Câmbio desafia a política econômica do próximo presidente

Real muito forte deixa os produtos brasileiros caros, dificultando a venda no ExteriorO câmbio deverá ser um dos principais desafios para o sucessor do presidente Lula. Consequência da crise iniciada em 2008, a desvalorização do dólar tornou-se um problema global com forte impacto nos países emergentes. O Real muito forte deixa os produtos brasileiros caros, dificultando a venda no Exterior. Por outro lado, o dólar barato estimula um volume expressivo de importações, provocando uma competição desigual com os produtos brasileiros. Com esse cenário, a indústria nacional investe men

Para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o Secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, o Brasil tem sido vítima do sucesso de sua economia e, por isso, os investidores estrangeiros têm aproveitado para trazer dólares para o Brasil.

Com um crescimento previsto de 7,5% este ano, inflação dentro das metas estabelecidas pelo governo, baixa taxa de risco, demanda interna estimada em aproximadamente 10% e muitas oportunidades de investimentos, como pré-sal, as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e os grandes eventos esportivos (Copa do Mundo em 2014 e Olimpíadas em 2016), os estrangeiros passaram a ver o país como um porto seguro para investimentos.

Mesmo com o governo adotando medidas como a elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre o capital especulativo, o problema não depende apenas da vontade dos técnicos do Ministério da Fazenda.

O centro da questão está, principalmente, nos Estados Unidos, que ainda não conseguiram superar a crise financeira. O governo do presidente Barak Obama já elevou a quantidade de dólares em circulação como forma de aquecer a economia. Esse excesso de dinheiro, diante das taxas reduzidíssimas dos juros americanos, termina migrando, em parte, para centros que oferecem maior rentabilidade, que é o caso do Brasil, que oferece taxa básica de juros acima de 10% ao ano, uma das maiores do mundo.

A economista-sênior para a América Latina do Royal Bank of Scotland (RBS), Zeina Latif, concorda que o quadro geral tem a ver com as características do atual ciclo mundial da economia. Ou seja, os países desenvolvidos enfrentando dificuldades e os emergentes com a economia em ordem e crescendo bastante.

? Esse pano de fundo não vai se alterar. A gente vai continuar a ver emergentes atraindo capital externo, por conta desse diferencial de crescimento, que considero significativo ? explicou Latif.

Para ela, existe, no momento, certos exageros associados ao provável relaxamento quantitativo (leia-se mais dólares para irrigar a economia) anunciado pelo Federal Reserve (FED), que é o banco central norte-americano, previsto para novembro. O FED tem dado estímulos expansionistas como forma de aquecer a economia local, com reflexos na economia global. Mas o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Timothy Geithner, garantiu ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, que essa é uma ideia “superestimada do impacto que isso pode causar”.

Zeina entende que parte desses exageros tende a se corrigir e que não haverá uma trajetória de queda contínua do dólar. O sucessor de Lula, no entanto, vai ter que esperar um pouco para ver a normalização da política monetária nos Estados Unidos.

? Acredito que ao longo do segundo semestre já começa a voltar a discussão de quando o FED vai fazer a normalização da política monetária, que não é uma coisa esperada para o ano que vem e sim para 2012 ? disse a economista.

Passado o evento do FED em novembro, cuja expectativa é de novos estímulos ao consumo, e com as discussões sobre a normalização da política monetária, prevista para se dar a partir do segundo semestre do ano que vem, Latif acredita que haverá uma provável limitação na apreciação das moedas dos países emergentes.

Internamente, a boa notícia, segundo economista-sênior do RBS, Zeina Latif, pode vir da política fiscal.

? Uma agenda importante é colocar a política fiscal nos trilhos depois de dois anos de excessos ? avalia.

Para ela, isso poderá ajudar indiretamente o câmbio por meio de dois canais que se confundem. O primeiro é que, ao fazer uma política fiscal mais disciplinada, a tendência é de um alívio nas pressões de demanda. Com isso, retiram-se pressões para que o Banco Central tenha que elevar as taxas de juros para conter a inflação. Se tudo der certo, a tendência será o corte dos juros mais à frente.

? Cortar juros, embora não seja a variável central hoje dessa apreciação do real, tem algum papel também. Principalmente em um cenário de médio prazo. Um bom alívio da política fiscal, aumentando a poupança doméstica, traz um alívio para o setor privado e um alívio para o Banco Central ? conclui.

Para o economista e ex-diretor do Banco Central Carlos Eduardo Freitas, ajuste fiscal é sempre bem vindo, principalmente para abrir espaço aos investimentos em infraestrutura no médio prazo. Entretanto, ele pondera que a fonte do problema não é a política fiscal brasileira, mas “política monetária frouxa dos Estados Unidos que inunda o mundo de liquidez.”

Freitas acrescenta que o país não tem “condições legais e políticas” para fazer um ajuste fiscal mais severo porque algumas despesas estão previstas em lei ou são políticas sociais de governo, como as previdenciárias, os benefícios sociais, a aposentadoria por idade e a valorização do salário mínimo, por exemplo.

? A fonte do problema não é essa. É preciso uma correção de longo prazo para um problema que é agudo ? afirmou.

Ele acrescentou que, entre as possibilidades, caso o dólar continue a cair, está a fixação de prazo mínimo para a permanência de capital estrangeiro em investimentos de renda fixa. Outra opção seria seguir o caminho da Tailândia, que taxou em 15% os ganhos de capital de estrangeiros com títulos do governo tailandês.