Trigo

Trigo: agricultor obtém produtividade três vezes maior que a média nacional; veja os segredos

Em área semeada com cultivar da Embrapa, produtor de Goiás colheu 142,4 sacas por hectare

brs 264 embrapa trigo
Foto: Paulo Bonato/arquivo pessoal

O agricultor Paulo Bonato, de Cristalina (GO), bateu o recorde de produtividade do trigo nesta safra, alcançando 142,4 sacas por hectare, em uma área de 50,8 hectares sob pivô central de irrigação. A cultivar utilizada foi a BRS 264, desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). O desempenho representa quase o triplo da média nacional na temporada, projetada em 48,3 sacas por hectare.

Em 2017, sob o mesmo pivô, Bonato havia sido recordista nacional com outra cultivar da entidade, a BRS 254, com produtividade de 139,8 sacas por hectare.

A lavoura recordista ocupa metade de uma área de 101,6 hectares irrigados da propriedade do agricultor.  Os outros 50,8 hectares também foram semeados com a cultivar da Embrapa, mas receberam outras tecnologias de manejo. O rendimento foi menor, porém, ainda bastante elevado frente à média nacional: 133,3 sacas por hectare.

Bonato trabalha com as duas cultivares da Embrapa desde que foram lançadas, há 15 anos. “Geralmente, planto uma em cada metade do pivô ou, quando a programação de plantio é em dois pivôs, planto um pivô inteiro com uma variedade”, conta. Neste ano, o trigo sucedeu uma lavoura de soja, e a semeadura da área foi realizada entre 7 e 12 de maio e a colheita entre 8 e 12 de setembro. O produtor utilizou cerca de 75 a 80 plantas por metro linear.

Como o ciclo médio total da lavoura ficou em torno de 114 dias (da emergência das plantas até a colheita), foi obtida uma produtividade diária média de 74,9 quilos por hectare na porção mais produtiva da lavoura, número significativo em termos mundiais.

O atual recorde mundial de produtividade em trigo, estabelecido este ano – 17.398 kg/ha ou 289,96 sc/ha em uma propriedade em Ashburton, na Nova Zelândia – representaria produtividade média diária de quase 58 kg por hectare, se for considerado um ciclo de 300 dias. “Isso mostra que nosso sistema aqui no Cerrado é mais eficiente”, diz Júlio Albrecht, pesquisador da Embrapa Cerrados.

Capricho na lavoura

Responsável técnico da Cooperativa Agropecuária da Região do Distrito Federal (Coopa-DF), Claudio Malinski diz que Bonato sempre colheu bem o trigo na região. “Ele faz agricultura de precisão, o solo é corrigido e uniforme quanto à textura; toma todos os cuidados com a adubação e calibra bem o pivô quanto à água. Além disso, é cuidadoso quanto ao aspecto fitossanitário, preferindo ter o custo de produção um pouco maior e garantir mais segurança na colheita em vez de economizar com defensivos”, comenta.

Júlio Albrecht acrescenta que o produtor sempre seguiu as recomendações da Embrapa e, ano a ano, faz ajustes finos para aprimorar o sistema de produção. “Este é o trunfo do Paulo: utilizar as informações da pesquisa e dos técnicos para conseguir elevadas produtividades. Ele não faz ‘receita de bolo’, está sempre ajustando o sistema”.

Na safra deste ano, seguindo a lógica de ajustes contínuos no sistema, o produtor realizou diferentes ações de adubação nitrogenada em cada metade da área com pivô, buscando verificar as melhores respostas em produtividade. Aberto à inovação, Bonato diz que está sempre testando novos produtos e tecnologias.

Na condução da lavoura, além de manter um rigoroso controle fitossanitário com várias aplicações de defensivos, ele realiza adubação foliar, utiliza inoculantes, faz aplicações de sílica para maior proteção das plântulas (que ficam com paredes celulares mais enrijecidas), além de buscar melhorias na adubação com cálcio e boro, dois nutrientes importantes para o desenvolvimento das plantas.

Vários detalhes são observados pelo produtor para garantir o sucesso da lavoura. “É importante ter uma boa distribuição de sementes, uniformidade de plantio, boa emissão de cachos e dividir as aplicações (de adubo). O solo (na área do pivô) está quimicamente equilibrado, com índice de fósforo muito bom. Tenho feito análise de solo com grid de 1 hectare e, a cada dois anos, faço redimensionamento dos pivôs. São ajustes finos”, comenta.

Bonato acredita que o resultado obtido neste ano se deve a diversos fatores. “Ter um manejo adequado e fazer uso das tecnologias disponíveis é importante demais para o produtor. Tudo isso agrega à produtividade. Estou feliz com a produtividade que obtive, mas sempre quero melhorá-la”, afirma, destacando ainda a qualidade dos grãos colhidos, já que em cerca de 70% da colheita o peso do hectolitro (PH)* foi de 84 kg/hl, o que reflete em grãos mais pesados.

