devido ao papel da Amazônia Legal como sumidouro de carbono. A publicação informa que “o valor anual do armazenamento de carbono é estimado em 210 bilhões de dólares, com o valor de opção e existência ligado à biodiversidade e cobertura florestal somando outros 75 bilhões de dólares”. Já os valores de uso privado sustentável da floresta em pé são estimados em 12 bilhões de dólares anuais.

O material, elaborado ao longo de três anos, afirma que o aumento de renda da população da Amazônia Legal tem relação direta com uma maior proteção da floresta, modos de vida tradicionais e redução do desmatamento. Para isso, o documento reforça a necessidade de fomentar um maior crescimento da produtividade nos estados amazônicos e no Brasil como um todo.

De acordo com o banco, o aumento da produtividade nas áreas rurais e urbanas exigirá uma transformação estrutural. O estudo ainda defende que a redução da pobreza na região deve estar atrelada a um modelo de desenvolvimento não se apoie apenas na extração de recursos naturais.

“O sucesso de longo prazo no combate ao desmatamento exigirá uma transformação estrutural mais ampla da economia, que reduza o foco na fronteira agrícola, por meio do fortalecimento dos setores de manufatura e serviços”, disse o diretor do Banco Mundial para o Brasil, Johannes Zutt, durante a apresentação do documento.

Crédito rural

O documento afirma também que as políticas de crédito rural promovem a agricultura de forma ineficiente devido tanto à fragmentação dos programas de crédito quanto às distorções decorrentes de sua vinculação, o que reduziria a produtividade. Assim, é defendida a adoção de regras para reduzir o impacto direto do crédito rural no desmatamento. O texto também afirma que o apoio do governo ao financiamento agrícola deve se concentrar no apoio fiscal a agricultores menores e mais produtivos. Com isso, será possível gerar crescimento agrícola com a sustentabilidade ambiental e fiscal. Além disso, é salientada a revisão dos subsídios e incentivos a programas de empréstimos para grandes propriedades agrícolas, devendo se direcionar a atividades como agricultura de baixo carbono e métodos agroflorestais.

“Em relação ao duplo objetivo de atender à demanda global de alimentos e conter o desmatamento, a intensificação agrícola assume um papel importante, pois implica que mais demanda pode ser atendida com a mesma quantidade de terra. Este memorando demonstra que promover ganhos de produtividade agrícola em todo o Brasil aumenta a produção de alimentos e reduz o desmatamento. A principal razão é que a maior parte desse aumento na produção vem das regiões agrícolas mais consolidadas do Brasil, onde o desmatamento é menos preocupante porque restam poucas florestas naturais e os mercados de terras estão relativamente maduros”, diz o Banco Mundial.

Mercado fundiário

Para o banco, é necessário acertar “distorções” no mercado fundiário, uma vez que fomentam o atual modelo de crescimento, muitas delas vinculadas ao processo de colonização do Brasil ou a suas políticas históricas industriais e comerciais. Assim, entre os pontos citados, estão a redução da insegurança fundiária, com a titulação definitiva de terras para assentados; a tributação fundiária inadequada; deficiências na aplicação da legislação que prevê a preservação da integridade das áreas protegidas ou territórios indígenas; e a garantia de que pelo menos 80% das propriedades privadas no bioma Amazônia permaneçam preservadas.

O relatório também mostra o papel das pequenas e grandes cidades no desenvolvimento da Amazônia. Outro ponto ressaltado é a necessidade de destinação das terras que aguardam designação, como unidades de conservação, terras indígenas, assentamentos de reforma agrária, terras passíveis de regularização fundiária ou outra categoria de posse. Essas áreas não destinadas apresentam índices mais altos de desmatamento vinculado à grilagem de terras.

O texto diz que “um modelo de crescimento mais equilibrado e uma política com foco na intensificação agrícola são internamente compatíveis e podem criar um ambiente mais propício para a regularização fundiária que favoreça mais fortemente a conservação das terras naturais em vez da grilagem e da agricultura extensiva. O financiamento para a conservação poderia fornecer mais incentivos”.

Transporte

A publicação do Banco Mundial defende também a redução dos custos de transporte, especialmente com a redução na construção de estradas e ampliação das hidrovias, pois são um meio de transporte de mercadorias eficaz e relativamente econômico. “Hidrovias são importantes para não precisar construir estradas, que aumentam o desmatamento”, disse Hanusch, complementando que elas podem ajudar a reduzir os custos ligados à distância da Amazônia Legal a outros mercados no país.

Indígenas

O documento fala também sobre a necessidade de maior atenção aos povos tradicionais, como os quilombolas, e aos indígenas. Esse último grupo soma cerca de 380 mil pessoas, o que equivale a 1,5% da população da Amazônia Legal, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O texto destaca que a preservação de modos de vida tradicionais constitui uma riqueza a mais da região e aponta a necessidade de se elaborar mecanismos de recompensa desses grupos por seu papel na preservação ambiental.

“Diversas comunidades indígenas ainda vivem em completo isolamento em partes remotas da floresta. Outros grupos tradicionais da Amazônia Legal são as comunidades ribeirinhas e quilombolas. Esses grupos tendem a manter fortes laços culturais com as terras naturais da região. Ao mesmo tempo, tendem a ter renda mais baixa e acesso mais precário aos serviços públicos. O desenvolvimento inclusivo na Amazônia Legal deve prestar muita atenção aos povos tradicionais da região, independentemente do fato de eles optarem por adotar a vida urbana, manter seu modo de vida rural tradicional, ou ambos”, diz o documento.

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