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Meio Ambiente: fim da ‘indústria de multas’ está entre propostas de Evaristo de Miranda

Equipe técnica liderada pelo chefe-geral da Embrapa Territorial elaborou mais de 60 medidas para destravar o setor agropecuário, incluindo simplificação de licenciamento ambiental

Foto: Abapa/divulgação

Favorito para assumir o Ministério do Meio Ambiente em um primeiro momento e até convidado pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, ao cargo, o doutor em Ecologia e chefe-geral da Embrapa Territorial, Evaristo de Miranda, preferiu contribuir tecnicamente com o novo governo.

Ele liderou um grupo de 15 pessoas que elaborou um estudo detalhado sobre a área para ser usado pelo futuro ministro e os comandados da pasta. O documento será finalizado nesta quarta-feira, dia 5, e entregue à equipe de transição.

São diagnósticos administrativos, institucionais e financeiros – uma verdadeira radiografia do setor no país – com uma série de apontamentos e propostas para melhorar a gestão e a coordenação da política ambiental brasileira. Medidas que podem ou não serem implementadas a partir do ano que vem, mas que, na visão dele, ajudariam a destravar a produção agropecuária e industrial no país, além de reduzir gastos desnecessários e errados feitos pelas gestões atual e anteriores.

Contudo, o engenheiro agrônomo com mais de 30 anos de pesquisa acredita que “2019 vai ser um ano muito bom para o meio ambiente, e que ele vai ganhar um status que nunca teve no Brasil. Vai ser realmente uma questão de Estado, transversal, não só restringida a um grupo à parte. Não vai ser usado por pessoas para se promoverem, manterem seus discursos, suas viagens internacionais, suas ONGs. Isso vai ser focado, o dinheiro vai ir para a ponta, para quem precisa.”

Um dos principais apontamentos de Evaristo de Miranda é a necessidade de acabar com a chamada indústria da multa. “Vivemos em um império de arbitrariedade”. Segundo ele, é possível terminar com atos discricionários de agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), por exemplo, com o simples cumprimento da lei ambiental. Para reverter tudo isso, o grupo comandado pelo pesquisador preparou uma série de medidas que serão propostas para melhorar a execução da legislação e dar mais segurança aos produtores. São mais de 60 ações, entre atos, normativas, portarias e outros instrumentos, apenas para a área da agricultura.

O pesquisador defendeu a manutenção do licenciamento ambiental para as atividades agropecuárias, mas sugere o uso dos dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para simplificar o processo. Ele também sugere que empreendimentos mais complexos, como instalações de usinas de cana-de-açúcar, sejam tratados com mais rigor.

Em entrevista exclusiva ao Canal Rural, Evaristo de Miranda ressaltou que boa parte dos recursos na área de meio ambiente não são destinados corretamente para as atividades fim, como a manutenção de parques e reservas nacionais. Um grande volume de dinheiro, ainda não totalmente conhecido, chega nas mãos de ONGs para outras finalidades. “É uma área bastante nebulosa”, disse.

O chefe da Embrapa Territorial pretende atuar como conselheiro técnico do próximo governo para a gestão de dados territoriais que possam ser usados em diversos setores, como agricultura, relações exteriores e infraestrutura. Ele adiantou ainda que quase todos os ministérios terão uma área específica para tratar de meio ambiente, seja por meio de secretaria ou coordenação, o que pode ajudar a reduzir conflitos e melhorar o relacionamento com o ministro da pasta. É o que ele chama de “transversalidade” do tema, para que a política ambiental tenha menos atritos e soluções mais fáceis a partir de agora.

Evaristo de Miranda e o grupo técnico vão apresentar propostas para premiar as boas práticas agrícolas e ambientais, para que o agricultor seja reconhecido e remunerado pela preservação das matas nativas e dos recursos naturais. Ele avaliou que diversos municípios do Brasil já têm programas interessantes nessa área e que podem ser copiados no resto do país. O pesquisador confirmou a ideia de unir o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e outras medidas que reduzam o tamanho do Ministério do Meio Ambiente de Jair Bolsonaro. Confira a entrevista:

 

