Agricultura

Recuperação judicial no campo: entenda como foi a batalha jurídica até a decisão do STJ

Conversamos com o advogado Alisson Franco, sócio da ERS Advocacia, e que participou do julgamento que fixou tese no STJ em favor dos produtores rurais

Fazenda sol clima
Foto: Pixabay

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu na última terça-feira, 6, mais uma vez a favor aos produtores rurais pedirem recuperação judicial sem exigência de registro da Junta Comercial. Reforçando a decisão anterior do próprio STJ, o colegiado definiu que a comprovação deve ser feita apenas pela atividade rural e que não é necessário dois anos de inscrição na Junta Comercial.

Recuperação judicial no campo: veja o que muda com novo entendimento do STJ

A decisão por 4 votos a 1 em favor do recurso do Grupo de advogados ERS fixou tese e gera uma orientação que praticamente pacifica o assunto no âmbito do judiciário.

Em seu parecer, o relator do processo, o ministro Marco Aurélio Belizze, destacou que ainda que relevante para o deferimento do pedido de recuperação judicial, como instituto próprio do regime empresarial, o registro na junta é absolutamente desnecessário para que o empresário rural demonstre a sua regularidade de exercício profissional de sua atividade podendo ser comprovada de outras formas.

Para entender como esse processo judicial chegou até a segunda decisão no STJ e parece ter provocado um entendimento que pode atingir produtores de todo o Brasil, conversamos com o advogado Alisson Franco, sócio da ERS Advocacia, parte no processo judicial.

Ele explica que essa discussão foi iniciada no âmbito do STJ há 7 anos, por meio de um recurso especial, onde os ministros estavam discutindo naquela ocasião a necessidade ou não do registro na junta comercial para fazer a recuperação judicial.

“Naquela ocasião, se definiu que o produtor, para ingressar com a recuperação judicial, efetivamente, precisaria estar inscrito. Então, após aquele julgamento, iniciaram em todo o país discussões sobre o produtor rural e a questão foi bem debatida nos tribunais de São Paulo, em que o próprio Tribunal de Justiça decidiu que seria desnecessário o registro pelos dois anos, podendo ser feita a comprovação por outros meios”, disse.

Em Mato Grosso, segundo ele, essa discussão “ganhou relevância em vista de o setor primário passar por grande dificuldades nesses contratos de barter e de multa de maneira geral. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso, então, entendeu de forma diferente, sendo necessário o registro de pelo menos 2 anos e, a partir de então, começou a indeferir os pedidos de recuperação judicial. Os juízos no interior davam, e o tribunal cassava”, comentou.

E um desses casos foi justamente o representado pelo advogado. Os empresários rurais Alessandro Nicoli e Alessandra Nicoli de Sinop (MT), desenvolvendo plantio de soja e milho naquela região há quase 20 anos. Assim, em janeiro de 2019, diante das dificuldades financeiras, ingressaram com pedido de recuperação judicial, tendo pedido negado na 2ª Vara Cível de Sinop/MT deferiu o pedido, sob o enfoque de que a inscrição na junta comercial datada de menos de dois anos não seria óbice para o processamento do pedido, uma vez que o prazo de dois anos previsto no art. 48 da Lei 11.101/05 não conta da inscrição, mas da comprovação da efetiva atividade rural, no caso, comprovada pela perícia prévia.

Em fevereiro daquele mesmo ano, a empresa Louis Dreyfus Company, recorreu da decisão, defendendo que havia a necessidade de inscrição pelo período de dois anos, uma vez que o empresário, para começar a sua atividade e torná-la regular, precisa desta inscrição. Assim, o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso suspendeu a recuperação judicial, defendendo que o empresário rural precisa estar inscrito na Junta Comercial pelo período mínimo antes do ingresso da ação. Imediatamente a esta decisão, a credora, junto com a trading Fiagril, fizeram o arresto de 230 mil sacas de soja que estavam nos armazéns.

Diante dessa decisão, os produtores ajuizaram uma medida de urgência perante o Superior Tribunal de Justiça, em que conseguiram suspender a própria decisão do TJMT e, assim, em maio de 2019, restabeleceram a recuperação judicial.

Com a decisão do STJ, os empresários buscaram na recuperação judicial a devolução dos grãos que foram levados pelos credores, o que foi negado pelo juiz da causa em julho de 2019 e, depois, pelo próprio TJMT em dezembro de 2019, resultando em novo recurso especial.

Alisson Franco, sócio da ERS Advocacia

Foi então que no último dia 6 de outubro, ambos os recursos especiais foram julgados pelos Ministros da 3.ª Turma do STJ. Em relação ao recurso sobre os dois anos, o ministro e relator Marco Aurélio Bellize acolheu os argumentos dos empresários, afirmando que a lei garante tratamento diferenciado, em que a atividade rural é considerada regular mesmo sem o registro, exigindo apenas a comprovação desta atividade, que no caso da produção rural, não está caracterizada pela inscrição na junta comercial, tendo em vista que esta apenas serve como requisito formal para formular o pedido e não a transformação do produtor em empresário.

Outros três ministros acompanharam o relator, fechando o placar de 4 a 1 em favor da tese de que o produtor rural não precisa estar inscrito na junta comercial no período de 2 anos para ingressar com pedido de recuperação judicial.

Os mesmos juízes decidiram que “nenhum credor poderá tomar bens durante o processamento da recuperação judicial” e que “uma vez que apreendido, durante a suspensão da Recuperação Judicial, que ficou restabelecida, este credor tem o dever de restituir os ativos, no caso, os grãos arrestados e, se não os tiverem, o respectivo pagamento, levando-se em consideração o dia do depósito judicial, já que com o cumprimento da liminar de arresto assumiram os riscos respectivos”.

“Essa decisão agora veio prestigiar a segurança jurídica, mais do que já estava, porque a outra turma que trata de direito privado no STJ, tem o que se chama de fixação de tese que, praticamente, obriga todos os tribunais do país a seguir essa orientação juriprusdencial em relação a questão envolvendo os dois anos, por entender que o empresário rural, desde o início da sua atividade, sempre foi dispensada a inscrição para demonstrar a regularidade do seu trabalho”, concluiu.