O presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Celso Moretti, foi o convidado desta edição do Canal Rural Entrevista, programa que agora está em novo horário na grade de programação. A atração pode ser acompanha todas as terças-feiras, a partir das 18h30.
Diretamente de Glasgow, onde acontece a COP26, Moretti conversou com o diretor de conteúdo do Canal Rural, Giovani Ferreira, sobre a necessidade urgente de transformação dos sistemas alimentares em nível global para garantir acessibilidade da população à alimentação e participação da Embrapa e do Brasil no evento.
Confira a entrevista
Canal Rural – A Embrapa adotou um slogan: agricultura movida a ciência. Qual a dimensão e o significado dessa frase?
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Celso Moretti – Esse é o slogan que nós viemos adotando ao longo dos últimos anos. E quando o slogan é bom, a gente deve manter enquanto estiver funcionando. Nós adotamos esse slogan porque entendemos que esse é um grande diferencial da agricultura brasileira.
A agricultura brasileira, pecuária e setor florestal se desenvolveram muito ao longo das últimas décadas porque o Brasil realmente investiu fortemente em ciência. A base da agricultura brasileira é a ciência. É importante lembrar que o único país do mundo tropical que fez uma revolução na produção de alimentos e bioenergia foi o Brasil, e essa revolução foi baseada em ciência. Por isso que nós criamos esse slogan e resolvemos manter dessa forma.
Canal Rural – Pesquisa e sustentabilidade caminham lado a lado. Mas nós temos um desafio: existe uma questão cultural de conscientização de todos os elos dessa cadeia produtiva para promoção de fato da sustentabilidade. Essa é uma limitação? Como nós temos trabalhado isso no Brasil?
Moretti – Para nós, da Embrapa, a questão da sustentabilidade é algo natural. Estamos tratando esse tema há 30 anos. Talvez o mundo tenha acordado mais recentemente, mas há 30 anos nós começamos a trabalhar com recuperação de pastagens degradadas, que deram origem a todo o programa de integração lavoura-pecuária-floresta e como nós vemos e podemos perceber aqui na COP26, a sustentabilidade está no coração da estratégia de governo e de empresas. E, para nós, sustentabilidade é uma premissa. Nós partimos da sustentabilidade para avançar na produção competitiva de alimentos, fibras e energia no Brasil.
Canal Rural – O tema sustentabilidade remete muito à questão ambiental. Mas o mercado trata muito sustentabilidade quando eu tenho eficiência em todos os elos da cadeia produtiva, econômica, ambiental e social. A gente pode interpretar essa sustentabilidade que o Brasil está buscando e trabalhando no agronegócio nesse sentido mais amplo da palavra?
Moretti – Sim. Nós temos hoje o conceito que é a governança corporativa ambiental e social, que pressupõe que, antes da porteira, dentro da porteira e depois da porteira, você precisa estar pensando na sustentabilidade da sua atividade e produção. Por isso que nós observamos que os países fizeram seus compromissos de se tornarem uma economia neutra em carbono. A China em 2060, Brasil, EUA e Austrália em 2050, empresas do setor de proteína, lácteos, em 2040 e todos os países e empresas sabem que tem que trazer essa questão da sustentabilidade e todos os elos. E é muito importante saber que nós precisamos nos comunicar não só no mundo rural, mas também para o pública urbano e, principalmente, em um fórum como este, internacional, das ações que o Brasil vem fazendo que o agro vem empreendendo para ser cada vez mais sustentável. Produzir e preservar é possível.
Canal Rural – Esse é um dilema ainda hoje: produzir ou preservar. A polarização que se estabeleceu nisso é campo ou cidade. A gente tem que tirar o “ou”. É produzir e preservar, é campo e cidade. Podemos dizer que são complementares, urbano e rural?
Moretti – Sem dúvida. Nós temos uma clareza muito grande, é cristalino que hoje o produtor brasileiro produz e preserva. É importante lembrar que temos o Código Florestal, uma das legislações mais contemporâneas que ajudam a proteger o meio ambiente. Então, se você é um produtor brasileiro que está no bioma amazônico, só pode usar 20% da sua propriedade. E preservar 80% em reserva legal, então imagina aqui na Europa. Ontem mesmo participei de um evento e falei sobre isso, várias pessoas vieram perguntar se isso estava acontecendo. O produtor da propriedade preserva 30% do país.
Canal Rural – O mundo precisa entender que preservar é condição para produzir, que é o que estamos fazendo no Brasil, de certa forma.
