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Entenda as mudanças do projeto que flexibiliza regras para compra de terras por estrangeiros

Senador autor do projeto garante que o país já perdeu cerca de US$500 bilhões em investimentos com legislação atual

Aprovado no Senado Federal e enviado para votação na Câmara dos Deputados, o projeto de lei 2.963/2.019 pretende alterar as regras para que estrangeiros possam comprar e arrendar terras no país. Para o autor da matéria, o senador Irajá (PSD-TO), o objetivo é atrair investimentos, mas o debate é polêmico. Registros do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) mostram que quase quatro milhões de hectares do Brasil já estão em posse de estrangeiros.

“Nós tivemos uma convivência muito bem sucedida com esses mesmos investimentos estrangeiros até 2009. Então, nas décadas de 1980, 1990 e também na última década de 2000, nós sempre convivemos de forma harmônica e essa boa parceria sempre gerou frutos importantes pro país. Agroindústrias foram instaladas, plantas de celulose, de esmagadora de soja, laticínios, frigoríficos, frutos de investidores de fora do país e tudo isso permitiu que o agro tomasse essa dimensão e essa relevância que nós temos de protagonismo internacional. Quando chegamos em 2009, a AGU [Advocacia-Geral da União] tomou uma decisão radical e praticamente proibiu que estes investimentos continuassem no país. Nós já estamos há 11 anos com esse limbo. É um prejuízo, se somados estes 11 anos, de quase US$ 500 bilhões de novos investimentos que ficaram represados, ou seja, que não aconteceram no país. Isso significa um terço do nosso orçamento geral da União”, defende Irajá.

A mudança citada pelo senador foi gerada pelo Parecer LA 01/2.010 emitido pela Advocacia-Geral da União (AGU). À época, o presidente Luís Inácio Lula da Silva e o advogado-geral da União Luís Inácio Lucena Adams aprovaram um parecer da Controladoria-Geral da União limitando a venda de terras brasileiras para empresas nacionais constituídas ou controladas por estrangeiros. Entre as restrições impostas, estava a de que estas empresas brasileiras não poderiam adquirir imóveis rurais com mais de 100 módulos de exploração indefinida. Regra que já era aplicada a pessoas jurídicas estrangeiras.

Legislação atual

As regras para compra e arrendamento de terras por estrangeiros são determinadas, principalmente, pela lei 5.709 de 1.971. O Incra é o órgão responsável por normatizar e controlar o processo de aquisição destes imóveis rurais. De acordo com as regras vigentes, podem adquirir terras no Brasil:

  • Pessoas naturais (estrangeiros residentes no Brasil e cadastrados no Registro Nacional de Estrangeiros);
  • Pessoas jurídicas estrangeiras (com autorização para funcionar no Brasil);
  • Pessoa jurídica brasileira constituída ou controlada por estrangeiros.

Porém, há limites de aquisição de terras definidos por cada tipo de comprador. A medida territorial é feita por Módulos de Exploração Indefinida (MEI). Um MEI pode variar, de acordo com região e município, entre 5 e 100 hectares. Dessa forma, as restrições de compra e arrendamento são delimitadas assim:

– Pessoas naturais

  • Até 3 MEI – aquisição não demanda autorização do Incra (exceto quando o imóvel está em faixa de fronteira ou se trata de segunda aquisição)
  • Acima de 3 MEI e até 20 MEI – aquisição demanda autorização do Incra
  • Acima de 20 MEI e até 50 MEI – aquisição demanda autorização do Incra e apresentação de projeto de exploração da área

– Pessoas jurídicas estrangeiras e brasileiras equiparadas

  • Até 100 MEI – aquisição demanda autorização do Incra e apresentação de projeto de exploração da área
  • Acima de 100 MEI – aquisição demanda autorização do Congresso Nacional e apresentação de projeto de exploração da área

Essa aquisição de áreas ainda precisa respeitar os limites territoriais estabelecidos tanto para pessoas naturais e jurídicas estrangeiras, quanto pessoas jurídicas brasileiras equiparadas. São eles:

  • A soma total das áreas rurais adquiridas não pode ultrapassar 25% da superfície territorial do município de localização de imóvel rural
  • Pessoas de mesma nacionalidade não podem ser proprietárias de mais de 10% da superfície territorial de cada município

Para ter acesso a todas as exigências e processos necessários para aquisição de terras por estrangeiros, basta acessar o site do Incra.

