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Javali: caça com uso de cães tem gerado conflitos; caçadores pedem segurança jurídica

Com nova legislação, que aumenta penas de maus tratos contra cães, caçadores temem que acusações consideradas arbitrárias gerem consequências graves

Caçadores de javalis estão preocupados com possíveis conflitos legais relacionados ao uso de cães na atividade. O agravamento da pena para crimes de maus tratos contra cães e gatos, sancionado em setembro, tem aumentado o temor. Em relato ao Canal Rural, eles alegam que a falta de detalhamentos sobre o conceito de “maus tratos”, já gerava acusações “arbitrárias” por parte de oficiais com consequências negativas, como a apreensão dos cães. 

Alexandro de Oliveira, comerciante e caçador de javalis, sempre fez a caça de forma voluntária e autorizada pelo Ibama com a ajuda de cães. Em maio deste ano, os cães dele foram apreendidos pela polícia ambiental depois de uma abordagem no interior de São Paulo.

“Os policiais reviraram minha caminhonete para saber se eu tinha algo ilícito. Como não acharam nada, foram na caçamba da caminhonete, apontaram para os cães e falaram que iriam me prender por maus tratos. Eles alegaram que eles estavam apertados na caminhonete. Eu achei que aquilo era uma brincadeira”, conta Oliveira.

Oliveira garante que não havia irregularidade. O tutor dos animais diz que apresentou os documentos e as carteiras de vacinação dos cães ao oficial, além de chamar uma advogada e uma médica veterinária ao local. Mesmo sem apresentarem quaisquer ferimentos ou sinais de estresse, segundo o caçador, os animais foram recolhidos pelas autoridades.

“Eu, cidadão de bem, proprietário dos cães, pra transportar eles, deveria transportar em gaiolas individuais. Foi essa justificativa que deram ali pra justificar que era maus tratos. Mas eles levaram meus cães num caminhão boiadeiro, cheio de esterco”, protesta Oliveira.

Para o líder da comunidade de caçadores “Aqui tem Javali”, Rafael Salerno, ainda falta segurança jurídica na atividade. ”Existem ativistas envolvidos dentro dos órgãos que consideram o próprio uso de cães como maus tratos. Essa situação precisa ser esclarecida, estabelecida de forma regulamentar pelos órgãos aqui direito. Eles precisam definir como devem ser usados os animais, como devem ser criados e transportados. Nós queremos trabalhar com consciência tranquila, e não ser julgado como bandidos perante a sociedade. Nós fazemos um  trabalho importante para a agricultura e o meio ambiente”, ressalta.

Para os caçadores, o tema tem preocupado ainda mais, nas últimas semanas. Em setembro, o presidente Jair Bolsonaro sancionou uma lei que prevê penas mais duras para crimes de maus tratos cometidos contra cães e gatos, conhecida com Lei Sansão. Se antes a pena era de multa e detenção de três meses a um ano, com a nova lei a pena passou a ser de multa, proibição de guarda e reclusão de dois a cinco anos.

“Se fosse hoje [a abordagem que terminou na apreensão dos cães], eu tenho certeza que estaria preso. Imagina você, um pai de família que corre atrás da documentação, que procurar obedecer a lei, que tem criança esperando em casa, esposa, família, tem duas empresas pra administrar, sair pra fazer um controle e não voltar pra casa por ter sido preso? Isso é um absurdo”, declara Alexandro Oliveira.

“A Lei Sansão, ao agravar a questão da pena para maus tratos,  pode ensejar maiores problemas em relação a arbitrariedades que nós já vínhamos sofrendo, seja de policiais ambientais, membros do Ibama, delegados, entre outros. Com isso, se antes a gente já era punido em forma de multa, neste momento a gente corre o risco de ser elevado à esfera criminal”, alerta Rafael Salerno.

Salerno ainda observa que a própria caça de animais invasores tem sido perseguida por políticos que “não conhecem a atividade e os danos causados à agricultura e ao meio ambiente”. Na última quarta-feira, 4, uma liminar concedida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo derrubou a eficácia da lei nº 17.295, sancionada em outubro pelo governador João Dória, que permitia controle de outros animais silvestres invasores, além do javali, no estado.

“Nós estamos no campo vendo as nascentes e a mata nativa sendo destruídas, os animais silvestres sendo predados e todos os demais prejuízos causados à agricultura. Nós não temos outra alternativa”, diz.

Para o advogado e professor em direito agrário e ambiental Pedro Puttini, o caçador deve se precaver para evitar acusações das autoridades. “Nada é tão direto para reclusão por conta daquele princípio básico do direito penal de que até que seja processado todo mundo é considerado inocente. Flagrante vai preso por conta da situação ali, mas cabe fiança, nada assim que vai ser inafiançável. Mas há um grande risco de haver muita falha de interpretação. Tudo se resume em mitigar os riscos e oferecer o menor número de elementos que configuram os maus tratos”, alerta o especialista.

Previsão legal

O uso de cães na caça de javalis foi permitida em 2019 por meio de uma instrução normativa do Ibama. A regulamentação determina que cães de qualquer raça podem ser utilizados na prática. Para isso, o responsável pelos animais deve portar o atestado de saúde dos cachorros, emitido por um médico veterinário, e também a carteira de vacinação atualizada.

Os cães de presa devem utilizar coletes peitorais com identificação vinculada ao tutor. O animal também deve permanecer em contenção até que seja necessário soltá-lo para o manejo do javali. O texto também prevê que, em caso de maus tratos, o tutor seja responsabilizado conforme a lei.

A resolução nº 1.236 do Conselho Federal de Medicina Veterinária conceitua maus tratos como “qualquer ato, direto ou indireto, comissivo ou omissivo, que intencionalmente ou por negligência, imperícia ou imprudência provoque dor ou sofrimento desnecessários aos animais”.