DEBATE

Presidente do Inep diz que Enem 'não demoniza o agronegócio'

O edital que selecionou os elaboradores para da prova do Enem 2023 foi feito em 2020, durante o governo Bolsonaro

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Foto: Agência Brasil

O presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Manuel Palácios, disse nesta quarta-feira (8) que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2023 foi um teste construído a partir de critérios técnicos e objetivos. A oposição, no entanto, diz que prova teve viés ideológico, contrário ao agronegócio e ao capitalismo.

O debate ocorreu na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados por acordo, sem aprovação dos requerimentos pedindo o comparecimento de Palácios. 

O presidente da comissão, Moses Rodrigues (União-CE), informou que houve acordo para o comparecimento do ministro da Educação, Camilo Santana, a uma audiência pública conjunta das comissões de Educação; de Fiscalização Financeira e Controle; e de Agriculgura, no próximo dia 22, para tratar do mesmo tema.

Questões sobre agronegócio foram elaboradas na gestão de Bolsonaro

Professores da educação básica e universitários selecionados por meio de chamada pública elaboram os itens da prova, lembrou Palácios.

O governo Bolsonaro fez o edital que selecionou os elaboradores para o Enem 2023 em 2020.

“Nós estamos falando de professores que foram selecionados em 2020 e que estão exercendo essa atividade até hoje. Se há algum tipo de seleção enviesada, ela vem sendo enviesada há muito tempo”, disse o presidente do Inep. “Na verdade, não há nada além da seleção pública de profissionais da educação por meio de critérios objetivos de currículo”, reforçou.

Autores citados

O presidente do Inep afirmou que a seleção de autores citados na prova também é feita a partir de critérios técnicos e objetivos – ou seja, aqueles que tenham publicado textos em revistas científicas bem avaliadas na comunidade científica.

Palácios frisou que o estudante não precisa concordar com a opinião do autor e sim mostrar que compreendeu o texto. “O que se pede, no comando do item, é que ele manifeste, ao assinar a resposta correta, que compreendeu o argumento do outro”, explicou. 

Agronegócio

O deputado Sargento Gonçalves (PL-RN) criticou a questão do Enem que abordou fatores negativos do agronegócio no Cerrado, mencionando, por exemplo, a “superexploração” dos trabalhadores e as “chuvas de veneno” (em referência ao uso de agrotóxicos).

Ele criticou o elaborador da questão: “Com propósito puramente ideológico, ele impõe ao candidato daquele certame ou que pense igual a ele, que elaborou a prova, ou perca aquela questão.” 

O deputado Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP) criticou a mesma questão. “É isto que está no Enem: que o agronegócio mata. Isso é absurdo”, opinou. “Não existe chuva de veneno em lugar nenhum no mundo. Isso é guerra ideológica, não é agronegócio”, completou. “A sua obrigação é anular essa questão”, cobrou do presidente do Inep. 

A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) reforçou as reclamações. Ela acredita que a prova trata de maneira pejorativa o agronegócio, que tem relevante papel no PIB do Brasil. “As provas têm muitas distorções, têm um viés ideológico absurdo”, criticou. “O que a gente viu nessa prova foi um desfiar de questões afrontando o agro e o capitalismo numa dimensão absurda e, na minha visão, maquiavélica”, complementou. 

O deputado Abilio Brunini (PL-MT), por sua vez, disse que o presidente do Inep “tinha interesse claro em fazer distorção ideológica”, para selecionar militantes de esquerda para as universidades. “Se você defende o agro nesta prova, você reprova”, disse.

Palácios, no entanto, negou que o Enem ou o Inep demonizem o agronegócio.

Novos elaboradores da prova

O deputado Capitão Alberto Neto (PL-AM) defende novo edital, para convocar novos elaboradores para a prova. Ele considera que os atuais querem difundir a “ideologia marxista, comunista, contra a família brasileira e contra o agronegócio”.

Ao criticar a prova, ele citou o vídeo que viralizou na internet em que o cantor Caetano Veloso não consegue responder uma questão de interpretação sobre música dele.

Racismo e feminismo

O deputado Zucco (Republicanos-RS) afirmou que “o governo transformou o Enem numa prova doutrinária sobre racismo, feminismo, ditadura militar e violência de gênero”.

O parlamentar criticou a citação de autores de esquerda na prova. Ele também disse que a prova não é equilibrada com a citação de autores conservadores.

“Racismo é crime; feminismo não é uma doutrina, é a defesa dos interesses da mulher. Não me parece que sejam doutrinários itens que de alguma maneira coloquem em evidência as questões relativas à discriminação racial e contra a mulher”, respondeu Palácios.

Segundo o presidente do Inep, em casos de erros técnicos, esses problemas podem ser submetidos às Comissões de Assessoramento Técnico-Pedagógico, cujos integrantes também são selecionados por edital.

Defesa da prova

O deputado Pedro Uczai (PT-SC) defendeu a questão da prova em que o autor citado diz que o desmatamento está articulado no tripé grileiros, madeireiros e pecuaristas.

Na visão de Uczai, a questão não criminaliza o agronegócio, e sim grileiros e desmatadores que se apropriam de terras públicas. “Dizer que não têm contradições no campo? Não vamos esconder a realidade”, afirmou. 

O deputado Chico Alencar (Psol-RJ) também rebateu as críticas e disse que o capitalismo existe, assim como o desmatamento da Amazônia e as chuvas tóxicas. Para Alencar, o Enem instiga a inteligência do estudante.

O deputado Tarcísio Motta (Psol-RJ) reiterou que houve, na história brasileira, exploração do campesinato. “Esse é um debate que está consagrado na academia”, apontou. 

Já a deputada Dandara (PT-MG) disse que a violência contra a mulher e contra os negros cresce, e o racismo estrutura as relações de poder. “Isso não são questões ideológicas, como se quer vender. São de fato constatações sociológicas da realidade brasileira. Em seguida, ela elogiou o tema da redação do Enem abordando a invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil.