Pecuária

Quais as alternativas para o desenvolvimento da caprinocultura leiteira?

Pesquisa da Embrapa evidencia uma realidade de dependência de programas públicos para comercialização do leite caprino e seus derivados

Pesquisa coordenada pela Embrapa, em parceria com as universidades Nacional Autónoma do México (Unam) e Estadual Paulista (Unesp), traçou um panorama sobre a caprinocultura leiteira na divisa entre os estados da Paraíba e de Pernambuco, região de maior produção do país. Os dois estados, juntos, respondem por 50% da produção de leite de cabra do Nordeste e 35% dos cerca de 26 milhões de litros da produção brasileira. O objetivo dos pesquisadores foi compreender melhor a realidade e avançar em soluções sustentáveis para os principais desafios dos sistemas produtivos locais. Os resultados do trabalho estão publicados em artigo na revista científica Small Ruminant Research.

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Com base nos dados levantados junto a 334 propriedades rurais na Paraíba e 220 propriedades em Pernambuco, a pesquisa evidencia uma realidade de dependência de programas públicos para comercialização do leite caprino e seus derivados, assim como fragilidades na segurança alimentar dos rebanhos, alta taxa de lotação — concentração de animais em uma mesma área de pastagem — e necessidade de alimentos externos para composição das rações. A pesquisa aponta também possíveis soluções, como a adoção de tecnologia, mudanças de manejo (especialmente de pastejo e melhoramento animal), além da busca por novos canais de comercialização da produção.

Segundo a pesquisadora Nívea Felisberto, da Embrapa Caprinos e Ovinos, integrante da equipe da pesquisa, a busca pelo diagnóstico da realidade da caprinocultura leiteira na região da divisa, que compreende territórios do Cariri (PB), Sertões de Moxotó/Pajeú (PE) e Agreste Central/Meridional (PE), foi motivada pela necessidade de encontrar soluções para problemas como baixa adoção de tecnologias e baixo índice de continuidade de ações de projetos na região, principalmente junto ao público da agricultura familiar.

“Assim, entender o perfil produtivo, econômico, ambiental e social dessas famílias nos pareceu fundamental para entrarmos no agroecossistema, conhecermos sua estrutura e funcionamento e contribuirmos na busca e/ou construção coletiva de soluções”, ressalta Nívea, conforme divulgado pela equipe de comunicação da Embrapa.

Informações da pesquisa sobre a caprinocultura leiteira

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Foto: Maíra Vergne/Embrapa

A pesquisa evidencia que a produção de leite de cabra ainda é dependente de políticas públicas para a comercialização do produto e de seus derivados. De acordo com os autores, os programas trazem vantagens: quase todo o leite caprino produzido no Nordeste é adquirido pelo programa de aquisição de alimentos do governo federal [Alimenta Brasil, que substituiu o antigo Programa de Aquisição de Alimentos – PAA]. A garantia desse mercado, inclusive, alavancou a atividade, fazendo com que várias propriedades passassem a explorar a caprinocultura leiteira como principal atividade comercial na Paraíba e em Pernambuco a partir de 2000. Os pesquisadores ressaltam, porém, que um mercado restrito à venda para políticas públicas acaba limitando a produção de leite de cabra.

“Encontrar um mercado para o leite com compra constante seria muito difícil” — Leandro Oliveira

“A principal vantagem está na garantia de compra do leite, tendo em vista que o hábito de consumo do leite fluído caprino na região é pequeno e, por esse motivo, encontrar um mercado para o leite com compra constante seria muito difícil. Em situação de funcionamento normal, o programa paga mensalmente ao produtor, garantindo entradas mensais de recursos, dinâmica que não acontece na pecuária de corte. No entanto, com as cotas físicas ou financeiras impostas, a renda líquida mensal oriunda da produção apenas destinada ao programa apresenta-se como recurso insuficiente para promover a manutenção da família rural, pesando na constância e permanência dos agricultores na atividade”, destaca Leandro Oliveira, analista da Embrapa Caprinos e Ovinos, que integra a equipe da pesquisa e levantou dados da região para sua tese de doutorado.

Segundo o zootecnista Cláudio Inojosa Júnior, integrante da Cooperativa de Beneficiamento de Leite em Lage do Carrapicho (Coobelac), em Alagoinha, no agreste pernambucano, as políticas de aquisição de alimentos incrementaram a produção de leite caprino na região, mas é preciso superar entraves para favorecer a comercialização de produtos, como queijos, doces e outros derivados. “Devemos buscar medidas de escoamento dessa produção. A caprinocultura aqui em nossa região precisa dar novos passos na comercialização”, avalia ele.

Caprinocultura leiteira: comercialização e financiamento

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Foto: Maíra Vergne/Embrapa

Para os autores do estudo, uma forma de impulsionar o aumento e a comercialização do leite caprino na região é incentivar a valorização dos recursos locais e a implantação de certificações, como a indicação de procedência, que considera modo de preparo e comercialização dos produtos tradicionais. Uma boa referência seria o arranjo adotado por pequenos produtores de queijos das serras de Minas Gerais (Canastra, Salitre e Serro) que, com apoio político-institucional de diversas organizações governamentais e não governamentais, conseguiu impulsionar as cadeias produtivas em âmbito local.

