Nova lei de licenciamento ambiental pode ignorar principais demandas do agronegócio

Setor pede dispensa total de licenciamento ambiental e do Estudo de Impacto Ambiental para algumas atividades; em entrevista exclusiva ao Canal Rural, a presidente do Ibama conta quais são os pontos em que não há consenso

Licenciamento ambiental eficaz com prazo definido, critérios mais objetivos e menos burocracia é o que o governo federal pretende conseguir com o texto de uma nova lei que está sendo construído a várias mãos e deve ser enviado em breve para o Congresso Nacional. A proposta, que ainda não está totalmente fechada, pode incluir uma lista de atividades que serão dispensadas da licença obrigatória, na qual o setor agropecuário quer estar.

Outra novidade é a avaliação da necessidade de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) por meio do cruzamento de dados, como tipo de empreendimento, porte, características e relevância ambiental da área. A intenção é excluir serviços e gastos desnecessários para os órgãos governamentais e aos empreendedores.

Em entrevista exclusiva ao Canal Rural, a presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), Suely Araújo, conta quais são os pontos em que não há consenso na construção dessa nova proposta de Lei Geral do Licenciamento Ambiental.

O governo trabalha em um texto alternativo para incorporar ao Projeto de Lei 3729/2004, em tramitação na Câmara dos Deputados. Ela ressalta que todos os setores produtivos vão precisar ceder e que os bancos querem financiar apenas atividades corretamente licenciadas.

Sem detalhar pontos do novo projeto que interferem diretamente na vida de agricultores e pecuaristas, a presidente destacou os objetivos da nova legislação. “O licenciamento ambiental não pode ser entendido como um entrave a ser superado. Ele é um elemento necessário do processo decisório dos empreendimentos. O que a gente quer é ter atenção para os empreendimentos que realmente merecem atenção do órgão ambiental, em termos de maior detalhamento no processo, e poder simplificar um pouco os procedimentos em que você não esteja em áreas tão frágeis ou para empreendimentos que claramente não são impactantes”.

CR – Como está a construção do texto da nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental? Vai ser buscado o entendimento entre o setor agropecuário e o ambiental para a tramitação do PL 3729/2004 na Câmara dos Deputados?

Suely Araújo – O governo federal, desde junho, vem tentando construir um texto de consenso no governo com vistas a essa Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Estamos finalizando o texto, esse trabalho envolveu praticamente todos os ministérios, e hoje está sob a coordenação da Presidência da República. Estamos com nível de consenso internamente do governo elevado, espero que nos próximos dias esse esforço já esteja traduzido num texto em plena negociação com o parlamento. É uma lei ampla, com normas gerais, que vão se aplicar ao licenciamento realizado tanto aqui pelo Ibama quanto pelos estados, Distrito Federal e municípios. A ideia é uma lei com normas básicas, que se apliquem a todos os tipos de licenciamento, e por isso mesmo a lei não chega a entrar em detalhes sobre processos de licenciamentos específicos, como de hidrelétricas ou rodovias. É uma lei geral. Ela quer dar a essência do que é o processo de licenciamento ambiental e ela quer que essa regra geral, essa lógica geral, se aplique pra todo licenciamento no país e garanta com isso segurança jurídica. Com isso, você não elimina a legislação estadual, a legislação municipal. Os estados vão poder legislar especificando mais tudo isso. Eles não vão poder é contrariar as normas gerais. Os estados sempre podem legislar supletivamente à legislação nacional nessa área de acordo com as suas peculiaridades. O que eles não podem é entrar em conflito com o que a norma geral estabelecer.

CR – Vai ser um texto substitutivo que o relator do PL 3729/2004 vai apresentar? Existe estimativa de quando pode ir à votação?

Suely Araújo – Pessoalmente não poderia afirmar em datas, mas existe um texto fechado com poucos registros de dissensos internos ao governo. Estamos nesse esforço final de eliminar esses dissensos pontuais. Há várias formas de isso ser encaminhado ao Congresso, mas está sendo construído como um substitutivo a ser acrescido ao processo da Lei Geral que é do PL 3729. Essa decisão política, de que forma encaminhar isso ao Congresso, caberá ao próprio presidente da República. Está numa esfera política que sai da parte técnica, do meu poder decisório.