Canal Rural: De que forma o senhor tem colaborado com o novo
governo? Como tem sido esse trabalho?
Evaristo de Miranda: No início de novembro, o que nos foi colocado
pelo ministro Onyx, pela futura ministra da agricultura Tereza Cristina e
também pelo presidente eleito era mais ou menos assim: alguns
propõem fundir Meio Ambiente com Agricultura; outros propõem acabar
com o Ministério do Meio Ambiente; outros ainda querem transformar o
MMA em uma secretaria especial, outros propõe criar uma agência
ambiental como o EPA nos Estados Unidos, etc.
Perguntaram o que eu achava melhor. Na ocasião, disse que eu não achava nada, pois era
necessário ver os problemas a serem resolvidos, o que Brasil precisava.
Era preciso fazer um rápido diagnóstico, técnico e institucional do MMA.
Um tema muito complexo. Então, o ministro Onyx e a ministra Tereza
Cristina, com diretrizes do presidente, solicitaram minha contribuição e
eu montei uma equipe técnica, a maioria atuando já no governo federal,
nessa temática.
Um grupo de geometria variável, do Estado brasileiro, requisitado para ajudar, sem salário extra ou qualquer outro tipo de
ganho. A equipe variou conforme a necessidade, mas mantivemos um
máximo de 12 pessoas para não virar algo impraticável. Essa equipe fez
um trabalho em três etapas, duas das quais concluídas. A última se
encerra agora, nesta primeira semana de dezembro.
Na primeira etapa, fez-se um diagnóstico da situação, do Ministério do
Meio Ambiente, Ibama, ICMBio etc. Foi uma análise dos problemas
administrativos, institucionais, operacionais e também da parte técnica.
Para que finalidade esses órgãos foram criados? O que ocorre hoje?
Como os processos são realizados? Como as atividades são
financiadas? Fizemos uma análise da parte técnica e de aspectos econômicos, dos quadros de pessoal, dos cargos e de como esse tema do meio ambiente é tratado nos outros ministérios.
A segunda etapa foi a de analisar as grandes demandas, problemas e
oportunidades de proteção ao meio ambiente e de interface com
agricultura, infraestrutura, transporte, uso da água, cidades etc. A
agricultura, por exemplo, apontou uma dúzia de problemas do mundo
rural com o MMA. Discutimos tais questões tecnicamente e as possíveis
soluções. Muitas vezes há mais de uma alternativa. E também
oportunidades que a agricultura traz para o meio ambiente. Já
apresentamos os resumos dessas duas etapas sucessivamente para a
futura ministra Tereza Cristina e para o ministro Onyx e eles
apresentaram sínteses ao presidente Bolsonaro.
A terceira etapa encerra-se agora: são sugestões operacionais de
possíveis encaminhamentos e medidas concretas, passíveis de solução
em curtíssimo, curto e médio prazo. Nem sempre é uma só, tem várias
alternativas e a decisão será do futuro ministro do Meio Ambiente e sua
equipe.
Atrás dos membros do grupo técnico existem sempre 4 a 5 pessoas, até
10. Mobilizamos mais de 100 pessoas técnicas do Ibama, do ICMBio, da
Embrapa, da AGU, consultoria jurídica, setor privados etc. Um grupo
muito bom. Trabalhamos na Sede da Embrapa, pois lá no CCBB é muito
movimentado. Na Embrapa tivemos apoio de local, secretaria, meios
para produzir documentos, gerar números, mapas, dados e fatos.
Quarta-feira nos reuniremos lá. Foi um trabalho técnico de contribuição
para o futuro ministério, para o Ibama, para que sirvam ao país, ao meio
ambiente. Nada definitivo, pois isso depende dos gestores que virão. E
existem outras contribuições geradas na equipe de transição para o
tema a serem integradas.
Nosso prazo inicial era até a primeira semana de dezembro. Talvez um
pouco dessa demora na escolha (do futuro ministro) veio desse fato, da
necessidade de se ter um diagnóstico mínimo da situação, do que
precisa ser feito, para escolher a pessoa mais adequada. O presidente
Bolsonaro tem tido a preocupação de privilegiar técnicos e age com
muito critério.
Canal Rural: Vocês vão se reunir e isso deve ser apresentado ao presidente
na quarta-feira?
Evaristo de Miranda: Não. Não se trata de apresentar um documento, encadernado. Não
é assim que trabalhamos. Sempre apresentamos para quem de
interesse na etapa vários documentos, anexos, textos, apresentações
