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Projeto que muda regulação de praticagem pode ameaçar meio ambiente, diz categoria

De acordo com o Conselho Nacional de Praticagem, projeto representa ameaça à segurança do tráfego aquaviário, pois falta de experiência e eventual cansaço de profissionais poderiam causar acidentes

Praticagem reboque navio
Foto: Praticagem Brasil

Um projeto de lei apresentado em 28 de agosto pelo deputado Alceu Moreira (MDB-RS) que pretende mudar a regulação da praticagem nos mares e rios brasileiros gerou reação do Conselho Nacional de Praticagem (Conapra). Segundo a entidade, o texto apresentado por Moreira “representa uma séria ameaça à segurança do tráfego aquaviário e à preservação de mares e rios”.

A atividade realizada pelos práticos conduz os navios na entrada e saída dos portos. O PL 4392/2020 propõe alterações na Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário (Lei 9.537/1997) e na Lei 10.233/2001, que criou a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).

De acordo com a Conapra, o texto define que empresas de navegação poderiam contratar práticos de sua preferência, sem obedecer à escala de serviço. Além disso, caberia à Marinha apenas certificar comandantes de navios de bandeira brasileira a navegar sem praticagem, com base em treinamento ocorrido em simuladores, e não mais habilitá-los após realização de manobras a bordo assistidas por práticos.

“O projeto é um escárnio com o meio ambiente. A escala é um pilar da segurança. Ao impedir que o dono do navio escolha quem vá prestar o serviço, o rodízio assegura a autonomia do prático em suas decisões, que visam à proteção da comunidade. Ou será que querem uma tragédia como a de Brumadinho em águas brasileiras? Os países que incentivaram a concorrência na praticagem tiveram acidentes e recuaram. É uma atividade peculiar. Seguimos práticas mundiais”, afirmou o presidente do Conapra, Ricardo Falcão, acrescentando que a escala evita ainda a fadiga do prático e contribui para a manutenção da sua experiência em diferentes manobras e embarcações.

A grande preocupação, nesse caso, é com acidentes que possam encalhar navios e até provocar vazamentos de óleo ou outros produtos. Falcão lembra que todo prático passa por treinamento mínimo de 12 meses em que realiza centenas de manobras supervisionadas até prestar o exame de habilitação a bordo. Depois, para se manter habilitado, deve executar uma quantidade de operações de praticagem por quadrimestre, seguindo norma da Marinha, da mesma forma que os comandantes que requerem a habilitação. “Simuladores não substituem qualificação semelhante quando o que está em jogo é o meio ambiente”, pondera.

Outro ponto de discordância é o que passa a regulação econômica da atividade da Marinha para a Antaq, cumprindo a agência a tarefa de fixar limites de preço em cada zona de praticagem. O presidente do Conapra diz que se perde tempo numa discussão irrisória de preço, quando o que deveria estar no foco da competitividade são os gargalos de infraestrutura.

“A saca de 60 quilos de soja custa mais de R$ 130, dependendo do município. No terminal de Santarém, o preço do embarque é de R$ 44 por tonelada. Ou seja, o custo para embarcar 60 mil toneladas por navio é de quase R$ 3 milhões. E o problema está na praticagem? A concessão do terminal é que precisa ser regulada pela Antaq. A tonelada embarcada podia estar custando R$ 10 ou menos. Será que o terminal privado não poderia se contentar com “apenas” R$ 1 milhão por navio? Já nós, ao contrário, somos parceiros do agronegócio. Em todo o país, fazemos investimentos que melhoram a produtividade dos portos. No Arco Norte, por exemplo, já estamos falando em chegar a 80 mil toneladas de carga por navio, quase 50% a mais, graças à batimetria e tábua de marés da praticagem”, completou.

Ricardo Falcão fala ainda sobre o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sobre o fato de que a interferência do Estado na formação de preço de uma atividade privada só é admitida em situações excepcionais de total desordem de um mercado, e por prazo limitado. “Não é o caso da praticagem, em que 97% das manobras ocorrem após acordos comerciais entre as partes. Nos demais, existe a Marinha para arbitrar eventuais divergências dos donos dos navios”, concluiu a entidade.

Custo elevado

Para Alceu Moreira, autor do projeto de lei, o grande problema da praticagem brasileira é o valor elevado, que tornaria o serviço como um dos mais caros do mundo. ““O cidadão entra com o navio no porto e a praticagem cobra o que quer, não tem meios de negociação. São custos que não deveríamos ter. É o cartório que cobra mais do que devia, o spread bancário, o PIS/Cofins, o IOF. A praticagem chega a ser ofensiva”, destacou o deputado Alceu Moreira ao programa Conexão Brasília.

“Hoje é muito caro, está no preço de tudo que nós exportamos. Nós vamos tentar vencer mais essa barreira e retirar de nós a praticagem que, na verdade, é uma questão antiga, arcaica e que não é permitido nos tempos que estamos vivendo”, argumentou Moreira.

A praticagem é realizada no Brasil desde 1808 e atualmente é regulada pela Lei de Segurança do Transporte Aquaviário (9.357/97) e pelo decreto 2596/12. Existem no país atualmente 22 zonas de praticagem e 523 práticos em atividade.