CR – Entre esses pontos em que falta consenso, alguns são referentes ao setor agropecuário. Por exemplo, é possível a Lei Geral trazer isenção de licença total para a atividade agropecuária?

Suely Araújo – A posição do Ministério do Meio Ambiente é que a lei deveria dar um procedimento de como essas dispensas de licenciamento vão ser estabelecidas. Essa posição é pública, o ministro já externou. Então a lei não deveria trazer uma lista de dispensas, mas sim dar o processo, explicitar o processo pelo qual essas licenças serão estabelecidas. Existe uma demanda não só do setor agropecuário, como de outros setores, de que nessa lei já conste uma lista mínima de dispensas que poderia ser completada depois por legislação estadual ou resolução do Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente). Esse é um dos pontos que estão em pauta, em que a posição do governo não está fechada. Mas nós estamos, sim, debatendo uma lista de possíveis dispensas. Não posso afirmar se vai sair essa lista ou não. É um dos pontos que ainda temos que fechar, estamos nesse trabalho final. Pessoalmente, do ponto de vista técnico, eu só alerto que mesmo os estados que trabalham com dispensas nas suas legislações para atividades agropecuárias, eles não fazem isso de forma total. Então, se pegar a legislação da Bahia, que tem sido bastante debatida ultimamente, lá a pecuária intensiva, confinada, tem licenciamento ambiental; agroindústria, se não for artesanal, também tem licença ambiental; se eu for fazer silvicultura e nesse projeto incluir obras civis, como estradas ou serrarias, eu também teria que ter licença. Mesmo naqueles que defendem a dispensa geral de licenciamento, a gente acredita que, até por questão de racionalidade, você tem que botar limites. A discussão está ocorrendo internamente no governo, não temos decisão final sobre isso e vai ser negociado com o setor. No Congresso, a representação é forte do setor, esse debate vai ocorrer. Qualquer lei complexa você tem que sentar com todo mundo e tentar construir consensos, e nesse processo todas as partes têm que ceder um pouco. Acredito que não vai ser dispensa geral, ampla, total e irrestrita, não sei nem se vai sair a dispensa na lei, mas isso está sendo debatido.

CR – A dispensa depende do tamanho do impacto de cada atividade. Para uma atividade de plantio, por exemplo, que impacto é pequeno, essa dispensa ficaria mais fácil? Essa lista pode trazer isso ou uma lista para aplicar a metodologia? Como funcionaria?

Suely Araújo – Não é só o setor agropecuário que quer dispensa. O setor de saneamento defende licenças, de regularização de favelas também. A posição do MMA é para jogar essa discussão para outros fóruns: Conama, conselhos estaduais. Temos que fixar a metodologia. Essa posição é do MMA e do Ibama, mas não é do governo. O governo não defende necessariamente que tenha dispensa, ele está discutindo o tema.

CR – E quanto à dispensa do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), como vai ficar na lei?

Suely Araújo – A lei trabalha com uma nova metodologia de fixação dos casos dos Estudos de Impacto Ambiental. Considero inovação grande e importante da proposta. Estamos propondo que sejam considerados alguns critérios, como o tipo de empreendimento, seu porte, cruzado com a questão da relevância ambiental da área. Estamos chegando a critérios bem objetivos exatamente pra dar resposta a essas críticas para questão da definição da relevância ambiental da área ser o menos subjetiva possível, mapeada, previamente clara, para que o empreendedor já saiba se o seu empreendimento antes de apresentar o processo de pedido de licença, ele já saiba onde que está caracterizado o seu empreendimento em termos desses critérios de relevância ambiental da área. Pra considerar se um projeto está sujeito a EIA ou não, você vai ponderar o tipo de empreendimento, o impacto ambiental esperado daquela categoria de empreendimento, o porte, se é pequeno, médio ou grande, e as características da área. Quando a gente fala em meio ambiente, isolar isso e não ponderar as características da área é gerar demandas desnecessárias, estudos ambientais em áreas que não seriam necessárias. Então, o que a gente quer é ter atenção para os empreendimentos que realmente merecem atenção do órgão ambiental, em termos de maior detalhamento no processo, e poder simplificar um pouco os procedimentos em que você não esteja em áreas tão frágeis ou para empreendimentos que claramente não são impactantes.

