O texto estabelece instruções para execução do procedimento administrativo de demarcação previsto no Decreto 1.775, de 8 de janeiro de 1996. Na avaliação do Ministério da Justiça, que desde abril vem falando sobre a possibilidade de mudança, as normas vão trazer mais transparência para o processo e minimizar os conflitos entre índios e ocupantes das áreas reivindicadas como territórios tradicionais indígenas.
O presidente da Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia (CINDRA), deputado federal Jerônimo Goergen (PP-RS), elogiou o gesto político do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (PT/SP).
– Temos aqui que registrar o diálogo ocorrido. Nós criamos essa proposta do Grupo de Trabalho, o prazo para que essa proposta acontecesse demorou um pouco. Mas o ministro, antes de publicar, trouxe para que nós pudéssemos fazer uma análise e uma contraproposta – disse ele.
Uma das principais alterações previstas é que o Ministro da Justiça poderá determinar a instauração de procedimento de mediação em qualquer fase do processo de demarcação das terras, em busca de soluções pacíficas para os conflitos. Outra proposta é que a Fundação Nacional do Índio (Funai) dê prioridade a processos de identificação e delimitação de terras indígenas onde existir situação de vulnerabilidade social dos índios.
Haverá também prioridade nos casos de inexistência de terra demarcada para a mesma comunidade ou etnia na região; quando houver previsão de empreendimento público de interesse da União na área reivindicada; estudo ou proposta do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) de criação de projetos de assentamento ou de reconhecimento de território quilombola na área reivindicada; ou quando houver estudo ou proposta de órgãos ambientais para criação de unidade de conservação ambiental na área reivindicada.
O texto também abre possibilidade de participação de membros da comunidade científica, de entidades civis e outros interessados no “acompanhamento do procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas, desde que não interfiram de modo a perturbar ou impedir o seu regular processamento”.
Para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), tais alterações não vão contribuir para resolver os conflitos em torno dos processos de demarcação, pois podem facilitar a ação de fazendeiros, por meio de suas associações.
– A mudança quer dar voz para aqueles que sempre se opõem ao reconhecimento das terras indígenas. Isso vai fazer com que os processos nunca cheguem a uma conclusão. Por isso, repudiamos essa portaria – disse o coordenador da Apib, Lindomar Terena.
Além da possibilidade de participação de entidades civis, o texto traz para o processo de demarcação a participação de diferentes órgãos do governo federal, como os ministérios da Agricultura, das Cidades, de Minas e Energia e dos Transportes, e dos Estados e municípios em que se localizem áreas em estudo para demarcação.
Para o secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Buzatto, a portaria cria mais obstáculos no processo, pois traz a possibilidade de participação de sujeitos diametralmente opostos à demarcação, criando uma celeuma no procedimento administrativo.
– Em vez de resolver, vai perpetuar os conflitos – afirmou.
Também está previsto para a próxima semana um encontro com o ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), Luís Inácio Adams, para analisar a entrada em vigor da Portaria 303/2012, que havia sido suspensa até a conclusão do julgamento do caso Raposa Serra do Sol. Ele lembra que a Portaria 303 coloca em prática as 19 condicionantes impostas pelo STF para manter a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol em área contínua, em 2009. Essas condicionantes seriam extensivas aos demais processos de demarcação de terras indígenas, inclusive aos já finalizados.
A Funai ainda não se manifestou sobre a minuta.