Agronegócio

Satélites mapeiam viveiros de produção aquícola no Brasil

A pesquisa gerou um banco de dados inédito no país, contendo informações precisas sobre a localização e limites de 48,5 mil conjuntos de viveiros

A Embrapa utilizou imagens de satélite para mapear mais de 78 mil hectares de viveiros escavados para produção aquícola no Brasil, o que representa uma importante medida para o desenvolvimento da aquicultura no país.

A pesquisa realizada gerou um banco de dados inédito no país, contendo informações precisas sobre a localização e limites de 48,5 mil conjuntos de viveiros, também conhecidos como “baterias”.

Os municípios que correspondem a cerca de 75% da produção aquícola em cada estado foram analisados, resultando em uma área de estudo abrangendo 513 municípios.

Com essas informações, torna-se possível ter um panorama mais completo e detalhado sobre a produção aquícola no país.

Contudo, durante o trabalho de mapeamento, a equipe da Embrapa encontrou diferenças de concentração espacial, bem como de estrutura de produção pelo país.

No Paraná, maior estado produtor de peixes de cultivo, as baterias de viveiros estão muito concentradas na região Oeste.

Estão mais dispersas pelo território no Rio Grande do Sul, onde se encontrou a maior quantidade delas, nove mil.

Rondônia, que ocupa a terceira posição no ranking, teve a maior área mapeada de viveiros com 12,5 mil hectares.

Segundo Marta Ummus, líder dos projetos que financiaram o mapeamento de viveiros da Embrapa Pesca e Aquicultura (TO), “os recursos provenientes de diversas fontes de financiamento foram essenciais para o desenvolvimento de um produto importante e inédito para a aquicultura brasileira. Agora, os esforços devem ser direcionados para a automação do mapeamento dessas feições, a fim de tornar o monitoramento da atividade mais eficiente e preciso”. Com o mapeamento automático, será possível acompanhar de forma mais detalhada e em tempo real o crescimento da produção aquícola no Brasil.

Entretanto, identificar as baterias de viveiros nos 930 mil km² dos municípios estudados não foi tarefa fácil para o grupo de geoprocessamento e sensoriamento remoto da Embrapa envolvido no projeto. Os diferentes tamanhos e formatos das estruturas exigiram uma combinação de estratégias para o mapeamento.

“Esse é o primeiro trabalho que trata de um mapeamento sistemático de viveiros escavados no Brasil. Poucas referências foram encontradas, inclusive, internacionalmente. Muitos trabalhos retratam apenas experiências em escala pontual. Um mapeamento de todo o País, com as dimensões territoriais que o Brasil tem, não existia”, relata a chefe-adjunta de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Territorial (SP), Lucíola Magalhães.

“A aquicultura tem diferentes contextos produtivos. A produção de camarão, na costa do Rio Grande do Norte, utiliza grandes tanques e é comum encontrá-los próximos às estruturas para produção de sal. Quando você analisa a aquicultura do Paraná, encontra pequenas propriedades, com quatro ou cinco pequenos viveiros, associados muitas vezes à produção de grãos. Na região Norte, também é diferente, muitas espécies cultivadas são nativas, o método de represamento da água é outro”, observa o analista André Farias, da Embrapa Territorial.

“Essa diversidade é própria da atividade aquícola e é natural porque os contextos geográficos são diferentes, assim como as espécies cultivadas, o manejo, o objetivo. Isso se expressa no território e, então, para fazer um mapeamento do Brasil todo, há um grande desafio”, complementa.

Como foi feito

O trabalho utilizou como base imagens de 2018 do sensor multiespectral MSI do satélite Sentinel-2, com média resolução espacial (dez metros). Elas foram geoprocessadas para identificar os pontos no território que podem corresponder a corpos d’água, a partir do cálculo do índice NDWI (Normalized Difference Water Index).

O problema é que esse processamento não consegue diferenciar da água outros objetos que absorvem luz, como regiões de sombra e telhados.

Com isso, a equipe, então, fez uma varredura pelas áreas destacadas para identificar, visualmente, quais dos objetos selecionados pelo geoprocessamento realmente poderiam corresponder a baterias de viveiros escavados. Para isso, utilizou também imagens de alta resolução espacial, de diferentes satélites, em busca de elementos comumente presentes em áreas de produção aquícola, como aeradores e barracões para armazenagem de rações e equipamentos.

“Aerador é um elemento-chave: quando a gente consegue visualizar, e isso só é possível nas imagens de alta resolução, temos certeza de que se trata de aquicultura”, diz Farias.