CR – Como pode ser feito esse mapeamento? O Cadastro Ambiental Rural (CAR) é um instrumento que pode ajudar nessa questão?

Suely Araújo – O CAR ajuda toda questão de mapeamento das áreas rurais, mas não é só o CAR. O que a gente está imaginando é considerar a questão se é uma área que tem previsão de criação de Unidade de Conservação, por exemplo. Se é área frágil do ponto de vista de risco geológico, de inundações, se é uma área urbanizada, se é uma área claramente consolidada do ponto de vista de ocupação, se é área que tem terras indígenas ou não. A ideia é usar critérios mapeáveis. E aí os órgão ambientais trabalhariam com ponderações. Você estar em um desses critérios já não gera o EIA. Você precisa de uma sobreposição de critérios, que vai gerar um mapa em que vão estar definidas as áreas de baixa relevância ambiental, média, alta e muito alta. A partir desse mapeamento você faria o cruzamento com a tipologia e o porte do empreendimento e definiria nessa matriz o que tem EIA e o que não tem. É uma metodologia nova, eu considero um dos avanços importantes da nova proposta de lei.

CR – Outra questão colocada pela bancada ruralista e pela CNA é a dispensa do seguro ambiental com corresponsabilidade dos bancos. O setor reclama que os bancos não financiariam esses empreendimentos sendo corresponsáveis tendo algum impacto ambiental muito forte. Como está essa demanda?

Suely Araújo – Tive duas reuniões com pessoal dos bancos discutindo essa lei e a postura que me passaram, da Febraban, é que os bancos estão a favor de uma lei rigorosa de licenciamento, bem clara e definida. Estão na linha de que só vão dar crédito para aquilo que tem licença. Não vemos grandes preocupações. Em relação à corresponsabilidade, na verdade isso não consta no texto. Não sei qual versão que o pessoal do setor fez essa crítica, mas que eu me lembre, com esses termos, nunca constou do texto.

CR – Essa lei vai desburocratizar e tornar mais rápido e mais barato o processo para o produtor rural obter o licenciamento ambiental?

Suely Araújo – O licenciamento ambiental não pode ser entendido como um entrave a ser superado. Ele é um elemento necessário do processo decisório dos empreendimentos. Queremos que ele perca esse símbolo de entrave, não é essa a ideia porque ele nunca foi isso, na verdade. É todo um esforço de isso ser refletido em alguns textos no Congresso, quanto nesse construído no governo. A ideia é a licença ambiental como uma ferramenta importante pra garantia de padrões ambientais adequados. Ela não é muro a ser pulado, entrave a ser superado. Para garantir isso estamos trabalhando sim com licenciamento simplificado quando possível. Quanto aos prazos, é menos redução e mais fixação de prazo que possam ser realmente cumpridos, com eliminação de exigências desnecessárias, com novas ferramentas importantíssimas, como a avaliação ambiental estratégica de programas e planos governamentais. Se for aprovada a avaliação acredito que isso depois pode ajudar muito no licenciamento de empreendimentos que estão inseridos nesses programas governamentais. São ferramentas que vão caminhar para agilizar os processos de licenciamento.

CR – A lei interfere nas atribuições do Conama? O setor demanda que o órgão não seja o único responsável por licenças.

Suely Araújo – A lei geral não vai tratar de competências de União, estados, Distrito Federal e municípios, é uma lei geral aplicável a todos os licenciamentos, seja do Ibama, os federais ou dos estados e municípios. A questão do Conama é diferente. Ele tem poder normativo, complementar à legislação ambiental, garantido pela lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que é uma lei de 1981, a principal do país. O Conama não vai perder esse poder normativo, a lei não está tratando de rediscutir o Conama, a proposta não é essa. O Conama vai continuar normatizando em termos de licenciamento ambiental? Alguma coisa vai sim. Porque a lei não trata de licenciamentos específicos e tem horas que eu preciso de normas nacionais até por segurança jurídica. O Conama vai poder continuar complementando a legislação, assim como os estados fazem isso, os municípios fazem. Quando que o Conama atua? Quando há necessidade de regras que tenham lógica nacional. A lei não elimina a possibilidade de o Conama estabelecer normas de licenciamento, não.