Mudanças propostas
O projeto de lei apresentado ao Senado, pede a revogação da lei 5.709/71 e propõe que pessoas jurídicas brasileiras equiparadas não sofram as restrições impostas às pessoas físicas e jurídicas estrangeiras. Porém, se a empresa brasileira equiparada tiver interesse em imóvel rural situado no bioma amazônico é necessário obter autorização de compra ou arrendamento com o Conselho de Defesa Nacional.

“Nós criamos dentro deste projeto – que é um projeto conservador, equilibrado – várias vacinas, que a gente chama. Se tratam de proteções ao país, à nossa soberania. Por exemplo, as áreas de fronteira que ficarão restritas à compra e arrendamento e mesmo parceria. Um outro cuidado que nós tivemos no projeto é com relação a nossa floresta Amazônica que poderia ser alvo de desmatamento ou mesmo que isso pudesse colocar em risco a soberania da Amazônia e, por essa razão, nós tomamos esse cuidado de excetuar os sete estados que tem como vegetação o bioma amazônico”, expôs Irajá.

Sobre as dimensões de terras para aquisição, o texto traz flexibilização em relação as regras atuais. A proposta é de que pessoas físicas e jurídicas estrangeiras possam adquirir até 15 módulos fiscais (área que varia entre 105 e 1350 hectares, a depender do município brasileiro) de forma livre, sem necessidade de autorização do Incra ou outro órgão público. A exigência atual de apresentação de projetos de exploração da terra adquirida também deixaria de existir.

“Nós temos leis sólidas, como o nosso Estatuto da Terra, o qual todos estão sujeitos, em que se você não cumprir os dois indicadores que são o grau de utilização da terra e o grau de exploração e eficiência, você esta sujeito à desapropriação. Não precisamos mudar essa lei, então qualquer empreendimento, qualquer área produtiva, esteja ela já implantada no passado, no presente ou que venha a ser implantado no futuro, está sujeito a essa mesma lei”, afirmou o autor da matéria.

Na nova legislação proposta, os limites territoriais atuais são mantidos tanto para compra quanto arrendamento: 25% da superfície de cada município, com restrição de 10% da área total para cada nacionalidade. “Imagine que o território da cidade de Curitiba seja de 100mil hectares. Quer dizer que os estrangeiros vão poder investir em 25 mil hectares? Não. Porque a lei já subtrai desse território áreas que são protegidas, por exemplo, terras indígenas, áreas de preservação permanente, áreas de proteção ambiental. Geralmente num município, a metade dele já está protegido por lei, então só sobra, nesse exemplo que te dei, 50 mil hectares. Sobre as áreas produtivas de Curitiba que você poderá conceder uma autorização de investimento estrangeiro”, argumenta o senador.

Polêmica

O andamento da matéria no Congresso Nacional tem despertado reações entre políticos e entidades do agronegócio. O presidente da Aprosoja Brasil, Bartolomeu Braz, veio a público manifestar repúdio à proposta. O líder da entidade esclareceu que o assunto foi debatido com todas as unidades estaduais e com o senador autor do projeto.

“Nós já dissemos que isso vai trazer problemas para o Brasil, é um projeto muito complicado. Passou no Senado, mas agora tem a Câmara, é a hora nossa de nós trabalharmos aqui com a Frente Parlamentar da Agropecuária, junto com parlamentares de todos os estados. Os produtores também têm esse objetivo de trabalhar com os seus deputados para devolver isso ao Senado ou então arquivar esse projeto,  pois ele não é viável nesse momento, onde a gente busca cada vez mais a soberania do nosso Brasil. Nesse momento, essa inciativa propõe um desarranjo das terras agricultáveis do Brasil”, se posicionou Braz em vídeo divulgado aos associados pelas redes sociais.