em power point, além de resumos. Quando é para o presidente é “o
macro do macro”. Com ministro Onyx sempre há um maior
detalhamento do conjunto. Quando a conversa é com a ministra Tereza
ou com o ministro das Relações Exteriores, por exemplo, o foco muda e
fazemos outros tipos de detalhamento. Não fizemos nada acadêmico.
Tudo muito objetivo, com números, quadros e coisas assim. Já
concluímos muita coisa, desde o estratégico até o tático e operacional.
Canal Rural: Quais são os principais problemas encontrados nessa área de
meio ambiente, de gestão ou de política ambiental?
Evaristo de Miranda: São três grandes grupos de problemas e desafios. O primeiro foi, e
hoje o presidente está convencido, entender o meio ambiente como uma
questão estratégica. Não é um apêndice e não pode ser subestimado.
No começo, as pessoas subestimaram esse assunto. Hoje, o próprio
presidente reconhece a importância estratégica do meio ambiente. O
tema envolve vários ministérios. Tem a ver com agricultura,
infraestrutura, relações exteriores, mineração, uso e gestão da água,
questões urbanas, industriais… É um tema muito complexo. Não pode
ser objeto de tratamentos ou de respostas simples ou, pior ainda,
simplistas como alguns davam no começo. O nosso trabalho ajudou na
tomada de consciência de algumas pessoas da complexidade e da
relevância desse tema para o desenvolvimento sustentável do país. Isso
é indicado até pela disposição do presidente de ter voltar atrás na ideia
da fusão com o ministério da agricultura. O segundo conjunto de
desafios era como tratar o tema meio ambiente no conjunto do novo
governo do Brasil. Para o futuro presidente, ele será tratado de forma
estratégica, como tema de Estado. Não será apenas um assunto de
governo. Isso se traduz na proposta da “transversalidade”. O tema será
tratado transversalmente. Não é só um ministério quem cuidará do Meio
Ambiente. Quando apenas um ministério cuida do meio ambiente, os
outros se desengajam: “o problema não é meu, é do Ministério do Meio
Ambiente (MMA). Aqui é o Ministério do Transporte, meio ambiente é
outro ministério”. Ou “Aqui é a Agricultura, o MMA é outro ministério”. E
assim por diante. Agora não. Todos os ministérios, ou quase todos,
terão uma área voltada às questões ambientais. Na reestruturação do
MAPA, por exemplo, já tem organizada uma área que tratará de meio
ambiente. O mesmo deverá ocorrer em outros ministérios como Minas e
Energia, Infraestrutura etc. Pode ser que seja uma secretaria, uma
coordenação. Em cada ministério deverá haver envolvimento com esse
tema. Ele não ficará relegado apenas a uma pasta. Isso ajudará a
reduzir muito dos conflitos. Isso faz com que seja desnecessário manter
no MMA uma série de estruturas repetitivas, típicas de outros
ministérios. Se o MMA cuida sozinho de tudo, têm que ter lá dentro
gente cuidando de mineração, petróleo, agricultura, estradas. Eles têm
que montar uma estrutura hipertrofiada com um monte de gente. Se os
ministérios assumem isso, não é necessário manter, por exemplo, uma
área de desenvolvimento rural sustentável no MMA. Isso tem que ficar
na Agricultura. Não precisa de um departamento de extrativismo no
MMA se quem cuida de extrativismo é a Agricultura. Vários
departamentos não têm sentido ficar no MMA. Há uma proposta para
que isso vá para outros ministérios. O MMA estará mais focado em seu
poder normativo, de coordenação, de interagir com os ministérios,
reduzindo os conflitos. Não zerando, mas reduzindo e muito. Haverá
uma maior sinergia entre os ministérios. Será evitada muita duplicidade
e uma hipertrofia do MMA em Brasília. Ela será reduzida. O terceiro
desafio é da eficiência e da eficácia: os recursos têm que chegar na
atividade fim. O MMA foi criado para quê? Essa estrutura foi criada para
alimentar o discurso de alguns? O MMA foi criado para que alguns
vivam disso ou para resolver problemas concretos do desenvolvimento
sustentável? O dinheiro hoje se perde muito na atividade meio: viagens,
passagens, reuniões, propostas, elaboração de propostas, cargos e
funções remuneradas. Tudo isso consome um dinheiro enorme. E lá na
