
A Câmara dos Deputados aprovou em dois turnos a chamada PEC da Blindagem (PEC 3/21), que altera profundamente as regras de responsabilização de parlamentares. Pelo texto, deputados e senadores só poderão ser processados ou presos com autorização prévia das próprias Casas legislativas, e essa autorização poderá ser decidida em votação secreta.
Além disso, a proposta amplia o foro privilegiado para presidentes de partidos políticos com representação no Congresso e permite que processos em andamento sejam afetados, criando uma barreira inédita entre a Justiça e os políticos.
O discurso oficial é de “defesa da independência do Legislativo” diante do Supremo Tribunal Federal. Mas, na prática, a medida cria um escudo institucional para evitar que denúncias de corrupção, abuso de poder ou crimes comuns avancem sem o aval dos pares.
Ao transferir para dentro do Parlamento o poder de autorizar investigações e prisões, a PEC institucionaliza o corporativismo: parlamentares julgando parlamentares, em sigilo, longe do olhar do eleitor.
O que está em jogo:
- Transparência – o voto secreto impede que a sociedade saiba quem protege quem, minando o controle social.
- Responsabilização – processos legítimos podem ser travados, atrasados ou até inviabilizados por acordos políticos.
- Equilíbrio entre Poderes – o Legislativo invade a esfera do Judiciário, fragilizando o sistema de freios e contrapesos.
- Imagem do país – a mensagem para a sociedade e para o mundo é a de que o Brasil retrocede no combate à impunidade.
A aprovação da PEC acontece em meio a tensões entre Congresso e STF, e logo após negociações políticas envolvendo anistias e acordos partidários. Ou seja, não é apenas uma discussão jurídica, mas também uma movimentação estratégica para proteger lideranças e reforçar o poder político em Brasília.
Para o cidadão comum, o recado é devastador: enquanto problemas reais, inflação, crédito caro, endividamento do agro, saúde, segurança, aguardam soluções, o Parlamento prioriza a sua própria blindagem.
Para investidores e observadores internacionais, a medida reforça a percepção de fragilidade institucional e de risco de impunidade, com impacto na confiança e até no custo de financiamento do país.
A chamada PEC da Blindagem não é apenas mais uma mudança constitucional: é um divisor de águas na relação entre representantes e representados. Ao aprovar um escudo contra a Justiça, os parlamentares deixam claro que seu compromisso maior não é com o cidadão, mas com a autopreservação.
O Congresso escolheu legislar para si mesmo. E quando o poder político se protege acima da lei, que protege o povo?

*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural
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