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STF: julgamento sobre compra de terras por estrangeiros é interrompido após voto de relator

Julgamento virtual iniciado à meia-noite desta sexta-feira, 26, questiona a constitucionalidade de empresas brasileiras com capital estrangeiro serem equiparadas a empresas estrangeiras na legislação de aquisição de terras

Ministro Alexandre de Moraes fez o pedido de vista dos processos. Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Na manhã desta sexta-feira, 26, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, pediu vista dos processos que questionam a constitucionalidade da equiparação de empresas brasileiras, que possuem participação de capital estrangeiro, à empresas estrangeiras no processo de compra de terras. Os julgamentos virtuais da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 342 e da Ação Cível Ordinária (ACO) 2463 foram iniciados na madrugada desta sexta-feira e tinham prazo previsto de término na próxima sexta, dia 5 de março.

Apesar de serem ações com contextos diferentes, os processos foram unidos por apresentarem conflito com o mesmo dispositivo legal: o primeiro parágrafo do artigo primeiro da lei 5.709 de 1.971, que regula a aquisição de imóvel rural por estrangeiros no país. Este trecho define que “a pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no exterior” estão sujeitas ao regime estabelecido pela lei.

Por conta desta equivalência, empresas nacionais com participação de capital estrangeiro possuem restrições para compra de terras. Para adquirir até 100 Módulos de Exploração Indefinida (MEI) de terras é necessário apresentar um projeto de exploração da área ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que poderá conceder ou não autorização para compra. Acima desta medida a aquisição depende de aprovação pelo Congresso Nacional. A medida de um MEI varia, de acordo com região e município, entre 5 e 100 hectares.

Na ADPF 342, movida pela Sociedade Rural Brasileira (SRB), a entidade alega que a lei viola os preceitos fundamentais da livre iniciativa, do desenvolvimento nacional, da igualdade, de propriedade e de livre associação. Para a SRB, a equiparação ainda contraria a Constituição Federal, já que ela diferencia apenas empresas nacionais de estrangeiras, não fazendo menção às pessoas jurídicas nacionais com capital estrangeiro.

Já na ACO 2463, movida pela União e pelo Incra, a Advocacia-Geral da União (AGU) pede a anulação de um parecer – já com efeitos suspensos – emitido pela Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo para que tabeliães e oficias de registro não levassem em consideração o regramento da lei 5.709/1.971 para empresas nacionais constituídas de capital externo. Antes deste parecer, em 2012, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo havia decidido que o parágrafo primeiro do artigo primeiro da lei não era recepcionado pela Constituição.

Para o advogado Jorge Henrique de Oliveira Souza, que representa a SRB, o tratamento dado às empresas nacionais é discriminatório. “A disposição da lei 5.709 era admissível à luz da Constituição de 1967, da emenda constitucional 01 de 1969, que no artigo 153 conferia liberdade ao legislador infraconstitucional para limitar a aquisição de terras seja para brasileiros, seja para estrangeiros. Essa limitação não existe mais na Constituição de 1988. Tanto é que em duas oportunidades a própria AGU se manifestou pela não recepção do dispositivo na Constituição”, argumentou.

Mas, antes dos julgamentos serem interrompidos pelo pedido de vista feito por Moraes, o relator das ações, ministro Marco Aurélio, já havia manifestado voto. Para o decano, os questionamentos da constitucionalidade do dispositivo legal são improcedentes. Para ele, por mais que a Constituição não faça distinção explícita da empresa brasileira com capital estrangeiro ao tratar de compra de terras por estrangeiro, há dispositivos que permitem a interpretação da lei visando a defesa da soberania nacional.

“A aquisição indiscriminada de imóveis rurais por estrangeiros e, em via transversa, pessoas jurídicas constituídas sob as leis nacionais, mas controladas pelo capital estrangeiro, pode acarretar violação da independência do País. A ausência de regulação compromete o aspecto externo da soberania, ao permitir que parcela do território seja submetida à vontade de pessoas de fora”, defende Marco Aurélio no voto sobre a ação movida pela SRB.

O Canal Rural entrou em contato com a SRB e a entidade disse que vai se pronunciar após o término do julgamento. Com o pedido de vista, as duas ações estão com julgamentos suspensos e sem data prevista de retomada.

Debate no Congresso

A discussão, rapidamente retomada no Supremo nesta sexta-feira, também movimenta o Congresso Nacional. Em dezembro, um projeto de lei de autoria do senador Irajá (PSD-TO), que pretende mudar a regulamentação sobre aquisição de terras por estrangeiros, foi aprovado no Senado. Entre as mudanças propostas na matéria, está a exclusão de empresas brasileiras com capital estrangeiro das restrições aplicadas às pessoas físicas e jurídicas estrangeiras.

Apesar de manter os limites já previstos na legislação atual de aquisição de até 25% da superfície territorial de municípios brasileiros e de até 10% por uma mesma nacionalidade, o texto do projeto de lei causou polêmica e grande repercussão ao trazer o tema novamente à luz. Irajá é membro da Frente Parlamentar da Agropecuária e contava com apoio de parte da bancada para o andamento do projeto de lei, mas, depois de ser aprovado no Senado, o texto estacionou.

Além das promessas de resistência à proposta por parte de vários deputados federais, a matéria foi rechaçada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. Em uma das tradicionais transmissões ao vivo feita pelo presidente às quintas-feiras no período da noite, Bolsonaro afirmou que vetaria o projeto caso fosse levado á sanção presidencial.

“O estrangeiro pode começar a comprar terras no município que ele sabe, de uma forma ou de outra, o que tem no subsolo, daí começa a explorar… Não pode acontecer isso no Brasil. Passou no Senado, alguns senadores falaram que o projeto é bom, mas não me convenceram. Vai para a Câmara, e se ela aprovar, tem o veto meu, e daí o Congresso vê se derruba o veto ou não”, declarou o presidente da República ainda em dezembro.