ponta, na atividade fim – como melhorar a infraestrutura de um parque
nacional – o dinheiro não chega. O gestor do parque nacional precisa
comprar rádios para os guardas, motor novo para lancha, refazer cerca,
sinalização, construir banheiros, apoiar o turismo. Essa autonomia dos
gestores é muito deficitária. Exemplo disso no MMA é trazer para dentro
do ministério a busca de soluções locais para questões sociais. Não
para a sociedade, mas para “povos escolhidos”. O dinheiro é gasto mais
em questões sociais, do que verdadeiramente ambientais. Você onera o
empreendedor e a questão ambiental é usada como pretexto para
financiar coisas de natureza estritamente social. O foco principal é que o
dinheiro chegue na ponta, no meio ambiente, e não que seja consumido
por ONGs, pessoas, ou por um monte de gente dedicada à atividade
meio, sem avaliação de seu trabalho. É preciso essa atividade meio,
mas pode ser muito mais enxuta. E se informatizar, o que é urgente ser
feito, se informatizar realmente o Ibama, isso dará muita transparência,
com ganhos de eficiência e economia. O Ibama deveria caber no seu
smartfone. O cidadão, o empreendedor, o estudante, alguém que foi
multado, precisa ver o que acontece com o seu processo, como as
coisas estão andando, para ter clareza. A estrutura do MMA, Ibama e
ICMBio serão reestruturadas, modernizadas e caminharão para o
aperfeiçoamento institucional e administrativo, focadas em suas
finalidades. Sem exagero da atividade meio, sem hipertrofia de cargos,
de pessoas, de DAS. A equipe que eu coordeno fez um diagnóstico
administrativo, institucional, funcional, financeiro, político e social dessas
estruturas. Como está organizado o MMA no país e qual é sua relação
efetiva com os estados. Precisa ter diálogo com as polícias estaduais
que multam também, e hoje praticamente não há. O Ibama não é
corregedor das estruturas estaduais. Há diversas propostas, dependerá
do futuro ministro. Apresentamos na semana passada a parte mais
relativa à agropecuária para a futura ministra Tereza Cristina e seus
colaboradores. Discutiu-se como resolver os problemas do agro. Vamos
apresentar para as outras áreas do governo. Mostramos e mostraremos
a realidade das coisas. Estamos bem adiantados, com muita gente
trabalhando e organizando bancos de dados analíticos. Todos esses
resultados serão apresentados ao futuro ministro. Ele decidirá o que
fará. Com certeza ele não desprezará esse trabalho. Até porque, a
própria escolha dele levará esses desafios que apresentamos.
Canal Rural: Tiveram acesso ao orçamento, o quanto vem de multa, o
quanto vai para ONGs e o quanto vai para atividade fim?
Evaristo de Miranda: Sim, tivemos acesso em colaboração com técnicos do Ibama, mesmo
assim é um assunto bastante nebuloso. Tem coisas que não se
consegue tirar a limpo pela falta de informatização e de transparência.
Muitos valores são estimativas. É um tema muito sensível para a
agricultura. O presidente tem falado muito disso, da indústria da multa.
Alguém te fala assim: “mas não é como no trânsito, no trânsito coloca-se
um radar a cada esquina para te pegar, enquanto quando se multa na
área rural é porque alguém cometeu alguma coisa”. Essa analogia
mostra como os sistemas são diferentes. No trânsito, se você
ultrapassar menos 20% da velocidade permitida, a multa é X. E é assim
no país inteiro. Se ultrapassou mais de 20%, a multa é Y. Há valores
estabelecidos claramente. No meio ambiente isso não existe. As multas
são discricionárias do agente que está lá. Eles multam o pequeno
agricultor com valor de multas acima do valor da propriedade. A multa
por hectare é maior que o valor da terra. Como é que ele vai pagar?
Nem se ele vender a terra, as roupas do corpo e os talheres da casa, ele
não terá dinheiro para pagar uma coisa tão desproporcional. Ele não
tem dinheiro nem para o advogado. Vive-se muita arbitrariedade. Lavra-
se multas com base em imagens de satélite, sobrevoando de
helicópteros, sem ouvir o produtor, sem colocar o pé na propriedade
para saber se o que foi multado estava autorizado. “Ele terá ocasião de
defender-se depois”, dizem alguns. No mundo rural, lato sensu, depois
