Pecuária

Estudo sugere criar programa para controlar tuberculose bovina entre animais silvestres

O Brasil não possui uma legislação específica para o controle da doença, à qual os animais silvestres são suscetíveis

A partir de uma pesquisa realizada no parque temático Pampas Safari, que funcionou no município de Gravataí, no Rio Grande do Sul, até 2017, pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) compreenderam a extensão do surto de tuberculose bovina em animais silvestres, como cervos.

Os resultados servem como um alerta para a necessidade de um programa de controle da doença entre esses animais, seja na natureza, em zoológicos ou parques.

Desenvolvida com o apoio da Fapesp e a colaboração de equipes da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural do Rio Grande do Sul e da Faculdade de Medicina Veterinária da USP (FMVZ-USP), o resultado da pesquisa mostra que a doença foi provavelmente transmitida através dos bois para ao menos 16 espécies diferentes de animais, em sua maioria da espécie cervídeos.

Foram encontradas três variantes genéticas da bactéria causadora da doença, a Mycobacterium bovis. Os resultados foram publicados na revista Transboundary and Emerging Diseases. Segundo os autores, trata-se do primeiro estudo que mostra a prevalência da doença em um ambiente que não é totalmente fechado, como um zoológico.

Daiane Lima, pesquisadora do Grupo de Pesquisa Animal da Embrapa e primeira autora do estudo, afirma que “esses números, tanto de variantes como de espécies de animais infectados, provavelmente são maiores, pois não há um teste de diagnóstico específico para a tuberculose bovina em animais silvestres”.

Flábio Ribeiro de Araújo, também da Embrapa, acrescenta que “o problema certamente foi muito maior do que o relatado. Nós só pegamos um fragmento do que aconteceu lá, com testes em animais mortos”.

Zoonose

A tuberculose bovina é uma enfermidade infectocontagiosa que acomete animais domésticos, silvestres e também humanos. A transmissão para o homem se dá principalmente pela ingestão (leite cru não pasteurizado, na maioria das vezes) ou inalação de aerossóis por meio do contato com animais doentes.

Não existe tratamento nem vacinas para os animais, somente medidas de prevenção e contenção do espalhamento de focos, que envolvem o abate após o diagnóstico. De caráter crônico, a doença causa prejuízos econômicos para a pecuária de corte e de leite, além de barreiras sanitárias.

“Mundialmente, a notificação de tuberculose bovina à Organização Mundial da Saúde Animal é obrigatória. Mas, no Brasil, os casos em animais silvestres não precisam ser reportados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Queremos que esse trabalho ajude a corrigir esse vácuo legal, tendo em vista que o Programa Nacional de Controle da Tuberculose Bovina do ministério não leva em conta os animais silvestres”, afirma Ana Márcia de Sá Guimarães, coordenadora do Laboratório de Pesquisa Aplicada a Micobactérias do ICB-USP, onde foi feito parte dos testes.

Diagnóstico e sequenciamento

Os cientistas analisaram amostras de animais sacrificados, coletadas entre os anos de 2003 e 2018. Além de amostras de lhamas que vieram a óbito, foram também incluídas amostras oriundas do diagnóstico de cervídeos realizado pela equipe veterinária do SEAPDR, seguindo orientações de pesquisadores, e o protocolo diagnóstico do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), que também cuidou das eutanásias dos animais diagnosticados clinicamente.

Com o decorrer dos anos, as amostras desses animais foram enviadas à Embrapa e à FMVZ-USP, que ficaram responsáveis por realizar o diagnóstico por meio de cultivo bacteriano. As amostras positivas foram submetidas ao sequenciamento genômico. Sendo possível entender se existia transmissão entre os animais e se houve múltiplas introduções da bactéria ao longo do tempo.

No ICB-USP as amostras passaram por análises de bioinformática, onde foram captados todos os DNAs e comparados para avaliar se houve mutações da bactéria. “Tentamos ver quais genomas seriam mais próximos entre si e quais estariam mais distantes e que poderiam ser de origens diferentes”, explica Cristina Zimpel, aluna de doutorado. “Com o estudo, conseguimos mostrar, pelas três variantes encontradas, que houve ao menos três introduções diferentes da doença no parque no período”, acrescenta.

Tudo indica que o surto no Pampas Safari se deu em função de dois fatores:

  • alimentação inadequada dos animais, que compromete sua imunidade e habilidade de lutar contra o patógeno;
  • superlotação de indivíduos de espécies diferentes em um espaço pequeno.

“Os cervídeos que se infectaram foram sacrificados. Mas como o Pampas Safari é um local privado e a fazenda onde ele ficava situado ainda existe, não dá para dizer que o surto terminou”, diz Ana Márcia de Sá Guimarães.

Os pesquisadores estimam que a doença pode ter se espalhado para outros Estados, pois no parque havia uma atividade intensa de venda de animais vivos para outras fazendas.

Rastreamento de casos

A busca por novas parcerias para analisar outros casos de transmissão de tuberculose bovina em animais silvestres. “Queremos conversar com pessoas responsáveis por zoológicos em diferentes regiões do país para ver se elas já presenciaram casos da doença e o que foi feito. E então analisá-los a fim de ter a real noção de sua prevalência no Brasil”, afirma Guimarães.

Paralelamente, o grupo seguirá fazendo estudos sobre transmissão e diagnóstico da tuberculose nos bovinos e bubalinos.

Na avaliação dos pesquisadores, é imprescindível um programa de controle da doença voltado aos animais silvestres, com notificação obrigatória dos casos e estabelecimento de critérios claros de diagnóstico. Sem essas medidas, o risco de disseminação da doença no Brasil, por meio dos animais silvestres, tende a aumentar.

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Foto: Pampas Safari/Divulgação