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Governo Biden e os possíveis impactos ao agronegócio brasileiro

A expectativa é de que a nova administração traga mudanças no diálogo com a China, cooperações internacionais e prioridade a questões ambientais

Caso tenha sua eleição efetivamente confirmada, Joe Biden, considerado o candidato da adesão a acordos multilaterais e com perfil moderado e centrista, assumirá o comando dos Estados Unidos em 20 de janeiro com os holofotes do mundo todo.

O candidato democrata não era o preferido entre o eleitorado rural, que em sua maioria manteve a fidelidade ao Partido Republicano e votou em Donald Trump. Para o agronegócio global, incluindo o brasileiro, a expectativa é de que o novo governo traga mudanças no diálogo com a China, cooperações internacionais e prioridade a questões ambientais – com isso resgatando o protagonismo norte-americano nas relações internacionais.

O controle do Senado, que será definido apenas no começo de janeiro após votação em segundo turno no estado da Geórgia, será a chave de como Biden governará. Um eventual Senado republicano, por exemplo, fará de tudo para neutralizar os esforços democratas de tentar avançar agendas progressivas abrangentes, como grandes aumentos de impostos. Uma das promessas de campanha de Biden foi aumentar a tributação para aqueles que ganham mais de US$ 400 mil por ano – seguindo a ideia de proteger a classe média e os de baixa renda.

No Câmara dos Deputados e no Senado americano, três dos quatro principais líderes da bancada ruralista serão substituídos. Há incertezas, por exemplo, em torno da manutenção dos recursos federais direcionados a produtores prejudicados pela guerra comercial com a China. Enquanto isso, diversos nomes estão sendo cotados para assumir o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês). Independentemente da escolha, os democratas tendem a priorizar os pequenos e médios produtores, se concentrando em programas de nutrição e segurança alimentar.

Os Estados Unidos são hoje o segundo maior parceiro comercial do Brasil, mas a participação do país nas exportações do agronegócio brasileiro vem recuando gradualmente. De 15% dos embarques brasileiros no período de 2000 a 2005, a participação dos EUA recuou para 6% em 2020. Nesse mesmo período, a China saltou de menos de 7% para os atuais 36% de participação nas vendas externas brasileiras de produtos agrícolas.

Mas esse não é o único fator que deve ser levado em conta nesta análise. Brasil e EUA são grandes exportadores agrícolas globais. E, quando falamos de concorrentes, as questões se ampliam para temas como guerra comercial, acordos multilaterais, mudanças climáticas, Amazônia e energia limpa.

A seguir, detalharemos cada um desses temas com possíveis impactos no agronegócio americano e global, com destaque para o cenário brasileiro.

Relação EUA – China

Após quase três anos de acirrada guerra comercial entre Estados Unidos e China, Joe Biden deve tentar apaziguar os ânimos entre as duas maiores economias do mundo. O que não significa cessar com a competição estratégica, mas tratá-la de outra maneira. Isso porque a avaliação de que os chineses são rivais começou ainda no governo de Barack Obama, do qual Biden foi o vice-presidente durante dois mandatos. O novo presidente tende a manter a proteção da propriedade intelectual e dos mercados, mas mostrando ao mundo que a China não é apenas um problema americano, mas de outros países, como os da Europa.

O que deve mudar é o tom do enfrentamento, com redução da tensão entre os dois países, mas a rivalidade deverá continuar, provavelmente com a busca de aliados. Por exemplo, enquanto Trump adotou uma postura solitária ao conter o avanço da China, Biden deve enfrentar esse desafio com a busca de aliados. A defesa dos americanos em primeiro lugar, dentro do espírito “America first”, deve ser mantida. A diferença é que as ações serão buscadas com a forte atuação em grandes alianças globais que atuem de forma cooperada.

Os impactos gerados pelo acirramento da guerra comercial com a China nos últimos anos foi uma das principais queixas do eleitorado rural americano, que acabou mantendo o apoio a Trump pela fidelidade às políticas mais conservadoras e pelos recursos despejados pelo Programa de Facilitação de Mercado nos últimos anos. Quando os EUA iniciaram a guerra comercial com a China, logo após as eleições de Trump em 2017, o Brasil se beneficiou, batendo recordes na exportação de soja, carnes e algodão para o gigante asiático.

Em uma hipótese de acordo pacífico entre as duas maiores potências do planeta, o Brasil poderia ser duramente prejudicado, envolvendo cotas de importações, preferências tarifárias e outras benesses que reduziriam a competitividade dos produtos agrícolas brasileiros. Mas o mais provável é que a reconstrução de regras multilaterais comuns continuará sendo a melhor opção para todos, e manteria o Brasil firme e forte no jogo.

Acordos multilaterais

Ao contrário de Donald Trump, que defendeu durante o seu governo que acordos bilaterais atendem melhor aos interesses do país, Joe Biden vê o trabalho com organizações internacionais como uma fonte de vitalidade e um modo de mostrar a liderança dos EUA. O presidente eleito já declarou que no primeiro dia de governo comunicará à Organização das Nações Unidas (ONU) que os EUA reforçarão o esforço global de combate às mudanças climáticas, revertendo a decisão de Trump de retirar-se do Acordo do Clima de Paris. Aprovado em 2015 por 195 países, o tratado foi criado com o objetivo de reduzir as emissões de CO², geradas especialmente pela queima de combustíveis fósseis.