do Código Florestal, de 2012 a 2017, estima-se que foram aplicados
mais de R$ 14 bilhões em multas. E você vê autoridades dizendo que a
meta para o ano que vem é aplicar pelo menos R$ 3 bilhões de multas
para sustentar os programas de recuperação ambiental. Então isso não
é mais multa, é arrecadação, porque se tem meta em cima dos
agricultores. Quanto é que se multa no setor urbano, setor industrial,
elétrico, minerador? O grande peso da multa incide sobre os produtores
rurais.
Canal Rural: E como acabar com isso? Como se muda essa lógica?
Evaristo de Miranda: Respeitando a lei, a lei inicial, a lei maior. Para a legislação, o
primeiro objetivo da multa, é a dissuasão. Não vale a pena transgredir
porque a multa é alta, tem poder de dissuasão grande, se a punição é
branda, o poder é menor. É normal ser alta quando se quer dissuadir.
Segundo objetivo, se a pessoa cometer um delito, quer-se educar e
reparar. Que o cidadão perceba que fez coisa errada e esteja disposto a
reparar o dano causado. Desmatei, não podia, recuperarei a área. Essa
recuperação é objetivo de todo sistema legal. Primeiro a dissuasão e, se
acontecer, quer-se educação e reparação. Quando alguém faz isso,
pode ter abatimento de 90% da multa. A pessoa foi multado em um
milhão, ela pode abater até R$ 900 mil e pagar apenas R$ 100 mil se
reparar o dano. Se concertar, há um abatimento, previsto em lei. Lá
atrás já começou a dar problema porque em alguns casos dava-se esse
desconto e em outros não davam. Dependia de um poder discricionário
do Ibama. Produtores recorreram na justiça. Houve uma decisão do
STJ, do ministro Hermann Benjamin, dizendo que os 90% são um
direito, se a pessoa recuperar e restaurar. Não cabe ao órgão dizer uem
tem direito ou não. Há uma decisão judicial sobre isso. Mas na época do
ex-ministro do MMA, Carlos Minc, salvo engano, baixaram um decreto
reduzindo o desconto para 40%. E o pior foi agora, na última gestão, em
que um decreto direciona esses 40% para para ONGs. Se for assim o
desconto é de 60%. Mas se a própria pessoa reparar o dano, o desconto
é de 30%. Em grandes linhas, se a reparação for com ONGs o desconto
é de 60%, e se eu mesmo fizer é de 30%. Isso não é republicano.
Decretos que atentam contra a lei maior serão revogados. A lei é boa, a
legislação ambiental é boa. Todo mundo fala que é uma das mais
rigorosas do mundo. Ninguém contesta isso. Mas vários decretos,
portarias, instruções normativas restringem e distorcem dispositivos
legais. A aplicação do novo Código Florestal é outro problema para
meio rural sobretudo no Pampa e na Mata Atlântica. A (ex-ministra do
MMA) Izabella (Teixeira), fez uma consulta jurídica para ver se o novo
Código se aplicava a todo o país e sim, foi a decisão da consultoria dela.
Posteriormente, fizeram outra leitura, com outra consultoria jurídica, e
decidiu-se que ele não se aplicava no Pampa e na Mata Atlântica. E daí
há muitos agricultores multados no Sul e no Sudeste com argumento de
que o que vale é a lei da Mata Atlântica. É um entendimento jurídico que
fica variando a cada ministro, não é possível. Haverá uniformização dos
entendimentos. Se o Código Florestal vale para o país inteiro, deve
respeitado e cumprido principalmente pelo próprio Estado, pelo governo,
por seus agentes. Eles devem ser os primeiros a reconhecer e cumprir.
Canal Rural: Vai ser uma mudança de entendimento ou se muda algo na lei?
Evaristo de Miranda: Mudará. Será revogado tudo aquilo que atente contra lei maior.
Sem debate ideológico. No caso das multas, há como solucionar. Tanto
esse passivo será examinado. A conversão e a reparação serão feitas
conforme a lei, e com critérios. Haverá investimento na formação dos
agentes. Precisa ter doutrina, treinamento, documentos de referência.
Não pode cada um fazer conforme sua ideia. Há uma série de
recomendações no grupo de trabalho. A multa é necessária. As pessoas
que fazem coisas fora da lei precisam ser multadas. O último aspecto
das multas é esse, é punitivo. Se a pessoa não repara, não converte,
será punido. Hoje tem muito pequeno agricultor com problemas assim,
inviabilizados. Milhares de áreas embargadas. Há como encaminhar
