Especialista diz que países do hemisfério Sul conquistaram poder de barganha sobre os mais ricos

Cientista política Helen Milner participou de encontro na Universidade de Campinas, interior de São PauloAs relações entre os países desenvolvidos e aqueles em desenvolvimento mudaram radicalmente nos últimos 20 anos e muitas nações do hemisfério Sul conquistaram um poder de barganha muito maior sobre as mais ricas. A conclusão é da cientista política e diretora do Centro de Globalização e Governança da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, Helen Milner.

Nesse novo contexto, em vez de atacar instituições internacionais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, os países em desenvolvimento deveriam buscar uma representatividade maior dentro dessas organizações, cuja extinção seria prejudicial principalmente para eles mesmos.

Milner descreveu o processo de ascensão dos países em desenvolvimento no cenário mundial durante conferência apresentada no 6º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), que terminou nesta sexta-feira, dia 1º, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

A pesquisadora destacou três fatores responsáveis pelas mudanças das relações entre o Sul e o Norte do planeta: globalização, desenvolvimento e governança internacional. De acordo com ela, “esses três itens formam uma combinação única, nunca antes vista” e a balança do poder mundial tem encontrado outros pontos de peso que não se limitam ao poderio financeiro ou militar de um país.

? Não podemos dizer que o poder militar, por exemplo, seja hoje determinante para que uma nação exerça influência sobre outras. Brasil, Coréia do Sul e Japão são países influentes em suas regiões e não é por causa de seu poderio militar ? argumentou.

Segundo ela, outros tipos de poder também devem ser determinantes nas relações internacionais, como o das idéias ou o da política doméstica. Conforme Milner, para as nações se desenvolverem é preciso tranqüilidade interna, o que não vem ocorrendo com a China, por exemplo, onde obstáculos locais poderão se tornar uma pedra no caminho do gigante asiático. Ela destacou o aumento da desigualdade social chinesa que caminha junto com o desenvolvimento.

? As classes sociais estão enriquecendo, mas não na mesma proporção, e esse aumento das desigualdades também preocupa o mundo ? disse, prevendo um aumento dos focos de tensões internas em nações como a China e que podem atrapalhar o desenvolvimento mundial.

Por dentro do poder

A professora de Princeton criticou os ataques às instituições internacionais como o FMI e o Banco Mundial dizendo ser “simplista” considerar que elas prejudicam os países pobres só porque são formadas pelos países ricos.

? Devemos fazer um exercício de imaginar como seria o mundo se não houvesse essas entidades no passado e também como seria o futuro sem elas ? afirmou.

Ela acredita que os países em desenvolvimento têm mais a perder do que os desenvolvidos caso o FMI, por exemplo, venha a desaparecer. Por outro lado, reconhece que a representatividade dos países dentro dessas organizações não é igualitária. Com base nessa constatação, sugere que os países do hemisfério Sul não busquem a extinção das entidades econômicas mundiais, mas que briguem por mudanças dentro delas.

? Os novos players asiáticos aumentaram seu nível de influência no globo e não ocorreu o mesmo em sua participação nas instituições mundiais ? analisou.

O desenvolvimento econômico mundial também tem uma faceta perversa nas relações Norte-Sul, pois, segundo ela, a prosperidade dos países em desenvolvimento está gerando um endurecimento nos acordos com os países desenvolvidos.

? Está cada vez mais difícil que os Estados Unidos e a União Européia desistam de seus subsídios agrícolas, pois eles estão vendo que os países em desenvolvimento estão indo bem ? exemplificou.

Quanto à governança internacional, Helen lembra que nunca houve tantas ONGs, instituições e corporações privadas transnacionais como hoje. Cada país do mundo, diz ela, pertence a pelo menos uma instituição internacional. Essas entidades formam redes mundiais e representam novos laços entre as nações.

As nações em desenvolvimento levariam vantagem com a interdependência imposta em várias áreas das atividades humanas pela globalização. Como exemplo, ela cita o caso da gripe asiática, que a China tentou resolver internamente, mas acabou atingindo o Canadá e depois os Estados Unidos. Além da área da saúde, o setor da segurança e o campo do meio ambiente seriam outros pontos de interdependência mundial.

? Os Estados Unidos não conseguem despoluir sozinhos o seu meio ambiente. A Califórnia recebe hoje poluição do ar que vem da China atravessando o Pacífico. Se isso acontece com o país mais poderoso do mundo, pode acontecer com qualquer outro ? disse.

Antes de se tornar professora de política internacional em Princeton, em 2004, Helen lecionou na Universidade Colúmbia por 18 anos. Em 1986, ganhou o prêmio Sumner, da Universidade de Harvard, por tese sobre direito internacional e paz. É autora de nove livros sobre globalização e desenvolvimento.