Biden também recolocará os EUA dentro Acordo Transpacífico de Cooperação Econômica, construído no governo de Obama e abandonado por Trump três dias após se tornar presidente, em 2017. O acordo – formado por Japão, Austrália, Canadá, México, Peru, Chile, Malásia, Vietnã, Nova Zelândia, Cingapura e Brunei – criou a base a um grande bloco econômico para reduzir as barreiras comerciais entre os países. A iniciativa também unifica a legislação em temas como acesso à internet, proteção a investidores, à propriedade intelectual em áreas como indústrias farmacêutica e digital, assim como normas de proteção ao ambiente.

Para o Brasil, essa nova postura americana pode ser benéfica para incrementar parcerias estratégicas tanto com os EUA quanto com a China e outros países e blocos, como a União Europeia, Japão, Coreia do Sul e outros mais de 40 acordos comerciais que o Brasil vem negociando nos últimos anos. E apesar de os EUA serem os principais concorrentes do Brasil no agronegócio, há muito espaço para ampliar cooperações em temas como segurança alimentar, inovação, bioenergia e coordenação multilateral. O Brasil é um concorrente comercial agropecuário eficiente e competitivo, e isso não mudará sob o governo Biden.

Amazônia e mudanças climáticas

Com forte discurso relacionado à proteção ambiental, inclusive referindo-se à Amazônia em um dos debates presidenciais, Biden deixou claro que será rigoroso com pautas relacionadas a sustentabilidade – deixadas de lado pelo governo Trump. Se cumprir as promessas de governo, o democrata poderá atrelar futuros acordos comerciais com o Brasil com garantias reais de preservação da floresta, que voltou ao cenário global após recente aumento do desmatamento. Nesse cenário, a produção de carne bovina será um dos setores pressionados, já que a criação de gado é uma das principais atividades agropecuárias em áreas desmatadas na Amazônia.

Mudanças climáticas, promoção de fontes renováveis de energia e taxação de carbono estarão no centro da agenda do novo presidente americano. Ao retomar o Acordo de Paris, por exemplo, os EUA colocará o clima no centro da sua política externa, comercial e de segurança nacional – o que deverá gerar forte pressão para reduzir o desmatamento no Brasil. Biden e um Congresso controlado pelos democratas, por exemplo, poderão ser duros em relação às relações com os países que não priorizem políticas sobre as mudanças climáticas. Vincular os padrões ambientais às questões comerciais, de maneira muito parecida com o que os democratas fizeram em relação ao México, é uma possibilidade real.

É importante lembrar que 95% do desmatamento brasileiro é ilegal, ou seja, associado ao não-cumprimento da legislação. Não faltam regulações, mas sim aplicação da lei, bem como uma melhor comunicação que possa reverberar internacionalmente a sustentabilidade das atividades agrícolas. A regularização fundiária das regiões Norte e Nordeste do país, por exemplo, é uma necessidade que se arrasta por décadas. E embora o Código Florestal tenha completado oito anos, muitos problemas ainda persistem.

A verdade é que o agronegócio brasileiro já vem sofrendo pressões comerciais muito antes da eleição de Biden. A política ambiental do governo brasileiro tem sido foco de críticas na Europa, especialmente, mas também em tantos outros países. Simplesmente negar, sem apresentar resultados efetivos, não melhorará a imagem brasileira diante de investidores estrangeiros, compradores internacionais e da própria sociedade. O desmatamento ilegal na Amazônia deve ser combatido pelo Brasil, independentemente de governos, como forma de “retirar as armas” que os concorrentes internacionais usam para atacar a imagem brasileira. E isso não deve ser apenas uma resposta à pressão comercial internacional, cada vez mais exigente com questões ambientais, mas um dever de casa para proteger as próximas gerações.

Energia limpa e biocombustíveis

Joe Biden também já deixou claro que começará imediatamente a estabelecer a agenda de regulamentações ambientais do ex-presidente Barack Obama, que Trump sistematicamente destruiu durante seu mandato. Durante a campanha, o democrata prometeu investir US$ 2 trilhões em quatro anos para reduzir as emissões de combustíveis fósseis. O democrata fará pressão para incluir a geração de energia limpa em medidas de estímulo econômico que o Congresso vier a aprovar. Além disso, o democrata deve frear projetos acelerados no governo Trump relacionados a oleodutos e outros combustíveis fósseis. Nesse cenário, a produção de biocombustíveis, como etanol, deve ser beneficiada. Essa, inclusive, foi uma das principais queixas dos produtores americanos a Trump.

As isenções fiscais concedidas a refinarias de petróleo nos últimos anos levaram muitas usinas de etanol a fecharem suas portas em zonas rurais do país, afetando diretamente a produção de milho – principal matéria-prima do biocombustível. Os biocombustíveis brasileiros – etanol à base de cana-de-açúcar e de milho, biogás e biodiesel – podem ganhar espaços importantes na agenda internacional com o retorno dos EUA ao Acordo de Paris e pela pressão à substituição de energias fósseis por energias renováveis. Hoje, 73% das emissões de gases de efeito estufa, principais responsáveis pelas mudanças climáticas, vêm do setor de energia e transportes e 7% do desmatamento e das mudanças no uso da terra.

 

*Carlos Cogo é consultor em agronegócios e pós-graduado em Agronegócios pela Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Joana Colussi é jornalista, especializada em economia e agronegócios, e mestre em Agronegócios pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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