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China é cada vez menos ameaça e mais oportunidades, diz diplomata

O país asiático foi o segundo que mais investiu no Brasil nos últimos 10 anos; estudo lançado nesta quinta-feira, 26, defende avanço nos acordos bilaterais

Ampliar a parceria comercial com a China, principal compradora dos produtos brasileiros, e estabelecer novos acordos bilaterais são os objetivos de estudo apresentado pelo Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC) nesta quinta-feira, 26.

O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, abriu a conferência virtual e afirmou que a crise da Covid-19 não alterou o quadro de parceria entre os dois países. “Ao contrario, as autoridades chinesas estimam que a importação de produtos brasileiros baterá recorde em 2020. Além disso, os diferentes setores do governo brasileiro precisam atuar de maneira coordenada em seu engajamento com o governo chinês, comunicando nossas prioridades com clareza e objetividade. A complementariedade entre as economias oferece bases solidas para expandir e diversificar a relação nos mais diferentes setores”, afirmou.

Mourão destacou também o vínculo entre os dois países e o futuro das relações Brasil-China. “Ao longo dos últimos 20 anos, observamos um crescimento dos vínculos entre os países sustentados por uma complementariedade que levou nosso agronegócio a atingir patamares incomparáveis de produtividade e tecnologia. Precisamos lançar o olhar para o futuro e da nossa sociedade.”

Intitulado ‘Bases para uma a Estratégia de Longo Prazo do Brasil para a China‘, o estudo foi realizado por Tatiana Rosito, diplomata e economista, e busca encontrar novas oportunidades que o país asiático oferece na área comercial.

Para Tatiana, a alta capacidade de planejamento e eficiência de execução de políticas da China, associada à própria escala da economia chinesa e de suas empresas, requer maior coordenação doméstica de seus parceiros.

“Para um país continental como o Brasil, de regime federativo, entre as maiores economias do mundo, com um grande mercado interno, um parque industrial complexo e grande potencial na área agrícola e ambiental, lidar com a China envolve dinâmicas de cooperação e competição, que remetem à necessidade de repensar seu próprio caminho de desenvolvimento. A China desponta cada vez menos como competidora e ameaça, e cada vez mais como referência e oportunidade”, afirma a economista.

Expansão Comercial 

Durante sua apresentação, a idealizadora do estudo contou que foi possível observar, ao longo de 2020, expansão continuada do comércio exterior com a China e a Ásia.

Esses números são ainda mais contundentes no caso das exportações do agronegócio para a China, que chegaram a 38% das exportações totais do setor, comparados a 32% em todo o ano de 2019. A China foi responsável por 70,4% do superávit comercial do Brasil até agosto de 2020, passando o recorde de 58,5% registrado ao longo de todo o ano de 2019. Houve também aumento da concentração das exportações num único produto, a soja, embora outros itens tenham apresentado crescimento muito relevante, como carne bovina, açúcar e algodão. Esses números refletem, em parte, o fato de que muitas economias asiáticas começaram a recuperar-se antes da pandemia, ou foram menos afetadas por ela”, diz.

Agronegócio

Como uma das principais commodities vendidas à China, a internalização da soja pode oferecer alternativas para agregar valor no Brasil mediante o aumento da exportação de carnes, dada a alta competitividade do setor e o fato de que a maior parte dos grãos exportados para a China é utilizada como ração na produção de carnes, com eficiência muito menor que no Brasil.

Além disso, o estudo aponta ainda que, a carne in natura, um produto classificado como básico nas exportações, na verdade envolve grande agregação de valor se for considerada a cadeia como um todo, desde a pesquisa e desenvolvimento para a fabricação de sementes. “De outro lado, a venda de carnes in natura congeladas, que representou a maior parte da venda de carnes do Brasil para a China em 2019, deixa de agregar enorme quantidade de valor que poderia ser explorado com o processamento de carnes e também o desenvolvimento de marcas brasileiras junto aos consumidores chineses.”

