Agricultura

Etanol: queda do petróleo e coronavírus põem em risco futuro do setor

De acordo com especialista, o governo federal tem 30 dias para traçar medidas que possam dar competitividade ao biocombustível

Os preços do petróleo no mercado internacional recuaram para o menor patamar em quase 18 anos, com o barril sendo negociado perto de US$ 20. De acordo com o professor da Universidade de São Paulo (USP) e Fundação Getulio Vargas (FGV), Marcos Fava Neves, isso causou uma mudança abrupta no mercado de biocombustíveis, já que a tendência é que os combustíveis derivados de petróleo fiquem mais baratos.

“Estamos todos assustados. O que era para ser um dos melhores anos para o setor sucroenergético erodiu em 30 dias. Primeiro, foi a guerra de preços do petróleo [entre Arábia Saudita e Rússia] e, depois, o coronavírus. Não lembro de ter visto em minha carreira uma mudança tão grande em tão pouco tempo”, diz o especialista.

Segundo Fava Neves, o setor de açúcar não sentirá tanto porque boa parte desta safra e da próxima foi negociada por até R$ 1.500 a tonelada. “Então não é a grande preocupação. E também não teremos um tombo no consumo do açúcar, pois o governo terá que dar suporte alimentar às famílias”, argumenta.

O especialista ressalta, no entanto, que o “muro do etanol” tombou. “É algo desastroso. [A queda do petróleo] derruba muito o preço da gasolina e com isso o etanol precisa vir para baixar para continuar sendo vendido. Além da paralisia quase total do uso de combustíveis. Eu, por exemplo, usava 100 litros por semana. Esta semana, usei 10 litros. É um dano brutal”, diz.

Fava Neves sugere cinco ações ao governo federal para tentar mitigar o impacto deste movimento sobre produtores e usinas: estocagem de etanol nos tanques; aumento do Cide sobre a gasolina de maio até dezembro; isenção de PIS/Cofins para o etanol; aumento na mistura de hidratado à gasolina; e criação de uma linha de financiamento para os produtores atravessarem este período.

Caso o poder público não interceda pelos setor produtivo, o resultado seria uma expansão do endividamento, afirma o professor. “Não queremos que esse setor tombe e comprometa sua capacidade de oferecer energias renováveis ao Brasil”, afirma.

O vice-presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), Glauber Silveira, afirma que o impacto em Mato Grosso, grande produtor de etanol à base do cereal, já é grande. “Já houve uma queda de pelo menos 50% no consumo”, relata.

Indústria busca renegociar

A Valero Energy, segunda maior refinaria de petróleo dos Estados Unidos, afirma que não cumpriá os contratos de compra de milho de Iowa, segundo a agência de notícias Bloomberg. A refinaria declara força maior devido ao impacto da pandemia do coronavírus sobre a demanda mundial por combustível.

A Raízen, segunda maior distribuidora de combustíveis do Brasil, também já avisou fornecedores de etanol que, em razão da queda na demanda, revisará os contratos de volumes programados com a usina. Em nota, a empresa ressalta que está focada em fortalecer parcerias com fornecedores de etanol e a medida tem como objetivo permitir que esses fornecedores planejem melhor as próprias operações.

Já a BR Distribuidora, maior distribuidora do Brasil, não declarou força maior e não cancelou contratos. Em comunicado, a empresa informa que busca a flexibilização dos contratos.

Glauber Silveira, presidente da Abramilho, salienta que qualquer diminuição na demanda de milho para produção de etanol significa sobra de grãos no mercado, o que pode pressionar os preços da commodity.