Alcançar a qualidade da soja brasileira ainda é um desafio para os produtores dos EUA

Apesar das vantagens competitivas dos produtores dos Estados Unidos, melhorar a qualidade da soja produzida no país ainda é um desafioAs diferenças entre a agricultura praticada no Brasil e nos Estados Unidos são grandes em relação ao clima, tecnologia e infraestrutura. Muitas vezes, os americanos levam vantagem na competição com os produtores brasileiros, principalmente da porteira para fora. Mas mesmo diante de tantos benefícios, os americanos estão de olho no que acontece nos campos brasileiros e correm para tentar produzir soja com tanta qualidade quanto a nossa.

Belas cidades, paisagens, histórias. Nos seis dias da nossa expedição pelo Meio Oeste americano, rodamos mais de três mil quilômetros. Várias visitas a propriedades rurais, conversas com produtores e muitas comparações entre a realidade da agricultura no Brasil e nos Estados Unidos. A reportagem do Canal Rural encontrou pessoas que já estão há décadas no campo e não pensam em abandonar a atividade. Como as fazendas geralmente são pequenas, é comum os próprios donos realizarem os serviços do dia a dia. Quando há funcionários, as relações trabalhistas são bem diferentes das nossas. Os trabalhadores, por exemplo, não têm direito a férias anuais. Este período é condicionado ao tempo de serviço prestado e varia de caso para caso. Além disso, as responsabilidades do empregador são bem menores do que no Brasil.

– Quanto à legislação trabalhista, nos EUA impera mais o bom senso e não há aquele paternalismo que impera no Brasil, onde empregado é totalmente protegido pelo Estado e o empregador fica com ônus e é quem realmente tem que responder caso exista algum problema. Aqui o empregador disponibiliza os equipamentos, mostra como executar as tarefas e o empregado deve – por sua conta – utilizar as coisas de forma adequada. Caso ocorra um acidente, o empregador não é penalizado por isso, o empregado é que fica com dificuldade. No Brasil é o contrário, qualquer coisa que acontece com o funcionário é o empregador quem acaba respondendo por isso – diz Fabrício Rosa, diretor executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil).

Outra grande e conhecida diferença é a infraestrutura. É fácil entender porque os agricultores americanos gastam bem menos que os brasileiros na hora de escoar os grãos. Rodovias em condições perfeitas, hidrovias bem exploradas e ferrovias que passam em frente às plantações. Tudo isso somado à capacidade de armazenagem instalada nas próprias fazendas.

Mas mesmo diante das imensas vantagens competitivas que os produtores norte-americanos possuem, eles parecem estar muito atentos aos pontos em que são superados pelos agricultores brasileiros. Entre eles, a qualidade da soja, que é muito superior à produzida no país.

Enquanto o grão colhido em Mato Grosso pode ter até 42% de proteína e 22% de óleo, o que é produzido nos Estados Unidos tem apenas 37% de proteína e 20% de óleo. Essa diferença preocupa os americanos. O produtor rural Tim Seifert é dono de uma área experimental onde são feitas pesquisas com defensivos químicos. O agricultor acompanha o desempenho da produção brasileira e acredita que nos próximos anos os Estados Unidos vão precisar melhorar a qualidade da soja colhida por lá. Segundo Seifert, os pesquisadores querem tornar as lavouras mais produtivas, mas também buscam aumentar os teores de óleo e proteína contidos no grão.

– Como a soja brasileira tem mais qualidade, os americanos podem ser pressionados no futuro pelos mercados compradores.

O Brasil tem lugar de destaque na produção de soja, e os norte-americanos reconhecem isso e buscam informações sobre a agricultura brasileira. Em todas as propriedades que a reportagem do Canal Rural passou, foi questionados sobre a safra brasileira, previsões de aumento da área plantada e estimativas de colheita. O motivo: pela primeira vez o Brasil deve ultrapassar os Estados Unidos e se tornar o maior produtor da oleaginosa no mundo.

Para o representante da Associação Americana de Sojicultores, Stephen Censky, a troca de liderança é uma consequência da realidade distinta entre os dois países. Além da quebra da atual safra americana, o Brasil ainda pode ampliar a área das lavouras, enquanto os agricultores dos Estados Unidos não têm mais esta opção. Segundo ele, o Brasil não é mais visto como um competidor, mas sim como um aliado.

– A visão mudou porque o mercado internacional deixou de ser de oferta e passou a ser de demanda. Hoje existem compradores para os dois países e ambos podem atuar como complementares já que produzem em épocas diferentes do ano – diz Censky.

Os americanos apostam no crescimento natural da demanda por alimentos, mas já trabalham hoje para garantir espaço entre os futuros consumidores. Em um encontro do setor, o diretor da Associação dos Produtores de Soja do Estado de Iowa falou sobre algumas estratégias adotadas. Os Estados Unidos enviaram representantes a oitenta países para promover a soja, incentivando o uso do produto na alimentação humana e animal. Um dos trabalhos é na Índia, o quarto maior exportador mundial de farelo de soja.

Para o diretor do Iowa Soybean Association, Ggrant kimberley, o objetivo é ampliar o consumo de soja no mundo. Na Índia, segundo ele, a meta é incentivar a população mais jovem a consumir mais carnes, por exemplo, fazendo com que o país aumente o uso do farelo que produz, abrindo novos espaços para o grão produzido na América do Norte.

Com este olhar focado no futuro da soja, a reportagem do Canal Rural encerra a expedição pelo Meio-Oeste americano. Na bagagem, histórias, retratos de uma safra atingida pela seca e exemplos de políticas que podem ajudar a aumentar nossa competitividade. Afinal, se o Brasil vai se tornar o número um na produção mundial de soja, precisa trabalhar para superar os desafios internos, evitando que estes obstáculos possam ameaçar a conquista brasileira.

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