Pecuária

Combate avança, mas furto de gado cresce 24% em MG com alta do boi gordo

Dados se referem a período desde 2018, quando foi instalada delegacia especializada no assunto; no entanto, houve queda de 17,81% das ocorrências nos primeiros 4 meses de 2022, em relação ao mesmo período do ano passado

Minas Gerais tem avançado no combate a furto de gado com a criação de uma delegacia especializada em crimes rurais. No entanto, a guerra contra o roubo de animais encontrou um novo desafio: a valorização da arroba de boi gordo, que tem estimulado os criminosos.

Desde 2018, o estado conta com a Delegacia Especializada em Investigação e Repressão a Crimes Rurais (Deicra), que integra o Departamento Estadual de Investigação de Crimes Contra o Patrimônio (Depatri). Com sede em Belo Horizonte, a delegacia tem atuação em todo o estado, alcançando sucesso na recuperação do gado roubado, na repressão de delitos e desmantelamento de organizações criminosas. Mas a alta nas cotações da arroba elevou a ocorrência de furto de gado em 24,53% no estado, desde a implementação da delegacia especializada.

Ainda assim, nos primeiros quatro meses de 2022, houve queda de 17,81% nos furtos de bovinos, na comparação com o mesmo período do ano passado. Esse cenário foi influenciado pelos avanços dos trabalhos do estado já no fim de 2021.

Em novembro do ano passado, foram inauguradas quatro delegacias especializadas no combate a crimes rurais em Minas Gerais: em Araxá, Uberaba, Uberlândia e Frutal. Vale destacar que, além das unidades especializadas no setor rural, todas as unidades policiais da Polícia Civil do estado (PCMG) atendem aos 853 municípios mineiros e têm competência para realizar o registro de ocorrências e investigação criminal. Além dessas quatro, no último mês de abril, foi inaugurada a unidade de São Sebastião do Paraíso.

 

Para o delegado Delmes Feiten, titular da Deicra, realmente houve um aumento nos furtos, o que não desmerece o avanço no combate a crimes nos últimos anos. “Diante dessa elevação abrupta no valor da arroba do boi, no valor do produto agro de forma geral, houve esse fenômeno que chamamos de interiorização do crime, um deslocamento dessas quadrilhas e organizações para a área rural, principalmente para o furto deste animais”, conta.

Por outro lado, Feiten afirma que houve um fortalecimento no combate a crimes, com uma redução drástica em roubos e invasões a fazendas, principalmente como resultado do trabalho de investigação e inteligência da Polícia Civil.

Segundo o delegado, há uma soma de esforços entre a Deicra e as unidades do interior. “A atuação de uma delegacia local não exclui a atuação da nossa especializada. A resolução que culminou na criação da Deicra remonta a 2018 e impõe nossa atribuição para crimes cometidos em áreas rurais como furto, roubo, receptação e extorsão, cujo valor supere 100 salários mínimos [R$ 121.200] ou que pela repercussão e gravidade, seja necessária a nossa atuação. Mas as delegacias do interior tem sido criadas, e outras estão sendo regulamentadas em todo o estado, todo departamento do interior, em uma comunhão de esforços com a nossa atuação especializada, para que esse combate a crimes rurais possa ser cada vez mais efetivo”.

Furto de máquinas agrícolas

Outro problema que também atinge o estado é o furto e roubo de máquinas agrícolas. No entanto, o delegado Feiten afirma que a recuperação desses equipamentos tem sido satisfatória, inclusive fora do estado. “Os maquinários tem um fator de dificuldade que é a sua identificação, é uma questão que já levamos para fins legislativos. Acreditamos que precisa ser feita uma alteração na lei para controlarmos melhor essa identificação dos equipamentos, mas temos recuperados essas máquinas de forma muito eficaz”, avalia.

