Insegurança, preocupação e polêmica marcaram esportes equestres em 2016

Situação da vaquejada foi um dos temas mais polêmicos do ano e motivo de muita discussão 

Fonte: ABQM/Divulgação

O ano de 2016 foi de insegurança e preocupação para os praticantes e amantes da vaquejada. O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional uma lei cearense que regulamentava a prática. Nas ruas, vaqueiros de várias partes do país protestaram em defesa do esporte. No Congresso nacional, deputados e senadores tentaram mudar a constituição para preservar essa e outras atividades equestres. 

Em outubro, o STF julgou inconstitucional uma lei do Ceará que regulamentava a vaquejada como prática cultural. Por seis votos a cinco, a corte entendeu haver crueldade e maus tratos aos animais na prática em que duplas de vaqueiros montados em cavalos perseguem o boi pela pista e tentam derrubar o animal puxando pelo rabo. A decisão gerou grande mobilização dos praticantes e amantes de vaquejada em todo o país. 

Foram registradas manifestações em diversas cidades e cerca de seis mil pessoas se reuniram em Brasília para protestar contra o julgamento do STF. Elas levaram cavalos, arreios, caminhões, faixas e cartazes para defender a prática. 
  
“Mobilizou o Brasil inteiro. Tem vaqueiro de toda região. Quando tomamos conhecimento da decisão, fizemos uma mobilização. Fizemos uma demonstração de que não aceitaríamos a decisão”, afirmou o vaqueiro José Cordolino. 

“Seria o maior desastre já praticado contra o Nordeste e o Norte brasileiro. Não posso como cidadão brasileiro concordar pacificamente com uma decisão dessas. Eu tenho vaqueiros que há 50 anos competiram comigo e hoje continuam levando sustento da família, pra seus filhos, tratando o cavalo que ele não tem mais como correr. E pra onde vai esse pessoal?”, protestou o vaqueiro Raul Leão.
 
Ativistas da causa animal também foram às ruas contra a vaquejada e outros esportes equestres, e engrossaram o coro contra os maus tratos. 

A ativista Luísa Mel acredita que não existe vaquejada sem crueldade com os animais. “Quem ganha muito dinheiro (com a atividade) são empresários, são milionários, são pecuaristas, que inclusive pagaram para as pessoas virem na última manifestação. Está no site de um haras que eles estão pagando, então não foi nenhuma manifestação da população mesmo, que na verdade ganha salários miseráveis em três dias de festa”, disse. 

Os defensores da vaquejada alegam que tanto o STF como parte da sociedade brasileira desconhecem a realidade, e que a prática é importante para a economia rural. 

Vice-presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Cavalos Quarto de Milha (ABQM), Sérgio Novaes acredita que a movimentação financeira é importante para o setor. Segundo ele, a vaquejada envolve criadores, tratadores, vaqueiros, pessoas que organizam os eventos em parques, juízes, profissionais de locução, de limpeza, e toda a indústria do entretenimento.

“A vaquejada movimenta 12% do negócio do agronegócio do cavalo. Segundo estudo do Mapa (Ministério da Agricultura), esse setor movimenta R$ 16 bilhões por ano; 12% equivale a R$ 2 bilhões de faturamento anual, o que é cifra extremamente importante”, disse. 

Uma das medidas implementadas para garantir o bem-estar dos bovinos é o uso do protetor de cauda, que reduz o impacto no rabo do animal, quando ele é puxado pelo vaqueiro. O criador do produto garante que o bicho não sofre lesões. 

“O protetor funciona, basicamente, como uma malha de tração, que distribui a força durante toda a extensão da cauda. Antes, nós tínhamos o problema que se tirava os cabelos do rabo do boi lá no final, e, com a evolução da vaquejada, nós vimos que tínhamos que proteger o boi e acabar com todos os malefícios que poderiam ser causados ao boi durante a vaquejada. O protetor veio pra resolver esse problema”, disse o empresário Moaci Neto. 

Para a veterinária e diretora do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, Vânia Nunes, no entanto, as inovações não impedem que bois e cavalos sofram danos durante a vaquejada. 

“Somos contra a crueldade, o sofrimento e os maus tratos. Esses artifícios e jogos de palavras que estão sendo colocados, de protetor de cauda, não vão impedir que as lesões ocorram. Como vamos garantir fiscalização nessas práticas? Todas as pessoas, técnicos, veterinários, juristas, deveriam ser os primeiros a valorizar outras áreas onde poderíamos ter crescimento do turismo, da renda, mercado, valorizar cultura. Agora não dá pra aceitar que o que é feito na vaquejada com o animal, elas precisam ser descontinuadas”, apontou. 

Uma das preocupações dos praticantes de outras atividades é que rodeios também sejam afetados. 

“Temos uma preocupação com nossas raízes. Então, o sentimento será de perda. Nós perdemos a oportunidade de preservação de uma forma pública da nossa tradição, sem contar que nós vamos perder a parte cultural, artística, econômica. Nós não vamos ter mais o rodeio para fazer a base”, contou a presidente do Movimento Tradicionalista Gaúcho do Planalto Central, Loiva Lopes. 

O que não houve até agora foi consenso nas interpretações jurídicas da decisão do STF. Para alguns, a vaquejada está proibida em todo o país. Para outros, a corte apenas não reconheceu que a prática é cultural no Ceará. 

“Nosso corpo jurídico está recorrendo da decisão, que por enquanto é só para o estado do Ceará. Não há efeito vinculante para os demais estados. nós entendemos que foi decisão equivocada e temos certeza que com saber jurídico dos ministros do STF, será revista”, afirmou Sérgio Novaes. 

Para tentar virar o jogo, os amantes de rodeios e vaquejadas recorreram ao Congresso nacional, onde tramitam mais de 20 projetos de lei que tentam regulamentar essas práticas. Um deles, de autoria do deputado Capitão Augusto, que eleva essas atividades à condição de patrimônio cultural imaterial do país foi aprovado na Câmara, no Senado e sancionado pelo presidente Michel Temer. 

Outros foram apresentados logo que a polêmica veio à tona, mas a análise de cada um pode demorar. A grande aposta no setor é nas duas propostas de emenda à constituição, as PECs 270 e 50, que já começam a ser debatidas nas casas legislativas e devem ser votadas em 2017. 

“Acredito que teremos essa PEC aprovada.  Acho que quando falo que vamos sair mais fortes, e quando essa PEC passar não vai ter sido vitória da vaquejada, mas sim das pessoas que não aceitam a intolerância. O que estamos vivendo é demonstração de intolerância e desrespeito à cultura e até o aspecto econômico e social de um povo”, disse Marcos Lima, vice-presidente da Associação Brasileira de Vaquejada (Abvaq). 

Mas há quem conteste também a legalidade de uma mudança na constituição para proteger a vaquejada. O juiz federal e professor de direito ambiental Ilan Presser acredita que a PEC será contestada. 

“Tudo indica que, mantida a composição atual, todas as razões que levaram o Supremo a entender que temos esse dever ético, intergeracional, pois os animais não falam, mas sentem dor como nós. Então, não é possível para o Supremo dentro do voto condutor, o voto da presidente também, não é possível sobre o pretexto da diversão e do entretenimento infligir maus tratos aos animais”, analisou. 

Apesar da turbulência em 2016 e da derrota na Justiça, o setor afirma que tirou lições do ano que passou. E que a luta para regulamentar a atividade continue em 2017.