O corretor de imóveis rurais, Nilo Ourique, comenta que o interesse de grupos e fundos estrangeiros pela flexibilização da legislação brasileira é grande, o que poderia movimentara a economia. Mesmo assim, o profissional, com 17 anos de experiência na área, é contrário às mudanças.

“Hoje, o tamanho das áreas é o principal impeditivo para os estrangeiros. Eles não querem vir aqui pra comprar dois, três mil hectares, eles querem mais. Porque quando você pega grupos e fundos que tem muito dinheiro, falar em dois, três mil, cinco mil [hectares] é uma chácara. Alguns querem utilizar para plantar, outros querem para fazer reserva de mercado e outros para especular. Num primeiro momento pode parecer muito bom para corretores, imobiliárias, para quem está vendendo, só que essas vendas iniciais depois vão resultar em um custo Brasil absurdo e  elevando o preço das terras”, explica Ourique.

Depois de ter sido aprovado no Senado, o projeto agora aguarda ser pautado para entrar em votação na Câmara dos Deputados. A Frente Parlamentar da Agropecuária ainda não se posicionou sobre a matéria, mas o deputado federal Jerônimo Goergen (PP-RS), ligado ao setor, garante que o texto não será aprovado na Câmara, por não se tratar de “prioridade do produtor brasileiro e tão pouco do Brasil”.

Quem também já garantiu que não permitirá as mudanças legislativas é o presidente Jair Bolsonaro. “O estrangeiro pode começar a comprar terras no município que ele sabe, de uma forma ou de outra, o que tem no subsolo, daí começa a explorar… Não pode acontecer isso no Brasil. Passou no Senado, alguns senadores falaram que o projeto é bom, mas não me convenceram. Vai para a Câmara, e se ela aprovar, tem o veto meu, e daí o Congresso vê se derruba o veto ou não”.

Terras em posse de estrangeiros

Apesar das críticas do senador Irajá à legislação atual, o Incra declara que quase 4 milhões de hectares brasileiros (3,98 milhões) estão em posse de estrangeiros ou empresas brasileiras equiparadas. Uma área similar à extensão da Suíça, país localizado na região central da Europa. De acordo com o Censo Agropecuário, esse domínio engloba pouco mais de 1% dos imóveis rurais, já que, em 2017, os estabelecimentos agropecuários ocupavam 351 milhões de hectares do país.

Os dados do Incra foram enviados à reportagem do Canal Rural , com informações detalhadas retiradas do Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR). Porém, a área total soma aproximadamente 3,64 milhões de hectares. Pelos dados do SNCR serem auto declaratórios, eles apresentam falhas. Há proprietários estrangeiros que não informaram a nacionalidade ou ainda deixaram em branco o campo de área total dos imóveis rurais que possuem. Por conta disso, a expectativa é de que o país possua mais territórios em posse de estrangeiros do que marcam os registro.

Pelos registros do Incra é possível estabelecer que empresas brasileiras equiparadas são as principais donas de áreas no país com 1,55 milhão de hectares. Entre os proprietários estrangeiros, a maior porção de terras está sob domínio de portugueses (643,8 mil ha), seguidos de japoneses (358 mil ha), libaneses (259,3 mil ha) e italianos (136,6 mil ha). Porém, em número de proprietários, a nacionalidade mais incidente entre os estrangeiros donos de áreas rurais no Brasil é a japonesa, com 5.360 donos de imóveis. Os portugueses vêm atrás, com 4.191 proprietários, seguidos por 1.705 italianos, 1.090 alemães e 966 espanhóis.

Minas Gerais é o estado com maior concentração de terras compradas por pessoas ou empresas de outros nacionalidades (943,5 mil ha), seguido por Mato Grosso (402,3 mil ha), São Paulo (351,4 mil ha), Pará (311,5 mil ha) e Bahia (260 mil ha). Além disso, pessoas naturais detêm mais terras no país (2 milhões ha) do que pessoas jurídicas (1,6 milhão ha).