Moretti – Tem ambientalista que não é alguém ligado à questão da produção, e não tem produtor que não esteja preocupado com o meio ambiente. Essas duas questões, questão ambiental e produção, andam de mãos dadas no Brasil. Obviamente, temos problemas que precisam ser resolvidos e isso é muito importante deixar claro, porque hoje vivemos uma era de transparência radical e não é possível esconder nada de ninguém. Então temos debatido desde semana passada na Dinamarca, agora aqui na COP, semana que vem em Lisboa e Dubai, e vamos tratar sempre de forma clara e transparente essa questão.
Canal Rural – Um dos temas verticais tratados na COP26 é recurso para financiar ações de descarbonização e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. Mas, quando falamos de pesquisa pública, isso também é um desafio. Como financiar pesquisa pública? Como a Embrapa tem trabalhado esse tema no Brasil?
Moretti – Temos trabalhado muito fortemente junto ao Executivo e quero aqui enfatizar o apoio da ministra Tereza Cristina para ter o orçamento necessário para fazer as ações. O Congresso Nacional tem nos ajudado na hora de votar orçamento da Embrapa, mesmo em emendas parlamentares. E temos buscado apoio do setor privado, temos vários contratos com o setor – pequenas, grandes e médias empresas têm ajudado a financiar o trabalho de pesquisa e desenvolvimento.
Canal Rural – É um país de vocação natural para agricultura e pecuária, o agronegócio é sinônimo de economia. Basta olhar o PIB, balança comercial, Valor Bruto da Produção. É possível relacionar investimento e pesquisa ou pesquisa e desenvolvimento econômico e social?
Moretti – É possível. Anualmente, a Embrapa divulga o balanço social, onde utilizando uma metodologia consagrada internacionalmente, demonstramos a cada real que entra na Embrapa o que devolvemos para a sociedade. Em 2020, para cada real colocado na Embrapa, devolvemos R$ 17,17 para a sociedade brasileira. Ou seja, vale a pena investir em ciência tecnologia e inovação voltado para o agro
Canal Rural – Como fazer a pesquisa chegar até a ponta? Como avalia a questão da pesquisa até a ponta?
Moretti – É muito importante fazer a solução chegar até o produtor. Em 1991, tivemos o desmonte da Embrater, mas tivemos um fortalecimento, uma maior ação das secretarias de agricultura. A Anater, o Senar e a Embrapa têm trabalhado muito próximo aos produtores, e é extremamente importante fazer chegar a eles a solução dos problemas que vivem no dia a dia
Canal Rural – Queria entender um pouco do papel da Embrapa para a agricultura familiar.
Moretti – Ao longo das últimas décadas, temos trabalhado para todas as agriculturas do Brasil. Do pequeno, médio e grande produtor. A Embrapa desenvolve tecnologias que podem ser adaptadas para todas as propriedades rurais. Eu iniciei minha carreira no setor de pesquisa de hortaliças e mais de 90% da nossa pesquisa realizada no Centro de Hortaliças era voltada para o agricultor familiar. São propriedades de 2 a 5 hectares, que produzem hortaliças em quase 800 mil hectares em todo o Brasil. Temos também a Embrapa Ovinos e Caprinos, que fica em Sobral no Ceará. Caprino e ovinocultura são, sobretudo, de pequenos produtores, então nossa unidade tem feito um trabalho forte principalmente no programa Agronordeste. Embrapa de nove unidades no bioma amazônia, temos um conjunto de pequenos produtores que atuam no trabalho de produção no bioma e nossas unidades estão próximas aos produtores familiares.
Canal Rural – Como Embrapa pode ajudar nessa área de sustentabilidade, principalmente descarbonização, Consórcio Brasil Verde? Como a Embrapa colabora com essas iniciativas?
Moretti – A Embrapa vem participando ao longo dessas últimas décadas com desenvolvimento de um conjunto de soluções para descarbonização da agricultura brasileira. Semana passada estive em Copenhagen e o que observamos lá, claramente, é que o Brasil saiu do discurso e está na ação. Desde final dos anos 1980 e início de 1990 adotamos o sistema de plantio direto, onde você tem cultivo sobre a palha, mantém o carbono aprisionado no solo, mantém a umidade do solo e contribui para a redução da emissão de gases de efeito estufa. Nós temos a fixação biológica de nitrogênio, outra alternativa sustentável, e recentemente os sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta, que hoje ocupa 17 milhões de hectares, quase quatro vezes o território da Dinamarca. Essa capacidade que o Brasil tem de produzir de forma sustentável os alimentos nós precisamos mostrar para o mundo cada vez mais.