Todo o esforço e investimento do produtor na lavoura implicam, consequentemente, maior custo de produção. “Ele é um pouco mais alto que o dos meus colegas. Mas sou apaixonado pela cultura e isso vem de gerações, do meu avô, do meu pai, que também plantavam trigo. Fico extremamente feliz quando vejo uma lavoura bem conduzida”, justifica.

O produtor faz questão de enfatizar a contribuição das parcerias com os pesquisadores e com os técnicos da cooperativa para o sucesso obtido nesta safra: “O respaldo da Embrapa é extremamente importante, existe uma abertura dos pesquisadores para que possamos conversar. E a Coopa-DF, com o departamento técnico, está sempre apoiando e orientando, como, por exemplo, alertando sobre o aparecimento de doenças aos produtores”.

Influência do clima e do mercado

Segundo Claudio Malinski, o clima também pode ter contribuído para a elevada produtividade obtida por Bonato, já que o inverno deste ano foi um pouco mais frio que o de 2019, com temperaturas mais baixas em julho e com alguns dias mais frios em agosto. Júlio Albrecht concorda: “As temperaturas noturnas e diurnas foram favoráveis ao desenvolvimento das plantas. Vimos muitos produtores alcançarem produtividades em torno de 130 sc/ha”, afirma.

Outro fator que estimulou boa parte dos triticultores do Brasil central a buscarem melhor desempenho foi o aumento do preço do trigo importado em função da desvalorização do real frente ao dólar – a tonelada tem sido negociada acima de R$ 1.200, enquanto em 2019 o valor ficou em torno de R$ 850.

“Os produtores passaram a investir mais na cultura, utilizando tecnologias para melhorar a produtividade, como a intensificação do uso de insumos, entre os quais a adubação de base e o nitrogênio em cobertura, melhor controle fitossanitário e melhor ajuste da lâmina d’água na irrigação, conforme as orientações técnicas”, apontam Albrecht e Jorge Chagas, pesquisador da Embrapa Trigo.

Velha conhecida dos produtores

A cultivar BRS 264 não é novidade para os triticultores do Cerrado. Lançada em 2005, ela rapidamente conquistou o mercado devido ao ciclo precoce (média de 110 dias no Brasil Central), à elevada produtividade (120 sc/ha em média), à resistência ao acamamento e à debulha e, sobretudo, à boa aceitação pelos moinhos, o que confere liquidez aos produtores.

Quanto à qualidade industrial, a BRS 264 é uma variedade de grão duro, classificada como trigo pão, com força de glúten média de 255 x 10-4 J, estabilidade acima de 20 minutos e PH médio de 80 kg/hl. A flexibilidade na produção de farinha para panificação e do rendimento de farinha, que chega a 66,5% em média, um dos melhores do mercado, explica a atratividade para os moinhos. Segundo os pesquisadores, a farinha da cultivar possibilita a fabricação de pão sem necessidade de adição de outras farinhas.

Para Paulo Bonato, a cultivar BRS 264 é interessante devido à precocidade do ciclo, cerca de 10 dias mais curto que o da BRS 254, por exemplo. “Acabo gastando um pouco menos de água e de energia em função dessa precocidade. E quando planto as duas variedades, consigo escalonar a colheita”, observa o produtor, que comercializa toda a produção para a Coopa-DF.

O moinho da cooperativa recebe anualmente cerca de 300 mil sacas de trigo, oriundas tanto de plantações irrigadas como em sistema de sequeiro (outros 5 mil hectares) da região. “Ao produzir uma farinha de ótima qualidade, segregando as variedades, o moinho consegue valorizar o trigo de alta qualidade produzido aqui na região”, elogia Bonato.

“A grande vantagem de se usar a mesma cultivar por tanto tempo é que o produtor aprende a manejá-la”, aponta Albrecht. “Nesse tempo, ele vai ajustando o manejo conforme as características da propriedade. Além disso, é gerado conhecimento entre técnicos das cooperativas e consultores, junto com as orientações da Embrapa, e assim os produtores vão obtendo maiores produtividades”, acrescenta Chagas.

Estima-se que a BRS 264 seja atualmente cultivada em cerca de 80% das áreas de trigo irrigado no Cerrado do Distrito Federal, de Goiás, de Mato Grosso e da Bahia. Os pesquisadores lembram que a cultivar é resultado do programa de melhoramento genético conduzido pela Embrapa Cerrados na região desde a década de 1970. Além do desenvolvimento de variedades mais produtivas e adaptadas às condições do Bioma Cerrado, as pesquisas geram recomendações de manejo para os produtores, que são disponibilizadas por meio de publicações e dias de campo.