Fronteiras e tecnologias

De acordo com o delegado titular da Deicra, a Polícia Civil de Minas Gerais trabalha em conjunto com outros estados no controle das fronteiras. “As nossas fronteiras, diferentemente de alguns outros estados, como é o caso do Rio Grande do Sul que faz fronteira com Argentina e Uruguai, são federativas, mas os cuidado não é menos importante. Com isso, além do compartilhamento de informações, desses esforços entre as especializadas e delegacias locais, nós também atuamos em conjunto com as Polícias Civis de outros estados, e isso repercute na efetividade dos trabalhos de repressão aos crimes rurais”, ressalta.

Questionado sobre o contingente policial no combate dos crimes rurais, o chefe da Deicra afirma que sempre há espaço para avanço. “O efetivo sempre pode melhorar, até porque Minas Gerais contra com uma malha rodoviária extensa, corredores que seguem para o Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul do Brasil. Hoje nós temos toda essa logística que impõe uma estruturação, e a PCMG está atenta a isso, realizando concursos públicos para a formação de novos investigadores, escrivães, médicos legistas, policiais civis, para compor toda a demanda que aparece”.

Cuidados contra furto

Segundo Feiten, os produtores podem e precisam adotar cuidados para evitar delitos. “Os criminosos são fomentados tanto pelo valor agregado da atividade, como é o caso da elevação da arroba do boi, como também pelas circunstâncias, pela facilidade da atuação delitiva. Uma propriedade que apresente fragilidades na sua segurança pode estar mais propícia a ser alvo de uma subtração, portanto, além da atuação estatal, é igualmente relevante o papel do próprio produtor em manter uma rede de vizinhos, manter sistemas de filmagens em sua propriedade, o controle mais frequente do seu gado, maquinário, da sua colheita, tudo isso é muito importante”, afirma.

Febre aftosa

A partir de 2023, Minas Gerais não contará com a obrigatoriedade na vacinação do rebanho bovino contra a febre aftosa. A suspensão será possível após uma série de ações sanitárias desenvolvidas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), em conjunto com o Plano Estratégico do Programa Nacional de Vigilância da Febre Aftosa (PE/Pnefa), desde 2017.

Segundo o titular da Deicra, mesmo sendo uma questão sanitária, essa não é uma preocupação ignorada pela PCMG. “Nós mantemos essa preocupação até porque atuamos também com outras instituições, voltadas a proteção do setor agro, entre elas, o Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), que além de guias de trânsito de vias animais, também cuida da saúde do rebanho animal. Nós deflagramos várias operações em parceria, em conjunto com o IMA, e essa questão realmente não é alheia a polícia, óbvio que o foco principal é o aspecto dos crimes contra o patrimônio, mas essas questões, adjacentes, correlacionadas, assim como ambiental, fiscal, além da sanitária, são objeto da nossa tutela”, ressalta Feiten.

De acordo com o delegado, a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg), por possuir unidades em todo o estado, está sempre em contato com a PCMG, fornecendo informações à polícia sobre furtos, roubos, além de fatos relevantes de ordem jurídica e sanitária.

Novas unidades

A delegacia especializada de Frutal, que cobre também os municípios de Planura, Comendador Gomes, Itapegipe, Fronteira e São Francisco de Sales, é vinculada à delegacia exclusiva de Uberaba, a 107 quilômetros do município. Isso acontece pelo baixo número de crimes nessa área do estado, de acordo com Fabrício Altemar, delegado regional da Polícia Civil de Frutal, e responsável pela unidade.

“Nós não temos crimes todos os dias, como é na área urbana, aqui na zona rural. Então não adianta deixar uma equipe aqui em Frutal, deixar um delegado, dois investigadores e um escrivão, só por conta de crimes rurais. Então eu tenho uma equipe da delegacia de roubos, tráfico e setor de inteligência, que são competentes para a delegacia rural. Caso ocorra um crime de furto de maquinário ou roubo de animais, a equipe para o que está fazendo, se desloca para o local, coleta as informações, a vítima e testemunhas são convidados para vir a delegacia, para tomar esse primeiro passo e a gente já começa a trabalhar. Na zona rural, se você não tiver câmera, muitas vezes não há testemunha e você tem que trabalhar com ‘quebra de Erb’ [quebra de sigilo telefônico], pegar o celular dos suspeitos que praticaram o ato. Se jugarmos necessário, nós solicitamos ajuda da unidade exclusiva de Uberaba, que vem nos dar apoio na investigação”, conta Altemar.

