Gestão de George W. Bush foi marcada por protecionismo no agronegócio

Para especialistas brasileiros, Era Bush pode ter atrasado o progresso do grande potencial agrícola nacionalO dia cinco de novembro de 2008 vai ficar marcado na história não só pela eleição do primeiro presidente negro dos Estados Unidos, mas também pelo fim do que se chamou de Era Bush no cenário político e econômico mundial. No caso do agronegócio, a gestão de George W. Bush teve como principal símbolo o protecionismo.

Foram oito anos de ampliação das barreiras internas e de grande lentidão nas relações multinacionais. Incentivado pela força da cadeia produtiva no Congresso, os EUA foram aumentando gradativamente a carga de subsídios. O setor agrícola norte-americano foi o que mais se beneficiou. As dificuldades de avanço nas negociações da rodada Doha são um exemplo.

De acordo com o professor de economia da USP Guilherme Dias foram supervalorizados os interesses políticos internos enquanto a ordem internacional e os interesses gerais foram desprezados. Isso se refletiu nas negociações da Rodada de Doha.

? Como a agricultura era o centro de interesses, o endurecimento dos EUA facilitava todos os outros que também vêem dificuldades em abrir sua economia e fazer uma troca de interesses. Com isso, como o líder não demonstrava nenhuma sensibilidade e nenhuma flexibilidade para esse tipo de negociação, os outros também se esconderam debaixo desse guarda-chuva ? afirma.

No Brasil, os reflexos de todo esse protecionismo e de lentos processos regulatórios foram sentidos com maior intensidade em alguns setores do agronegócio. É o caso do algodão, do etanol e do mercado da carne bovina. Para alguns especialistas brasileiros, a Era Bush pode ter atrasado o progresso do grande potencial agrícola do país.

A cotonicultura mostrou na prática este atraso. Na mesma medida em que o Brasil evoluiu nos últimos oito anos e conseguiu se consagrar como exportador da fibra, a alta carga de subsídios aos produtores norte-americanos não permitiu maiores avanços em termos de mercado.

? O produtor brasileiro é competitivo, só que muitas vezes competir com outro poder econômico de subsídios é difícil. Isso gerou aquele contencioso na OMC [Organização Mundial de Comércio] em que o Brasil foi vencedor, mas a gente diz que ganhou e não levou ? avalia o diretor da Associação Nacional dos Exportadores de Algodão, Marco Antonio Aluisio.

Guilherme Dias lembra que a decisão da OMC se arrastou desde 2004 e os Estados Unidos acabaram não cumprindo a determinação da organização.

O etanol é outro exemplo. A carga protecionista, nesse caso, é traduzida em impostos. Para exportar etanol aos Estados Unidos, o Brasil paga US$ 0,54 por galão. A União da Indústria de Cana-de-açúcar estima que os exportadores brasileiros pagaram US$ 500 milhões em sobretaxa nos últimos 10 anos. Para o presidente da consultoria Datagro, o governo Bush foi de avanços, mas também de oportunidades perdidas.

? Foi o presidente Bush estimulou a aprovação de leis como a de energia, em 2007, que definiu uma meta de 136 bilhões de litros de consumo de renováveis, principalmente etanol, até 2022. No entanto, foi também nessa administração que se perdeu a oportunidade de abertura comercial maior no mercado americano, o maior do mundo em energia, o que poderia ter ocorrido sem colocar em risco a produção local ? lembra Plínio Nastari.

Mas a política de Bush não se restringiu ao protecionismo. A demora nos processos regulatórios foi outro sintoma, principalmente no que diz respeito à pecuária brasileira. A carne bovina in natura não pode entrar em terras norte-americanas sob a alegação de risco sanitário. E as negociações para retirar essas barreiras se arrastaram nos últimos oito anos.

? Não houve grande avanço estratégico num alinhamento para uma aproximação e um comércio mais intenso com produtos que interessam muito ao Brasil, como carne fresca. Esperamos que passada essa fase haja um alinhamento estratégico e diplomático dos EUA com o Brasil, uma vez que há interesses mútuos nesse sentido ? espera o diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne (Abiec), Luiz Carlos de Oliveira.

A eleição de Barack Obama renovou as expectativas do agronegócio brasileiro de que as relações comerciais sejam mais justas.

? Ficou esse exemplo do país líder, hegemônico no mundo de menosprezar e desrespeitar a base de negociação em termos multilaterais ? concluiu o professor de economia da USP Guilherme Dias.