Parte dos dados levantados foi validada em escritório, pelo cruzamento com outras bases de dados espaciais. Foram utilizadas informações fornecidas por órgãos estaduais de licenciamento ambiental e de agências de assistência técnica rural, além de dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR), registro público eletrônico obrigatório para todos os imóveis rurais do País. O método utilizado está descrito em uma publicação técnica, disponível no Portal Embrapa.

Somando forças

A identificação dos municípios responsáveis por pelo menos 75% da produção aquícola em cada estado foi feita a partir de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para o coordenador de estatísticas agropecuárias do instituto, Octávio Costa de Oliveira, a expectativa é que, agora, possa ser feito também o caminho contrário, com o mapeamento direcionando o trabalho dos recenseadores e da Pesquisa Pecuária Municipal
(PPM), realizada anualmente.

“Se eu consigo identificar, previamente ao trabalho do censo, onde podem existir unidades produtivas, isso pode garantir uma melhor cobertura do censo”, exemplifica.

O levantamento de informações da aquicultura pelo IBGE é recente. Os primeiros dados foram registrados no Censo Agropecuário 2006. Em 2013, a atividade passou a integrar a PPM e a contar, assim, com números anuais de volume e valor da produção. No entanto, apurar dados sobre uma cadeia produtiva ainda em desenvolvimento é um desafio, na avaliação de Oliveira.

“Precisamos ter instrumentos para identificar os viveiros escavados anualmente, de forma mais rápida e que nos permita espacializar a produção. (O mapeamento) é um trabalho bastante relevante”, aponta.

“A aquicultura é um fenômeno espacial e dinâmico. Ao ‘colocá-la no mapa’, estamos mostrando onde esse fenômeno está ocorrendo, qual o caminho percorrido até agora e quais serão seus possíveis cenários de desenvolvimento. Dessa maneira, contribuímos para o aumento do acerto nos processos decisórios, principalmente para formulação de políticas públicas”, contextualiza Marta Ummus.

Em busca de parceiros

O banco de dados com o mapeamento de viveiros escavados é um ativo voltado a parcerias da Embrapa. O produto apresenta a localização e os limites vetorizados de cada bateria de viveiros, assim como informações sobre validação. “Há a oportunidade de associar outras variáveis ao mapeamento, fazer análises e gerar novos produtos. Estamos em busca de parceiros no setor público e no setor privado”, explica o analista Marcelo Fonseca, da Embrapa Territorial.

“Se considerarmos a cadeia como um todo, esse tipo de produto pode pautar planos de desenvolvimento territorial, licenciamento ambiental, rastreabilidade, certificação, estatísticas nacionais, por exemplo”, detalha Magalhães.

O ativo já integra uma iniciativa de três instituições brasileiras com a Universidade de Cornell (Estados Unidos), para avaliar a pegada de carbono e impactos da expansão da aquicultura na Amazônia. Além disso, também já proveu informações à Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO/ONU) e serviu de base para estudos solicitados pelo Ministério da Pesca e Aquicultura, para definição de áreas a receberem projetos-piloto destinados ao setor.

A Embrapa Territorial ainda se debruça sobre o desenvolvimento de algoritmos para automatizar o mapeamento da aquicultura por sensoriamento remoto e ampliá-lo para todo o Brasil.

Cadeia em constante crescimento

No Brasil, a aquicultura vem crescendo de maneira sólida nos últimos anos.

A maior profissionalização da cadeia produtiva de valor, o acesso a tecnologias e a dados e informações organizados e, também, avanços em legislações nos níveis estaduais e nacional colaboram para esse cenário positivo.

Em especial, a piscicultura tem se destacado. Os números comprovam o bom momento da atividade. De acordo com o último anuário da Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR), em 2022, a receita do setor girou em torno de R$ 9 bilhões.

Foram produzidas mais de 860 mil toneladas de peixe, com o já costumeiro destaque para a tilápia, que respondeu por cerca de 64% desse volume.

Analisando-se os números divulgados pela associação nos últimos nove anos, percebe-se o crescimento da produção de peixes no País. Em todo esse período, a produção cresceu de um ano para outro. Os números de 2014 indicavam quase 579 mil toneladas. Portanto, houve um incremento de mais de 48,5% entre 2014 e 2022. Também segundo a Peixe BR, a piscicultura gera no País aproximadamente três milhões de empregos, entre diretos e indiretos.