Canal Rural – A história mostra a contribuição da Embrapa para o desenvolvimento do agro no Brasil e nas regiões. Graças à Embrapa, temos agricultura no Cerrado brasileiro. Qual contribuição a Embrapa pode dar ao agro mundial?
Moretti – Dependendo da região do mundo, podemos dar um conjunto de contribuições. Na Dinamarca falamos muito da agricultura de baixo carbono. Lá existe a preocupação, mas pelo que eu percebi ainda não existem ações concretas. Se pensarmos no continente africano, onde pessoas vivem em situação de insegurança alimentar, o Brasil está no cinturão central do globo, assim como vários países africanos. Então, com transferência de tecnologia, podemos contribuir para que esses países do cinturão tropical, América Latina, possam ter mais segurança alimentar e melhor qualidade de vida.
Canal Rural – Pesquisa e desenvolvimento também são os objetivos de um país. Como a Embrapa tem trabalhado com tecnologias multinacionais que estão a serviço do agro brasileiro?
Moretti – Desde a década de 1990 nós temos um conjunto bastante interessante de legislações que tem permitido e dando segurança para atuar no setor privado. A Embrapa hoje tem contratos com todos os grandes conglomerados multinacionais. Obviamente que nós sempre trabalhamos na defesa do interesse nacional, da sociedade brasileira e temos o terceiro maior banco genético do mundo, que fica em Brasília, onde temos capacidade de armazenar 700 mil amostras de animais e microrganismos. Aquele banco genético – que, costumo brincar, tem mais recursos que o Banco Central – pode realmente ser um diferencial para o Brasil no futuro, se tivermos algum problema com alguma praga. Então é importante que a Embrapa permaneça pública e na mão do Estado brasileiro, porque aquele banco é importante para a segurança alimentar e nacional brasileira.
Canal Rural – Fale um pouco da área de inteligência de dados a serviço do agro.
Moretti – Desde 2012, a Embrapa trabalha com um sistema de inteligência estratégica. Nós temos 24 observatórios em todo o território brasileiro. Tem da carne, leite, caprinos, ovinos, Amazônia. Temos 34 portfólios de pesquisa e nessa informação nós capturamos tendências, traduzimos em estudos que depois podem ser desdobrados em estratégias e apoio a políticas públicas. Várias políticas, como o Plano ABC, que tem uma participação forte desses sistema, o plano nacional de pagamento por serviços ambientais também. É estratégico você ter inteligência e antecipar, ao invés de reagir.
Canal Rural – O que o Brasil espera da COP26 e o que o mundo pode esperar do Brasil?
Moretti – Nossa expectativa aqui é ter essa oportunidade de mostrar esse Brasil que produz e preserva, mostrar um Brasil empreendedor, que é capaz de sair de uma situação de insegurança alimentar, fazendo isso de forma competitiva e sustentável. E o que esperamos do COP26 é que seja percebido e compreendido pelos líderes que participam desse debate. Temos nossos problemas e é importante expor esses problemas de forma muito clara e dizer que desmatamento no Brasil é desmatamento ilegal, e isso é coisa de criminoso, não de produtor; 99,9% dos produtores brasileiros respeitam a lei. Então a gente precisa deixar isso muito claro para que possamos avançar para alimentar o mundo como fazemos hoje.
Canal Rural – Meio ambiente não é apenas para ambientalistas. A Embrapa tem essa perspetiva que meio ambiente é de interesse da sociedade em geral?
Moretti – Sim, inclusive mudamos nossa estratégia de comunicação. Antes a Embrapa comunicava muito para o produtor e para o mundo do agro, e eu costumo dizer que é muito fácil falar para convertidos. O que nós precisamos é falar com o público urbano, precisamos mostrar para quem mora na cidade, que possamos levar essa mensagem que o agro trabalha de forma sustentável, temos programas de descarbonização da agricultura, que vamos trabalhar agora nesse acordo assinado pelo Brasil da redução de metano e trazer isso para o mundo. Nós precisamos falar e trazer isso, por isso estou aqui nesta semana gastando sola do sapato, tendo reuniões, dando entrevistas para mostrar para o Brasil e para o mundo que fazemos um belo trabalho no Brasil.