isso, não para quem é bandido, mas para dar o sentido certo do que é a
multa.
Canal Rural: Existe uma lista de atos que podem ser assinados logo no
início do governo? Seriam 60 decretos, portarias, INs?
Evaristo de Miranda: Essa parte das várias medidas, mais operacional, dependerão do
ministro. Muito identificado, organizado e até indicando qual o
instrumento poderia ser usado. Foi feita uma hierarquia dos problemas
institucionais e administrativos. Tudo não se resolve só numa tacada.
Problemas com agricultura, problemas de licenciamento das grandes
obras, espécies ameaçadas de extinção, passivo fundiário da criação de
unidades de conservação… Para cada coisa foram feitas propostas,
soluções, às vezes há mais de uma alternativa, poderá ser uma ou
outra, dependerá do ministro e ele e sua equipe decidirão. Para a
agricultura são mais de 60 atos e ações propostas de curto prazo, não
lembro exatamente. O futuro ministro analisará. Quem for presidente do
Ibama também analisará. Haverá um grande trabalho na montagem do
ministério. Haverá um grande ganho para o meio ambiente no Brasil no
ano que vem. A falência do sistema atual, da política ambiental brasileira
atual é evidente. Não pode continuar assim. A agricultura tem sido muito
e injustamente penalizada. Doravante, o ministério da agricultura
caminhará junto com o MMA. Haverá sinergia entre eles. As coisas
andarão, porque o Ministério da Agricultura também cuidará do meio
ambiente. Isso diminuirá os atritos, e no MMA haverá uma orientação
mais adequada quanto tema da agricultura brasileira e do
desenvolvimento sustentável.
Canal Rural: E quais as propostas específicas para o agro?
Evaristo de Miranda: Hoje apenas penaliza-se o errado, mas não se valoriza o certo, não
se premiam as boas práticas. Discutiu-se várias possibilidades de
premiar as boas práticas agrícolas, que ele seja premiado. Na área rural,
o foco do MMA tem estado na ocupação das terras: não pode ocupar
encosta, beira de rio. Pouco importa como. O uso das terras não tem
sido suficientemente considerado. No Código Florestal não há a palavra
tecnologia. Ele não premia as boas práticas, não incentiva tecnologias
sustentáveis. É fundamental incentivar e premiar as boas práticas
agronômicas e ambientais. Quem busca a sustentabilidade está nos
planos desenhados pela equipe. Levantar o tema dos serviços
ambientais. Todo mundo sabe da importância desses serviços
assegurados pelo produtor rural, mas na prática não há um
reconhecimento efetivo. O agricultor não ganha nada com isso. É
preciso imaginar formas de conhecer e reconhecer. O agricultor
brasileiro usa só metade da sua propriedade, em média, como mostram
os dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR). A outra metade ele
destina à preservação do meio ambiente. Os produtores preservam
dentro dos seus imóveis uma área de 218 milhões de hectares – o CAR
demonstrou isso, mapeado por imagens de satélites -, são quase 5
milhões de produtores preservando 25,6% do país. As unidades de
conservação integral protegem cerca de 10% do país. Isso tem precisa
ser conhecido e deve-se buscar fórmulas de reconhecer. Há várias
propostas nesse sentido.
Canal Rural: Poderia citar algumas?
Evaristo de Miranda: Esse tema deveria começar de baixo para cima. Há bons exemplos
em alguns municípios e em bacias hidrográficas. Exemplos de
remuneração por serviço ambiental, direta e indiretamente. Eles
poderiam ser usados em outros lugares com a mesma criatividade. Em
São Paulo, na área de fruticultura, os pequenos agricultores precisam de
muita matéria orgânica para proteger o solo. Há prefeituras paulistas
que pegam todas as podas vegetais urbanas, de árvores e arbustos, do
corte de grama e capim etc., toda poda urbana, e processam e
entregam de graça aos produtores, para protegerem o solo. Há vários
exemplos. Isso é retorno positivo para os agricultores. Agricultores que
preservam nascentes recebem dinheiro das prefeituras por esse serviço
de preservação das águas. Quem demonstra, que não tem nenhum
defensivo agrícola indo para as águas, correndo para os rios, recebe
ainda mais pelo uso de boas práticas agrícolas. Já temos exemplos em