O maior PIB mundial 

De acordo com o estudo, em 2012, o governo chinês anunciou os “Dois Objetivos Centenários”: o primeiro, dobrar a renda per capita de 2010 até 2021, e o segundo, elevar a China a um país “plenamente desenvolvido, próspero, poderoso, democrático, culturalmente avançado e harmonioso” até 2049, ano em que a República Popular da China completa 100 anos, desde a Revolução Comunista.

A China deve alcançar o primeiro objetivo centenário e planeja eliminar a pobreza em 2020. Mas há muitas incertezas sobre o segundo objetivo e sobre a consolidação da China como uma potência econômica global, o que depende de novos vetores de crescimento e de se romperem as restrições externas.

De acordo com estimativas recentes, a taxa de crescimento da economia chinesa provavelmente se reduzirá para algo entre 2,7% e 4,2% até 2049, com o PIB per capita alcançando dois terços daquele dos Estados Unidos. “Se essas projeções forem razoavelmente precisa, entre 2019 e 2049, a China romperá a armadilha da renda média e se tornará um país de renda alta; tornar-se-á a maior economia global, ultrapassando os Estados Unidos em PIB a preços correntes e alcançará o seu segundo objetivo centenário de tornar-se uma economia completamente desenvolvida”, explica Tatiana.

Competitividade 

Para a economista, aproveitar as oportunidades relacionadas à contínua transformação estrutural da China deve ser o foco de uma estratégia para que país que coloque a produtividade e a competitividade no centro. “Há três principais caminhos: agregação de valor às exportações brasileiras, mediante intensificação das relações com o mercado chinês, inclusive mediante o e-commerce, e ‘descoberta’ de novos nichos; adoção de tecnologias ou de partes das cadeias de produção que deixarão a China; e combinação de importações de commodities industriais chinesas com agregação de valor para consumo no Brasil ou exportação.”

Investimentos 

Segundo o Ministério da Economia, entre 2003 e o terceiro trimestre de 2019, a China investiu no Brasil US$ 80,5 bilhões, o que correspondeu a 30,9 % do volume de recursos investidos pelos cinco principais países investidores naquele período.

O estudo aponta que entre 2010 e 2019, a China alternou com os Estados Unidos a posição de primeiro ou segundo investidor direto no Brasil. A distância cultural e os reconhecidos problemas relativos à complexidade do ambiente de negócios no Brasil, em especial no âmbito tributário e regulatório, não afastaram os investimentos chineses. Em dez anos, a China investiu no Brasil mais do que qualquer outro país historicamente, à exceção dos Estados Unidos.

Conforme destacado no estudo, “há grande expectativa de empresários e de muitas áreas do governo brasileiro em relação à contribuição que os investimentos chineses podem dar para o continuado crescimento da economia brasileira nos próximos anos, sobretudo em relação aos investimentos em infraestrutura. Isso ocorre mesmo diante da aproximação diplomática com os Estados Unidos e de uma mudança de ambição no diálogo bilateral político Brasil-China. Uma segunda questão é que o investimento público em infraestrutura no Brasil, que já era minoritário e declinante antes da pandemia, tenderá a encolher-se ainda mais no cenário de profunda restrição fiscal”, avalia.

Tecnologia 

Na área de tecnologia, o Conselho Empresarial Brasil-China acredita que o país asiático está a caminho de tornar-se uma potência tecnológica e digital “e deve ser do interesse brasileiro potencializar as oportunidades para que o Brasil possa se beneficiar das transformações chinesas nas mais diversas áreas, como economia digital, Inteligência Artificial, e-commerce, nanotecnologia, biotecnologia, genômica, cidades inteligentes, energias renováveis, veículos elétricos, robótica, entre outros ramos”.

Para Tatiana, é preciso reforçar o diálogo entre os setores de alto nível na área de ciência, tecnologia e inovação “Precisamos apoiar parcerias entre entes federativos e universidades do Brasil e da China e disseminar modelos bem-sucedidos de cooperação; incentivar parcerias com empresas globais e chinesas estabelecidas no Brasil que possam potencializar a aproximação dos ecossistemas de inovação, sobretudo em agricultura e tecnologias aplicadas aos centros urbanos”, diz.

Veja o estudo na íntegra