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MP dá poderes ao governo para adotar medidas emergenciais contra crise hídrica

Governo retirou do texto da MP trecho abria a possibilidade de se implementar um racionamento de energia para conter a crise hídrica

O governo federal publicou uma medida provisória (MP) que dá poderes excepcionais para o enfrentamento da crise hídrica ao ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. A MP foi publicada em edição extra no Diário Oficial da União (DOU) que circula nesta segunda-feira.

Após a repercussão negativa, o governo decidiu retirar o termo “racionalização compulsória” do texto. O trecho abria a possibilidade de o governo implementar um racionamento de energia. Não há mais nenhuma menção à programa de racionamento (corte compulsório no consumo de energia) ou a racionalização (incentivo à economia de energia).

Pela MP, todos os custos dessas decisões, financeiros e ambientais, serão pagos por meio de um encargo embutido na conta de luz – o Encargos de Serviço do Sistema (ESS), que é pago por todos os consumidores, sejam os cativos atendidos por distribuidoras, sejam os livres (grandes consumidores, como indústrias).

O governo trocou também o nome e a composição do grupo que poderá determinar mudanças nas vazões de reservatórios e hidrelétricas. Agora, as ações serão da Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (CREG) – na versão anterior, era Câmara de Regras Operacionais Excepcionais para Usinas Hidrelétricas (CARE).

O texto prevê que o ministro poderá praticar atos “ad referendum”, o que significa que Bento Albuquerque poderá definir medidas de forma individual, antes das deliberações com o restante das autoridades. Essas decisões deverão ser analisadas posteriormente nas reuniões.

Caberá ao comitê “adotar medidas emergenciais para enfrentar os riscos de escassez hídrica, a fim de garantir a continuidade e segurança do suprimento eletroenergético”. Presidido pelo ministro de Minas e Energia, o grupo será formado ainda pelos ministros do Desenvolvimento Regional, Agricultura, Meio Ambiente, Infraestrutura e da Economia – este último estava ausente na primeira versão da MP e foi incluído pelo novo texto.

A MP, porém, não traz muitos detalhes sobre o que seriam as “medidas excepcionais” que poderão ser adotadas.

Em 2001, o governo também formou um grupo para gerenciar a crise no setor elétrico. A Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica (GCE) foi criada por meio de medida provisória dois meses antes do início do racionamento. O grupo era presidido pelo ministro da Casa Civil do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Pedro Parente.

O texto da MP de 2001 já deixava claras as medidas que poderiam ser adotadas, como o funcionamento e as metas do programa emergencial de redução compulsória de consumo, medidas para atenuar os impactos da crise sobre crescimento, emprego e renda, propostas de diversificação da matriz energética, restrições ao uso da água de hidrelétricas e a cobertura das perdas das distribuidoras, que tiveram direito a reajustes extraordinários em razão dessas decisões.

A nova minuta excluiu a participação dos chefes da Casa Civil, ministério mais próximo da Presidência da República, e da Advocacia-Geral da União (AGU), além de dirigentes da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), da Agência Nacional de Águas (ANA), Ibama, Operador Nacional do Sistema Elétrica (ONS) e da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

O grupo definirá “diretrizes obrigatórias” para, “em caráter excepcional e temporário”, estabelecer limites de uso, armazenamento e vazão das hidrelétricas, estabelecer prazos para atendimento às diretrizes e requisitar informações técnicas de agentes do setor e de concessionários de usinas.

A câmara terá o poder de executar as medidas propostas pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), que não tem caráter determinativo e solicita que suas ações sejam adotadas pelos demais órgãos do governo, como Ibama e ANA. Segundo o texto, as deliberações terão “caráter obrigatório” para órgãos e entidades da administração pública federal, ONS, Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e concessionários do setor de energia, petróleo, gás natural e biocombustíveis.

O texto prevê que as regras para funcionamento da CREG deverão ser estabelecidas na primeira reunião do grupo. Assim como na primeira versão, a MP propõe que o grupo seja extinto no último dia útil de 2021, 30 de dezembro.

A medida provisória também vai permitir que o governo faça “contratação simplificada” de energia e de reserva de capacidade para enfrentar a crise. O texto não diz como isso será feito, mas, em tese, pode dispensar a realização de leilões. Não há restrições ao tipo de fonte que poderá ser contratada.

Furnas

O texto destaca que o comitê deverá “buscar a adequada compatibilização da política energética, de recursos hídricos e ambiental”, observadas as prioridades para consumo humano e a dessedentação de animais. Um dos parágrafos deixa claro que as vazões das hidrelétricas poderão ser reduzidas até um ponto em que “sejam superiores às vazões que ocorreriam em condições naturais, caso não existissem barragens na bacia hidrográfica”.

Isso significa que o Poder Executivo terá poder para adotar medidas que podem afetar negativamente lagos de regiões turísticas ou operações de hidrovias. O eventual impacto dependerá da capacidade de as vazões que ocorreriam em condições naturais garantirem o nível de água suficiente para viabilizar as atividades turísticas e de hidrovias.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já havia demonstrado publicamente incômodo com a publicação da MP, já que ela permitirá restringir o reservatório da hidrelétrica de Furnas, no sul de Minas Gerais, e priorizar o uso da água para energia.

Pacheco já fez críticas públicas à atuação do MME e do ONS. Para o senador, além de faltar planejamento ao setor, o governo ignora a realidade de uso múltiplo de águas em Minas Gerais. Cerca de 30 municípios no entorno de Furnas vivem de negócios como hotéis, pousadas e gastronomia, passeios de barco, pesca, criação de tilápia e irrigação para pequenas propriedades.

O senador foi articulador de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada no âmbito da Assembleia Legislativa de Minas Gerais que fixou a cota da usina em 762 metros. Com o apoio do governo à eleição de Pacheco no Senado, o ministro Bento Albuquerque ignorou o fato de que a PEC era inconstitucional, pois o rio atravessa outros estados e, por isso, a competência é federal. Albuquerque chegou a ir pessoalmente à usina, onde se comprometeu a manter o nível do reservatório imposto pela proposta.

Pacheco também conseguiu incluir uma emenda no texto final da MP da Eletrobras sobre o tema. Por meio dessa emenda, o governo deverá elaborar, em até 12 meses a partir da sanção da MP, um plano para viabilizar a recuperação dos reservatórios das hidrelétricas em dez anos. Deverão ser considerados, por exemplo, a priorização de usos múltiplos da água e a captação de água para consumo humano e animal.