vários municípios de um certo reconhecimento disso. É difícil sair com
uma receita nacional, mas tem que usar bons exemplos. Apoiar
municípios e buscar outras fórmulas com os comitês de bacias etc. A
prevalência ou superveniência do Código Florestal é outro tema
relevante. Ele já tem seis anos, precisa ser aplicado. Todo mundo
precisa cumprir e o cumprimento se aplica ao próprio governo. Os dados
do CAR podem ser usados na simplificação do licenciamento ambiental
da agricultura. Ela não pode ser dispensada. Deve haver licenciamento
da atividade agrícola, mas há vários casos e situações a considerar.
Parte dos agricultores, como já é em alguns estados, como Minas
Gerais, é por adesão. Vai no site, assume compromissos, propriedade
com tantos hectares, de tal natureza, faturamento de até tanto, basta um
licenciamento por adesão. Já uma usina enorme de cana de açúcar, o
licenciamento passa por todo processo previsto. Todo esse trabalho do
Grupo ajudará os dirigentes do Brasil a procurarem um bom ministro,
comprometido em executar essas coisas. 2019 será um ano muito bom
para o meio ambiente Ele ganhará um status que nunca teve no Brasil.
Será realmente uma questão de Estado, transversal, não só restringida
a um grupo à parte. Não será mais usado por pessoas para se
promoverem, manterem seus discursos, suas viagens internacionais,
suas ONGs. Haverá foco na missão. O dinheiro vai ir para a ponta, para
quem precisa. E as outras áreas do governo terão atendimento
melhorado, com rapidez. Existe proposta para tratamento diferenciado
para obras estratégicas, de PPI. Com a escolha do ministro nossa
missão estará encerrada. Volto para a Embrapa para contribuir com a
agricultura, com nosso ministério.
Canal Rural: A proposta de unir Ibama e ICMBio vem da proposta de vocês?
Evaristo de Miranda: Isso não é a única proposta. Existem várias. Originariamente, era
um órgão só. A ex-ministra do MMA, Marina Silva fez essa divisão.
Existe a possibilidade, como existe possibilidade se ser mantido
também. Dependerá do futuro ministro e de sua equipe.
Canal Rural: Você foi convidado efetivamente? Por que negou?
Evaristo de Miranda: Houve essa proposta. Eu declinei. Posso contribuir mais com o
futuro governo trabalhando com minha equipe de pesquisadores e
analistas, como chefe da Embrapa Territorial. Ela já dá contribuição
sobre questões territoriais do agro brasileiro em escala internacional,
para o futuro ministro das Relações Exteriores. Nosso sistema de
inteligência territorial da macrologística agropecuária certamente poderá
apoiar os trabalhos do futuro ministro da Infraestrutura. Temos a
participação no projeto do satélite brasileiro Carponis com o Ministério
da Defesa, através da FAB, e certamente haverá envolvimentos com o
ministério da Ciência Tecnologia. Temos muito a fazer e eu me vejo
mais como um conselheiro técnico, colaborando cientificamente e
assessorando. E tenho razões pessoais também. Declinei. Havia muita
gente incentivando, mas meu papel vai ser contribuir tecnicamente. Sou
pesquisador na Embrapa há quase 40 anos.
Canal Rural: Alguma aposta quanto a esses nomes para assumir o
ministério?
Evaristo de Miranda: Não, eu estou completamente fora. Não sugeri, não tem cabimento.
Os nomes que estão colocados todos têm qualidades, são diferentes,
perfis diferentes e certamente que cada um teria uma tônica diferente, o
que seria normal. Mas o presidente tem a difícil tarefa de escolher
pessoas que venham a ajudar a resolver, a solucionar problemas e não
pessoas que queiram fazer isso para se promover. O presidente vai
fazer boa escolha, não tenho dúvida disso, ele tem sido muito cuidadoso
e feito excelentes escolhas. E talvez surpreenda as pessoas no que ele
vai escolher. Vamos aguardar. O nosso grupo também está à
disposição. Uma parte desse nosso grupo já está no MMA, são pessoas
que poderão contribuir diretamente. Não é meu caso, mas estou muito
satisfeito. O tema ganhou relevância e terá dimensão de Estado. Tornar
o MMA mais coordenador que executivo e reduzir esse consumo de
recursos na atividade meio. Seja quem for o ministro, poderá contar com
meu apoio técnico, de minha equipe e de toda a Embrapa.