O morcego mais rápido do mundo é brasileiro

Espécie Tadarida brasiliensis é capaz de voar a uma velocidade de até 160 km/h, o que faz desse mamífero o animal voador mais veloz conhecido 

Fonte: MPI For Ornithology

Quando a noite cai e o morcego-sem-rabo-brasileiro (Tadarida brasiliensis) ocupa o céu em manobras rasantes e acrobáticas, o máximo que os olhos humanos conseguem capturar são vultos cortando o ar. Ao estudar esse comportamento detalhadamente, um grupo de pesquisadores do Instituto Max Planck e da Universidade de Constança, na Alemanha, e das universidades do Tennessee e de Boston, nos Estados Unidos, verificou que esses morcegos atingem velocidades de até 160 km/h em voos horizontais, o que faz dessa espécie de mamífero o animal voador mais rápido conhecido.

As conclusões foram apresentadas em um artigo publicado na revista Royal Society Open Science. Até agora, o recorde de velocidade de voo na horizontal medido por pesquisadores pertencia a pássaros da família Apodidae, como o andorinhão-preto (Apus apus), presente em todos os continentes, exceto na Antártida e nas Américas, e capaz de alcançar 100 km/h.

Apesar do nome, o T. brasiliensis não é exclusivo do Brasil. Também pode ser encontrado no Chile, Argentina, Uruguai e nos Estados Unidos. Os autores do estudo usaram cola cirúrgica para acoplar rádios transmissores de cerca de meio grama nas costas de sete morcegos fêmeas com peso entre 11 e 12 gramas.

Os animais foram capturados na entrada da caverna Frio, no Texas, Estados Unidos. Usando um receptor móvel a bordo de uma pequena aeronave, os pesquisadores captaram o sinal sonoro emitido pelo equipamento e monitoraram os padrões de voo dos morcegos e a velocidade com a qual se deslocavam pelo ar.

Os dados foram analisados e cruzados com as condições climáticas do local. Desse modo, a equipe descartou a possibilidade de que o vento pudesse exercer qualquer influência no deslocamento.

A capacidade de voo evoluiu de forma independente em aves e morcegos. A partir de um ancestral que provavelmente era capaz de subir em árvores e planar, a evolução do voo nesses dois grupos passou por diversas modificações estruturais. Algumas delas se deram de forma similar em ambas as espécies. Outras, no entanto, deram-se de modo específico, refletindo a história evolutiva própria de cada grupo.

“Enquanto o voo dos morcegos envolve a atividade orquestrada de vários músculos, o das aves, por exemplo, envolve apenas dois”, explica o ecólogo Ariovaldo Cruz-Neto, do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro. O pesquisador não participou do estudo sobre o morcego-sem-rabo-brasileiro que saiu na Royal Society Open Science, mas é um especialista na área.

Segundo ele, os morcegos também passaram por modificações no sistema respiratório e circulatório para assegurar que esses músculos conseguissem receber oxigênio suficiente para funcionar.

“Quando comparado a mamíferos que não voam, os morcegos têm pulmões com maior volume, e seu sangue é capaz de transportar oxigênio de forma mais rápida e eficiente”, diz Cruz-Neto. “Essas modificações devem melhorar a eficiência mecânica do voo em morcegos, de modo a torná-lo tão eficiente quanto o das aves”, afirma.

Cruz-Neto desenvolveu um modelo aerodinâmico capaz de determinar a eficiência mecânica do voo dos morcegos. Diferentemente dos modelos clássicos, o método criado por ele com a colaboração de dois pesquisadores australianos leva em conta aspectos diversos da morfologia desses animais.

“Em geral, os modelos aerodinâmicos clássicos atuais consideravam a área da asa como sendo a única estrutura a impor resistência ao ar durante o voo desses animais”, diz Cruz-Neto.

Além das tradicionais medidas associadas à morfologia das asas, o estudo também mediu a área da cabeça, orelha, patas e cauda. Essas medidas permitiram aos pesquisadores calcular a resistência ao ar que esses membros ofereciam ao voo dos morcegos.

Em seguida, com base no modelo que desenvolveram, os pesquisadores usaram esses dados para gerar valores de velocidade de voo esperadas em diferentes tipos de hábitats que os morcegos podem encontrar e a eficiência mecânica associada a essas velocidades.

Com os dados em mãos, eles acompanharam o deslocamento de voo de 30 morcegos de diferentes espécies da Austrália por meio de radares especiais que permitiam medidas acuradas da velocidade de voo.

Ao compararem os dados de voo com os valores esperados que haviam calculado, verificaram que o modelo conseguiu calcular a eficiência mecânica do voo com precisão de até 95%.

“Mostramos que existem outras variáveis que influenciam a capacidade de voo dos morcegos em diferentes ambientes”, esclarece o pesquisador. “Conseguir determinar esses parâmetros com maior precisão pode ajudar no desenvolvimento de estudos ecológicos.”