Neste último domingo (6), o ex-presidente Jair Bolsonaro buscou, mais uma vez, exibir uma demonstração de sua força política por meio da convocação de uma manifestação de rua numa grande capital brasileira. Se o ato anterior ocorreu na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, este se concentrou na Avenida Paulista, em pleno coração da cidade de São Paulo.
A manifestação, que contou com cerca de 50 mil participantes, teve como mote principal a anistia aos participantes dos atos anti-democráticos de 8 de janeiro de 2023 e reuniu também diversas lideranças políticas da direita, em especial sete governadores: Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo; Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais; Ratinho Júnior (PSD), do Paraná; Ronaldo Caiado (União), de Goiás; Jorginho Mello (PL), de Santa Catarina; Wilson Lima (União), do Amazonas; e Mauro Mendes (União), de Mato Grosso.
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Para além dos apoiadores nas ruas, o jogo foi de ganha-ganha nos bastidores: Bolsonaro conseguiu uma foto com lideranças de peso na federação, enquanto os governadores buscavam se perfilar ao lado do ex-presidente para angariar o apoio e o voto do eleitorado bolsonarista.
Tal estratégia, contudo, guarda suas limitações e demonstra tanto os pontos fortes como as fragilidades desse campo político.
Iniciando pelo discurso de Bolsonaro, percebe-se que a pauta da anistia era apenas secundária e o principal recado do ex-presidente era que ele deve participar do pleito residencial de 2026, ainda que atualmente inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral e eventualmente condenado e preso pelo Supremo Tribunal Federal. Neste caso, seguiria o enredo de Lula em 2018: registra uma candidatura que sabe irreal, com fins de transferir seus votos para o candidato a vice, seu provável substituto.
Aqui, a especulação recai sobre os familiares – em especial os filhos Flávio e Eduardo e a esposa Michelle – que, inclusive, participaram da manifestação, com exceção de Eduardo, radicado nos Estados Unidos da América, com discurso de auto-exílio e de manutenção de contatos estreitos com a entourage de Donald Trump. Ao levar a cabo tal estratagema, Bolsonaro acaba por interditar a raia da direita na corrida presidencial e submete alguns dos governadores supracitados a um humilhante compasso de espera.
Em um momento no qual o governo federal sob Luiz Inácio Lula da Silva encontra-se fragilizado ante uma péssima situação de impopularidade junto ao eleitorado – inclusive nas fatias que sempre lhe foram mais fieis, como a baixa renda e os nordestinos – a direita, sequestrada pelo plano de sucessão familiar de Bolsonaro, não logrou se reunir em torno de uma única liderança e de esgrimir um discurso que abarque os seus e também o centro, o que seria fundamental para garantir a vitória na eleição do próximo ano.
O caso mais emblemático é o do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, cujo dilema sobre a candidatura presidencial recai sobre a necessidade de desincompatibilização do cargo até abril do ano que vem, caso queira buscar o Palácio do Planalto em 2026. Caso adie tal projeto para 2030, Tarcísio permaneceria no cargo para buscar a reeleição e não poderia, por força da lei eleitoral, despontar como um eventual “plano B” de seu campo político. Tal escolha vem sendo observada de perto, inclusive por aqueles que cobiçam o mais alto posto do estado, com destaque para o poderoso secretário de governo Gilberto Kassab (PSD) e o prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB).
Os demais contendores que ali buscavam voos mais altos – Caiado, Zema e Ratinho Jr. – já estão cumprindo seu segundo mandato e não teriam que enfrentar esta data-limite, seja na busca de um projeto presidencial, seja numa eventual aposta mais segura de uma cadeira no Senado Federal. Cabe lembrar, inclusive, que boa parte dos esforços da direita – em especial do bolsonarismo – serão direcionados à disputa pelo Senado em 2026, dada a necessidade de uma maioria naquela casa para:
i) barrar projetos de um eventual presidente de esquerda,
ii) dar governabilidade a um eventual presidente de direita e
iii) enfrentar o Supremo Tribunal Federal, com ameaças de impedimento do mandato dos ministros daquela Corte.
Diante desse intrincado xadrez, o mote central da anistia parece ser a menor das preocupações das lideranças naquele encontro. O papel de defender a pauta foi terceirizado para o pastor Silas Malafaia, que buscou constranger o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), a pautar a urgência do processo, ameaçando inclusive articular os manifestantes no estado natal do político, a Paraíba, em suas próximas edições.
A julgar pela repercussão durante a semana no Congresso Nacional, os efeitos do ato para esse fim parecem limitados. Em primeiro lugar, a quantidade de apoiadores, apesar de ser maior que no Rio de Janeiro, não logrou reunir mais que nos anos anteriores e nem representam uma comoção na opinião pública, a qual se mostra contrária ao tal instituto da anistia, por meio das mais recentes pesquisas de opinião.
Além disso, a “faca no pescoço” de Motta parece ter abespinhado o líder maior dos deputados, que reprisou o discurso de seu homólogo no Senado, o presidente Davi Alcolumbre (UB), para quem a anistia não seria a prioridade do país no momento, diante de problemas internos e externos, sobretudo na esfera econômica.
Por fim, é preciso notar que há pouca vocação dos congressistas para ampliar a crise contra o Poder Judiciário, sobretudo contra o Supremo Tribunal Federal, que dispõe de poderes constitucionais para lhes trazer uma boa dose de dissabores tanto na esfera eleitoral como na esfera parlamentar. Se “comprar a briga de Bolsonaro” na retórica pode atrair seus apoiadores, empreender iniciativas reais contra os ministros do Supremo não parece ser um bom plano para o dia seguinte.
O balanço do ato na Paulista resta, portanto, ambíguo. Por um lado, trata-se de uma demonstração de forças de um líder político sem grandes perspectivas imediatas de poder, reunindo lideranças e apoiadores para uma fotografia de impacto. De outro, é preciso notar que a multidão que o acompanha segue em declínio e não reflete a opinião da maioria dos brasileiros, enquanto as lideranças políticas parecem estar mais preocupadas com suas respectivas agendas próprias que com a anistia ou a situação jurídica do ex-mandatário, cujas chances de condenação e eventual prisão se intensificam a cada dia.
Em suma: com o espaço aberto pela crise do governo e pela desarticulação da liderança na direita, crescem as chances de um pleito tanto acirrado quanto atípico e pouco espaço para uma estabilidade tão necessária, dadas as pressões que vêm de dentro como as que vêm de fora de nossas fronteiras.

*Leandro Consentino é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), atua na como docente desde 2010 e, atualmente, é professor de graduação em Economia e Administração e do Programa Avançado em Gestão Pública do Insper
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