Para o delegado titular da unidade de Frutal, as novas unidades tem ajudado no combate aos crimes. “Com a delegacia rural, nós passamos a ser mais rápidos nas diligências do que antes da implementação. Com essa dinâmica, de ser dedicada, as informações começaram a chegar mais rápido para nós, então a gente consegue ter mais informações. Aqui em Frutal, como a delegacia foi criada recentemente, em novembro do ano passado, o resultado mais expressivo que nós tivemos foi em dezembro, já era uma investigação que eu estava a frente há um ano, ai eu promovi para a delegacia de crimes rurais, que foi de um furto de 45 bezerros que aconteceu em 2020, em Comendador Gomes. Conseguimos rastreá-los, através de um aparelho celular que eles esqueceram no curral, e através disso identificar de 8 a 10 pessoas nas cidade de Franca (SP), Uberaba e Campo Florido. De 10 pessoas, 6 foram presas”.

Dificuldades

Segundo Altemar, o principal problema no combate aos crimes rurais no estado é o baixo efetivo, principalmente em áreas de fronteiras e grandes rodovias. “Estamos a 35 km do estado de São Paulo por Barretos, a 110 km de São José do Rio Preto, a 180 km de Mato Grosso do Sul, 200 km de Goiás, e essa é uma região rica na agropecuária. Houve uma migração desse tipo de crime que acontecia nesses estados vindo para nossa região. A Polícia Rodoviária Federal não consegue estar em todas as rodovias federais e estaduais ao mesmo tempo, então esse é um grande entrave”.

Ele ressalta ainda a especialização dos criminosos na prática dos delitos. “Antigamente os roubos e furtos de maquinários eram em caminhões pranchas, que assim que davam o alerta, nós comunicávamos nos grupos de WhatsApp, que é a segurança que temos com a PRF e a Polícia Estadual. Era fácil realizar uma abordagem com caminhão prancha, hoje não, eles passaram a utilizar caminhões baús, todos adaptados devido ao tamanho dos tratores, e assim eles conseguem passar por fiscalizações sem serem abordados, sem chamar a atenção com as máquinas nas carrocerias”, analisa.

Em Frutal, a Polícia Militar (PM) realizou um credenciamento, através de GPS, em cada uma das propriedades da região, para quando ocorra algum crime, as autoridades possam ser comunicadas e interceptar todas as rotas de entrada e saída, na tentativa de surpreender os criminosos.  “Juntamente com a PM também foi criada a Rede de Vizinhos Protegidos de Fazendas pelo WhatsApp, com os produtores em constante comunicação, e com isso, temos obtido muitos resultados. Caso tenha um veículo estranho parado perto da propriedade, eles nos informam a placa e nós realizamos uma pesquisa, checamos para ver se o veículo é da região e o nome do proprietário. Se for preciso, a equipe da PM, que tem uma equipe rural que faz rondas noturnas e diurnas, vai o local e realiza a abordagem”, comenta.

O delegado chefe da Deicra afirma que, mesmo os municípios que não possuem delegacias especializadas, não estão desprotegidos. “Nas localidades onde não existe formalmente instaladas uma delegacia rural especializada na investigação e repressão aos crimes rurais, há delegacias de crimes contra o patrimônio. Ainda que o nome delegacia de crime rural não esteja efetivamente instalado naquele local, não quer dizer que a apuração e resposta da Polícia Civil frente aos crimes rurais ali não exista. Todos as delegacias do nosso interior combatem, de forma perene e permanente, os crimes rurais”, finaliza Feiten.