Agronegócio

Recuperação judicial no campo: veja o que muda com novo entendimento do STJ

Tribunal definiu que produtores rurais não precisam de registro na Junta Comercial para entrar com processo de recuperação judicial; entenda o panorama para futuras negociações

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Foto: Ministério da Agricultura

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) comemora uma vitória esperada por produtores rurais de todo o Brasil há anos. Quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ)  decidiu na última terça-feira, 6, mais uma vez a favor aos produtores rurais pedirem recuperação judicial sem exigência de registro da Junta Comercial, a entidade enxergou como mais um passo para maior profissionalização da atividade agropecuária brasileira.

Esse sentimento de mudança definitiva ocorre porque, reforçando a decisão anterior do próprio STJ, o colegiado definiu que a comprovação deve ser feita apenas pela atividade rural e que não é necessário dois anos de inscrição na Junta Comercial.

A decisão por 4 votos a 1 em favor do recurso do Grupo ERS, uma banca de advogados representante de produtores rurais,  fixou tese e gera uma orientação que praticamente pacifica o assunto no âmbito do judiciário.

Para a CNA, a decisão do STJ foi recebida por muito entusiasmo, pois a entidade reconhece do direito do produtor rural Pessoa Física. “Com isso, vejo que o setor produtivo encaminha ainda mais para o profissionalismo e para a transparência, com a possibilidade do bom pagador conseguir melhores condições de financiamento”, explicou o consultor jurídico da CNA, Rodrigo Kaufman.

Segundo ele, o judiciário brasileiro sempre olhou para o empresário urbano, mas ao contrário desse tipo de profissional, o empresário rural nunca precisou ter esse registro para exercer a profissão.

“Nós achamos a decisão fundamental, pois ela reconhece uma tese que o produtor rural pede há muito tempo. O crédito rural das tradings sempre foi concedido a ele, sem a necessidade deste registro. Por isso, a grande tese que a CNA defendeu é que o produtor tem direito a recuperação judicial, independente da Junta Comercial. Havia um debate com os financiadores da atividade rural até o ano passado, sempre em clima amistoso de diálogo”, disse.

Rodrigo Kauffman, consultor jurídico da CNA. Foto: CNA

O especialista cita ainda o Projeto de Lei 6229, aprovado na Câmara e encaminhado ao Senado que atualiza a Lei de Falência,  adaptando-a ao cenário de calamidade pública da pandemia de coronavírus. Entre as maiores inovações, estão as possibilidades de financiamento na fase de recuperação judicial, de ampliação do parcelamento das dívidas tributárias federais e de apresentação do plano de recuperação pelos credores.

Pelo texto, se autorizado pelo juiz, o devedor em recuperação judicial poderá fazer contratos de financiamento, inclusive com seus bens pessoais como garantia, visando salvar a empresa da falência. Se a falência for decretada antes da liberação de todo o dinheiro do financiamento, o contrato será rescindido sem multas ou encargos.

Outra decisão relevante neste âmbito foi sobre a recuperação de produtos levados dos produtores rurais como forma de pagamento durante a suspensão da recuperação judicial. Segundo a decisão, ficou definido que “nenhum credor poderá tomar bens durante o processamento da recuperação judicial” e que “uma vez que apreendido, durante a suspensão da Recuperação Judicial, que ficou restabelecida, este credor tem o dever de restituir os ativos, no caso, os grãos arrestados e, se não os tiverem, o respectivo pagamento, levando-se em consideração o dia do depósito judicial, já que com o cumprimento da liminar de arresto assumiram os riscos respectivos”.

O resultado do julgamento, no entanto, não foi bem recebido em todas as partes da cadeia produtiva. Procurada pelo Canal Rural, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), disse ter um entendimento diferente sobre os efeitos da decisão no STJ que, segundo ela, não pode considerada definitiva.

“A associação declara ser temerário e um retrocesso o encaminhamento das decisões sobre as negociações passadas e legitimamente pactuadas. Para a Abiove, a permissividade para o ingresso do produtor rural pessoa física sem registro nas Juntas Comerciais dificulta a fiscalização de suas atividades”, disse a entidade por meio de comunicado.

Entenda a decisão

Em seu parecer, o relator do processo, o ministro Marco Aurélio Belizze, destacou que ainda que relevante para o deferimento do pedido de recuperação judicial, como instituto próprio do regime empresarial, o registro na junta é absolutamente desnecessário para que o empresário rural demonstre a sua regularidade de exercício profissional de sua atividade podendo ser comprovada de outras formas.

De acordo com o advogado especialista em recuperação judicial e professor de direito empresarial, Saulo Mesquita, essa decisão é muito importante pois há divergência sobre o assunto nos tribunais, sobretudo em Mato Grosso e São Paulo. “O STJ ainda não julgou essa matéria em repetitivo, no entanto, não pacificou por completo essa matéria. Porém, quando se têm o entendimento de duas turmas a favor de um assunto, tudo indica que se vai conseguir pacificar a jurisprudência, dando a orientação para os tribunais de origem”, contou.

De fato,  24 horas após a decisão do STJ, os tribunais já começaram a aplicar o novo entendimento. De acordo com o advogado Alisson Franco, sócio da ERS Advocacia, nesta quarta-feira, 7, uma decisão no Tribunal de Justiça de Mato Grosso já reconheceu a tese do STJ.

Saulo Mesquita, advogado especialista em recuperação judicial e professor de direito empresarial. Foto: Divulgação

Segundo Saulo Mesquita, havia um entrave para muitos produtores no pedido de recuperação judicial, já que a  Lei de Recuperação Judicial exige o registro da atividade na Junta Comercial. No entanto, é reconhecido que a profissão de produtor rural difere das atividades empresariais urbanas.

“Sabemos que a maioria dos produtores opera na Pessoa Física, porque oferece uma série de benefícios e o agro é uma atividade um tanto quanto familiar. Se fala muito de que seriam grandes grupos se aproveitando, mas sabemos que o agro não é feito de grandes conglomerados e sim de muitos pequenos produtores”, disse.

Esses pequenos produtores, na opinião do advogado, mesmo operando em Pessoa Física, têm uma atividade empresarial organizada, geram muitos empregos e geram renda. “Temos que lembrar que o agro é que movimenta o país”, completou.

“Eu vejo isso com bons olhos, mas há divergências. Outros especialistas acreditam que os credores podem ser pegos de surpresa, já que não há previsão na lei para recuperação judicial de produtor. Por outro lado, o Código Civil explica que o agronegócio merece um tratamento diferenciado. Ainda que os produtores não tenham o registro mercantil, eles têm uma atividade comercial organizada. Desde que ele comprove essa atividade comercial, eu não vejo motivo para que não seja acatada essa decisão”, concluiu.