“A linha seria conseguirmos encontrar produtos e tecnologias de beneficiamento” — Cláudio Inojosa Júnior

“A agregação de valor, beneficiando o leite, é uma das saídas, se não a principal saída pra isso. A linha seria conseguirmos encontrar produtos e tecnologias de beneficiamento. E depois buscar mais praças e canais de comercialização. Ainda não existe muito queijo de cabra no mercado. É muito aquém do que é demandado, sobretudo nas grandes praças”, considera Cláudio Inojosa Júnior.

Outro aspecto importante apontado pela pesquisa é a necessidade de financiamento para a atividade. O artigo frisa que os sistemas de produção de caprinocultura leiteira na região, compostos prioritariamente por pequenas propriedades rurais com base na agricultura familiar, têm tendência à multifuncionalidade, mas possuem baixo poder de investimento.

De acordo com a pesquisa, uma alternativa é buscar linhas de investimento que considerem a diversidade de atividades produtivas praticadas nessas propriedades, o que pode ser foco de atenção, inclusive, de políticas públicas para o setor. “Financiar soluções importantes para o aumento da sustentabilidade das unidades, como, por exemplo, ampliar disponibilidade e diversidade forrageira, além de reduzir a necessidade de consumo de insumos externos mais expostos às oscilações de preço no mercado”, sugere Leandro Oliveira.

Valorização de recursos naturais locais

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Foto: Gonzaga Queiroz /Embrapa

Além das questões relacionadas ao mercado e à comercialização dos produtos, a pesquisa da Embrapa indica que a valorização de recursos naturais locais (plantas forrageiras, raças localmente adaptadas) também é uma alternativa para a caprinocultura na bacia leiteira entre Pernambuco e Paraíba. “Isso inclui a conservação de recursos naturais (solo, água, vegetação nativa etc.), conhecimentos tradicionais e produtos locais”, explica Nívea Felisberto.

Segundo a pesquisa, o caminho futuro pode ser o de uma transição para práticas agroecológicas, buscando técnicas de convivência com o Semiárido. Essa alternativa contemplaria maior utilização de pastagens com recursos alimentares diversos (reduzindo a necessidade de insumos externos, como a compra de alimentos concentrados) e o uso das raças adaptadas às condições socioambientais.

“O manejo da Caatinga tem potencial para elevar a oferta de forragem” — Leandro Oliveira

Entre as soluções sugeridas, estão técnicas de manejo da Caatinga, que podem aumentar a capacidade de suporte para pastejo dos animais e também a implantação ou ampliação de áreas de palma forrageira, consorciadas ou não com culturas anuais mais adaptadas ao semiárido, como sorgo e milheto, para produção e conservação de forragem. “O manejo da Caatinga tem potencial para elevar a oferta de forragem, conservando espécies nativas e reduzindo o risco de desertificação. Além disso, trata-se de uma solução baseada no aumento da capacidade de produção de insumos da propriedade e não de introdução de insumos externos”, ressalta Leandro Oliveira.

O uso de animais de raças adaptadas também pode favorecer outra fonte de renda para a caprinocultura leiteira local: a comercialização de matrizes e reprodutores para reposição em outros rebanhos, que pode agregar valor aos animais, permitindo vendê-los pelo dobro ou mais do valor do animal que seria destinado ao abate. Segundo o artigo, uma alternativa são as abordagens participativas para implementação de programas de melhoramento genético de caprinos que considerem características produtivas e climáticas da região, permitindo aos criadores locais definirem seus objetivos e critérios de seleção.

A abordagem da pesquisa traz, ainda, indicações sobre alguns grupos de pessoas, especialmente agricultores mais velhos e os jovens do espaço rural na região. Para os primeiros, são indicadas ações que permitam a presença deste público em partilhas de conhecimento sobre os modelos de produção. Aos jovens, a sugestão é por políticas que ofereçam melhores oportunidades econômicas, educacionais e de conectividade social com outros grupos e regiões.

4 curiosidades sobre o leite caprino no Brasil

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Foto: Maíra Vergne/Embrapa
  1. O Brasil produz cerca de 26 milhões de litros de leite caprino por ano, em 15.720 propriedades rurais;
  2. Somente a Região Nordeste é responsável por 70% dessa produção (cerca de 18 milhões de litros/ano), em 13.053 propriedades;
  3. Os principais estados produtores de leite de cabra são Paraíba e Pernambuco, que juntos respondem por 50% da produção de leite do Nordeste e 35% da produção brasileira;
  4. As microrregiões que estão na divisa entre Paraíba e Pernambuco — Cariri paraibano, Sertões de Moxotó e Pajeú (PE), Agrestes Central e Meridional (PE) — são responsáveis por uma produção anual de 7,4 milhões de litros de leite caprino, ou seja, 81% da produção total desses estados; 77% dessa produção é comercializada, gerando receita anual de R$ 10,4 milhões.

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Editado por: Anderson Scardoelli.

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